A vontade e o acaso levam-me a sítios onde já estive antes.
Cheguei na 6ªfeira a Roma, para me aboletar uns dias em casa de amigos. Estive em Itália pela primeira vez no inicio dos anos 80, talvez, tendo aproveitado para conhecer, não só a capital, mas também Florença e Veneza, assim como Siena e Verona. Voltei a Roma em meados dessa década e repeti brevemente a visita, por motivos profissionais, não me recordo quando.
O que separa o peregrino urbano que sou, do peregrino urbano de há três décadas? Seguramente um quilo por cada ano decorrido; uma resistência acentuadamente inferior ao calor; o olhar diferente com que olho as coisas, as pessoas, a arte, o espaço; a dificuldade em viajar sozinho, eu que fui um peregrino essencialmente solitário.
Hoje escrevo de Florença, onde cheguei anteontem. Hospedei-me no Hotel Unicorno, porque a infidelidade conjugal pode ser falha de uma noite só, num quarto sem vista sobre a cidade. Há trinta anos esta terra impactara-me mais do que Roma, de onde viera. Confirmei a percepção. A beleza é a mesma, a grandiosidade é a mesma, os pormenores arquitectónicos equilibrados e que dão à cidade uma homogeneidade (quase) perfeita são os mesmos. O que a diferencia de Roma? Duas coisas essenciais – o tamanho e as pessoas. Florença é significativamente mais pequena, pelo que o esmagamento que se sente é menor.
Viajar, como já escrevi, é um fenómeno de massas. Há multidões por todo o lado – excursões, famílias, bandos de jovens, casais novos com crianças cuja tenra idade não lhes permite distinguir a Piazza della Signoria de Paris, Texas. Fala-se francês, castelhano, o americano, aqui e ali o brasileiro. Na capela dos Medici, na feira ao lado da Igreja de San Lorenzo, no Duomo ou em qualquer outro sítio há gente, gente, gente. O desejo de contemplação de uma obra de arte ou de uns minutos de recolhimento é impensável, porque há os encontrões, as fotografias, as excursões com o chapéu de chuva ao alto. E há mais uma igreja, mais uma rua, mais uma pizza.
Vir a Itália é vir a Roma. Mas a visita fica incompleta se não houver o desejo de apanhar um comboio que nos traga até aqui. A visão desta arte que se vive e respira, desenhada , esculpida e construída, tantas vezes em nome de uma fé que moveu montanhas e gerou injustiças, ensina-nos que a capacidade do espanto permanece em nós. A capela dos Príncipes, construída porque a família Medici precisava de um espaço sepulcral com outra dimensão, tem pouco de virtude cristã. Resta-nos a beleza, a beleza, a beleza. Agradeçamos à fé por isso.
JdB
Gosto imenso destas crónicas, JdB! Sinto-me a reviver sítios por onde passei e que também me esmagaram de alguma forma. Lembra-me também uma amiga minha, que já não está entre nós, das pessoas menos "básicas" que conheci, que me dizia, depois de ter regressado de uma viagem a Roma e a Florença que já não aguentava tantos monumentos, tantas piazzas, tantos muros, escadas, ruínas e beleza ... sentia-se intoxicada, esmagada pelo excesso de beleza, como se o seu sentido de visão precisasse de descansar e não conseguisse. Achei muito curiosa esta observação que raras pessoas, penso eu, fazem! Nem sequer é "politicamente correcto". Divirta-se. pcp
ResponderEliminarExcelente crónica de viagem, João!
ResponderEliminarEssa da gente por todo o lado é uma realidade que temos de suportar nestes tempos modernos. Apesar da desertificação do interior, qq terrinha deste Portugal está cheia de gente e carros. Faço ideia as principais cidades italianas.
Diverte-te, com quem mais desejares!
Abraço,
fq