Faço aqui um pequeno relato da segunda parte da viagem à Argentina. Confesso que este é o segundo rascunho que escrevo. No primeiro, que ficou a meio, fazia uma descrição pormenorizada de todos os locais dignos de referência por onde passei. Chegado a meio apercebi-me de que o texto que estava a escrever era uma espécie de livro de viagem, mas em versão de qualidade mais duvidosa. Decidi, por isso, adoptar uma perspectiva diferente. Aqui vai...
Não posso dizer que a segunda parte da viagem tenha sido à Patagónia profunda e inacessível. Passei só pelos pontos obrigatórios e mais turísticos. Pode fazer-se a viagem que fiz, atravessar a Patagónia de cima a baixo, num dia só (para que serve o avião?), em meia-dúzia deles, num mês, num ano ou numa vida. Qualquer que seja o tempo que se gasta, há sempre qualquer coisa para ver, mais algum caminho para seguir. No meu caso tinha só dez dias e, apesar de parecer pouco tendo em conta a extensão total da viagem, chegou para ver paisagens de postal e para conhecer pessoas que só existem em filmes.
Durante o caminho conheci gente que estava em viagem há seis meses, com outros seis em perspectiva. Tive um guia que, debaixo de um sol de 37º, vestia uma camisola e um blusão de penas, tinha uma barba com um ecosistema próprio, e dizia dos animais da reserva que 'the meat is very good, very white, very lean'. Fiz oito quilómetros a pé num parque para ir acampar num sítio que não tinha nada, só uma retrete partilhada por 120 pessoas. Acordei às 4:50 da manhã para 'trepar' até uma altitude de 500 m, no meio de uma escuridão absoluta, iluminado só por uma lanterna de porta-chaves, tudo isto para ver o nascer do sol.
Fui randomly selected na fronteira com o Chile para ir a uma sala responder a perguntas sobre droga, e suspeito que foi só porque o guarda embirrou comigo porque fiz uma festa ao seu cão. Passeei numa ilha com mais de 1500 pinguins. Vi os Andes à minha frente e assisti a um pôr-do-sol em que o mar parecia estar a arder. Percebi que um deserto não tem de ser só de areia, e não é só nas Arábias.
Fiz mais de 3000 km de autocarro, num total de mais de 60 horas. Estive no ponto mais a Sul do planeta, do outro lado da estrada só a Antártida. Cheguei, literalmente, ao fim do mundo.
Adorei o seu texto. Porquê? Porque está maravilhosamente bem escrito, porque tem um humor absolutamente delicioso e porque me lembrou a mesma viagem que fiz em 1994. Obrigada por me fazer lembrar um dos meus países preferidos. pcp
ResponderEliminarQue delícia. Que imagem, que momentos.
ResponderEliminarÉ sobretudo a musicalidade da sua escrita que me encanta. Vá e volte sempre.
Querido Muna,
ResponderEliminarTambém senti essa imensidão grandiosa, essa estranheza tão peculiar, essa beleza esmagadora.
Obrigada por me relembrar uma viagem inesquecível...
Beijinhos