As melhores viagens são, por vezes, aquelas em que partimos ontem e regressamos muitos anos antes
30 outubro 2020
29 outubro 2020
Textos dos dias que correm
Nenhum Amor é Menos Ridículo que Outro
Sim, deve necessariamente implicar uma dialética de razões, e quem não as quisesse ouvir ou não as quisesse expor, ganharia mais em desculpar-se com a inoportuna extensão do discurso do que em alegar a falência total de explicações.
Ora a verdade é que o amante não pode explicar nada, não sabe explicar nada. Viu centenas de mulheres; deixou talvez passar muitos anos sem experimentar o amor; e um dia, de repente, vê a sua mulher, a única, a Catarina.
Isto é ridículo. Sim, é cómico que tão grande força que há-de transformar e embelezar a vida inteira - o amor - nem sequer seja como o grão de mostarda donde deverá surgir uma grande árvore, que seja menos do que isso, que, em última análise, se reduza a um quase nada. Sim, é cómico que do amor não se possa apresentar um só critério prévio, por exemplo a idade em que se produz tal fenómeno, que da escolha da única mulher no mundo não se possa dar a mínima razão, que se haja escrito que «Adão não elegeu Eva, porque não teve possibilidade de a distinguir entre as mulheres».
Não será igualmente cómica a explicação apresentada pelos amantes? Ou melhor, essa explicação não servirá para acentuar ainda mais o aspecto cómico? Os amantes dizem que o amor os cega, e depois de dizerem isso é que tentam iluminar o fenómeno. Se um homem entrasse numa câmara escura para ir lá buscar um objecto qualquer, e se respondesse «não vale a pena, a coisa não tem importãncia», a quem lhe dissesse que procuraria melhor se levasse consigo uma luz, eu compreenderia muito bem a atitude desse homem. Mas se esse mesmo homem me chamasse à parte para em grande mistério me confiar que ia buscar uma coisa importantíssima, e que por isso mesmo tinha de a procurar às cegas - como poderia a minha pobre cabeça de mortal seguir a subtileza de tão desconcertante linguagem! Evidentemente que não lhe riria na cara, para não ofender; mas, assim que ele voltasse as costas, não poderia mais conter a vontade de rir.
(...) Se me entrego à hilaridade, estou muito longe de querer ofender alguém. Desprezo, porém, esses loucos, persuadidos de que o amor deles está tão completamente justificado que podem de bom grado mofar dos outros amantes; pois, uma vez que o amor se furta a qualquer explicação, todos os amantes se tornam igualmente ridículos.
Soren Kierkegaard, in "O Banquete" (Discurso do Mancebo, sem experiência no amor)
28 outubro 2020
"Se formos de Ferrari, poderemos ir rezar pelos nossos mortos?" *
27 outubro 2020
Textos dos dias que correm
«Isto de ser um ateu católico não é fácil e inquieta»
«“O mundo existe para todos, porque todos os seres humanos nascem nesta Terra com a mesma dignidade”, diz o papa Francisco na última encíclica, “Fratelli tutti”. Não foram estes os ensinamentos que a Igreja me deu, não é essa a história desde há muito tempo.»
A encíclica “Todos irmãos” constitui o principal fundamento para o texto que o comentador político Pedro Marques Lopes na crónica semanal que assina do “Diário de Notícias”, intitulada “Quo vadis, Francisco?”.
«O encantamento com que fui lendo a última encíclica papal, “Fratelli tutti”, foi-se misturando com uma espécie de angústia, perguntas que me ia esforçando por afastar: e se tivesse sido isto? E se fosse esta a prática, tivessem sido estes os ensinamentos? Se fosse este carinho, esta hospitalidade para as nossas fraquezas, esta compreensão da nossa natureza, ter-me-ia afastado da Igreja? Se fosse este o entendimento da nossa vida em comunidade, ter-me-ia afastado da Igreja?», interroga.
Depois de citar o Evangelho (Mateus 18,18, «em verdade vos digo: Tudo o que ligardes na Terra será ligado no Céu, e tudo o que desligardes na Terra será desligado no Céu», assinala: «A mim desligaram-me na terra e entupiram-me a comunicação. No fundo, desligando-me na Terra com atos e omissões negaram-me a possibilidade da fé, até a possibilidade de Deus».
«A Igreja é feita de homens, e estes erram. Pois, foram demasiados a errar. E continuam a errar e a promover o erro e a desumanidade», aponta, antes de concluir com uma referência inspirada na encíclica «Todos os seres humanos nascem nesta Terra com a mesma dignidade» (n. 5)
Pedro Marques Lopes também menciona as palavras de Francisco sobre a legislação relativa às uniões civis entre pessoas do mesmo sexo, recuperadas no documentário “Francesco”, tema que por estes dias tem mobilizado colunistas, para quem, independentemente das suas posições quanto à fé cristã e à Igreja, não têm sido indiferentes as palavras do papa.
Com efeito, aquelas «palavras de Francisco ecoarão na Igreja, merecendo a alegria e eco de muitos e a repulsa dos que o abominam; darão alento aos que se batem contra a discriminação e talvez façam pensar duas vezes os que desejam reforçá-la; e a cidade inteira as discutirá, as opiniões e práticas da Igreja não tocam apenas os fiéis», observa o psiquiatra, «agnóstico», Júlio Machado Vaz, no “Jornal de Notícias” de domingo.
Rui Jorge Martins
Fontes: Diário de Notícias (Pedro Marques Lopes), Jornal de Notícias (Júlio Machado Vaz)
26 outubro 2020
Ainda da confiança
Podemos viver sem Fé (no sentido religioso da palavra) mas não podemos viver sem confiança, sob risco do edifício que nos sustenta ruir por excesso de tensão interna. Talvez fulana tenha sido agraciada com tudo - aquilo que é desejável e aquilo que é imprescindível -, e viva nesta certeza sossegada de que há caminhadas agrestes mas que, apesar disso, pode confiar no sentido das coisas, no mistério que é existir, nos olhos que não se desviam, na esperança de mais um emprego temporário, nas cruzes injustas que a levam ao Céu, no amor retribuído de um filho adulto a quem ela faz a barba com desvelo.
Confiar é acreditar que na vida tudo tem uma solução. Confiar é saber que precisamos de procurar e construir o nosso caminho, mas que há alturas em que devemos fechar os olhos, descansar a alma e os braços, e acreditar que a nossa existência é um puzzle cujas peças tendem para o encaixe. É ter, tantas vezes, o olhar simples de uma criança que acha que ser pequeno e ter esperança no destino são coisas boas. Confiar, confiar, confiar. Estará aí a solução para muitos problemas?
***
Escrevi o texto acima (o original é mais extenso, retirei apenas estes parágrafo) há mais de sete anos, a propósito de uma pessoa que vivia com dificuldades financeiras e familiares sérias e de cuja boca nunca se ouvia um queixume. Enviei-o ontem a uma jovem mãe que, do outro lado do oceano, se confronta com uma filha com cancro, diagnosticada a um dia de fazer um ano.
(Curiosamente - e talvez este curiosamente seja uma palavra desadequada) nas últimas semanas / meses falei, troquei correspondência, com três mães que passam pelo mesmo.)
Vou sabendo notícias do Brasil, deste bebé numa situação desafiante. Vou trocando mensagens com a mãe, partilhando alguma coisa do que partilharam comigo há 19 anos: a ideia de que todos os dramas são suportáveis se fizermos deles uma história, a ideia de dar um sentido às coisas, a ideia de que, perante o drama, não podemos perguntar porquê, mas para quê. Talvez ela, a mãe desta criança, dona de uma força, de um optimismo e de uma confiança que me enternecem, já tenha percebido tudo, e a frase que ela me escreveu há uns dias, e se este for o propósito que Deus tem pra Camila, já valeu... (sendo que o propósito é o chamamento de pessoas, através do testemunho da mãe, para fazerem dádivas (penso que não será simplesmente sangue) a indicação clara de que algo se acendeu dentro daquela família.
Termino com um diálogo, tirado d' A Paixão de Shakespeare, a que recorro amiúde:
- Vai correr tudo bem...
- Mas como?
- Não sei, é um mistério.
JdB
25 outubro 2020
XXX Domingo do Tempo Comum
EVANGELHO - Mt 22,34-40
Evangelho de Nosso Senhor Jesus Cristo segundo São Mateus
Naquele tempo,
os fariseus, ouvindo dizer que Jesus tinha feito calar os saduceus,
reuniram-se em grupo,
e um doutor da Lei perguntou a Jesus, para O experimentar:
«Mestre, qual é o maior mandamento da Lei?».
Jesus respondeu:
«'Amarás o Senhor, teu Deus,
com todo o teu coração, com toda a tua alma
e com todo o teu espírito'.
Este é o maior e o primeiro mandamento.
O segundo, porém, é semelhante a este:
'Amarás o teu próximo como a ti mesmo'.
Nestes dois mandamentos se resumem
toda a Lei e os Profetas».
23 outubro 2020
22 outubro 2020
Textos dos dias que correm
O que diz Dante e a “Divina Comédia” a estes tempos de pandemia?
Como todo o não-italiano, detenho-me sempre de novo com admirado maravilhamento diante deste monumento da cultura italiana [“(Divina) Comédia”, de Dante Alighieri], e, como todo o leitor, considero-me pequeno e frágil diante de tanta elevação, mas nunca estranho e indiferente, porque o milagre da poesia de Dante é precisamente o de fazer sentir em casa cada pessoa que lhe vá ao encontro com espírito aberto e recetivo, de conduzir cada um de nós a reconhecer-se na humanidade ferida e redentora que ela representa, com uma verdade e uma profundidade que tem poucas comparações na literatura mundial.
As páginas que pretendo ler convosco, que encontramos no segundo canto da segunda parte, colocam-nos numa fase de transição, na passagem perplexa e cautelosa entre um ciclo acabado de concluir (a travessia infernal do mal privado de redenção) e o início de um novo (a purgatória reconstrução do bem através da expiação purificadora). Dante e Virgílio, acabados de subir da voragem infernal, vagueiam pela margem da ilha do Purgatório para encontrar o ingresso da montanha penitencial. A novidade da situação, a ausência de direções traçadas, desconcerta-os, retarda-os, confunde-os. O Antipurgatório, espaço de suma indefinição e desorientação, aprisiona quem o atravessa num estado de inércia, de impasse: Do mar ao longo inda éramos nessa hora,/ Como quem pensa no seu caminho,/ que vai com o coração e com o corpo demora (cf. “Purgatório” II, 10-12). Como acontece a todos aqueles que não sabem que estrada escolher, o coração diz aos dois viandantes que têm de avançar, mas trava-os a incerteza sobre o que fazer: ficam bloqueados. Bem depressa descobrem que não estão sós nesse estado de indecisão. Pelo leme de um anjo enigmático e silencioso, desembarca, com efeito, na margem um grupo de almas nem beatas nem penitentes, também elas à procura do acesso ao percurso de purificação, e não menos desorientadas que os dois poetas: A turba que ali permanece, selvagem/ parecia de espanto apoderada, olhando à volta/ como quem novas coisas experimenta (cf. 52-54).
Esta turba, agitada pela novidade daquilo que está a experimentar, comporta-se como todo o viajante privado de mapa, que pede informações ao primeiro desconhecido com quem se depara. Quando nos sentimos perdidos, é difícil encontrar quem nos possa guiar: Quando a nova gente ergueu a fronte/ a nós se dirigiu dizendo:/ “Se sabeis,/ mostrai-nos o caminho para chegar ao monte”./ E Virgílio responde: “Vós acreditais/ talvez que somos especialistas deste lugar;/ mas nós somos peregrinos como vós o sois” (cf. 58-63).
Como toda a geografia da “Comédia”, o Antipurgatório não representa um lugar, mas um estado, especificamente a condição de se ser recém-chegados, de se estar numa situação que nos apanha completamente impreparados, na qual as nossas coordenadas habituais se tornam insuficientes e falíveis, lançadas fora por uma crise intensa, que acabámos de superar, mas que ainda domina sobre nós: Chegámos aqui, de vós pouco antes,/ por outra estrada, tão áspera e forte,/ que subir ao monte, em comparação, é jogo de crianças (cf. 64-66). Ao ler estes versos, poderoso e irresistível, toma corpo, aos nossos olhos de leitores, o paralelo entre a cena descrita por Dante e o momento histórico que estamos a viver. Também nós, neste singular setembro de 2020, agora para além do ponto de inflexão de um ano excecionalmente doloroso e denso de perguntas ainda sem resposta (acabados de sair de uma estrada áspera e forte que profundamente nos provou como indivíduos e como comunidade), nos encontramos numa espécie de Antipurgatório; também nós experimentamos coisas novas, como a turba de almas que se cruzaram com Dante e Virgílio, e ninguém se sente capaz de dizer experiente do lugar para onde a pandemia nos arremessou, colhendo-nos totalmente de imprevisto, abrindo cenários inéditos, sacudindo certezas, hábitos que pareciam inabaláveis de tal maneira eram óbvios, a indolente rotina da normalidade.
Olhamos à nossa volta, desorientados e perplexos, e não reconhecemos esta estação estranha. Não sabemos que outono nos espera, se de isolamento ou de presença reencontrada. Sentimo-nos bloqueados, nesta terra incógnita que queremos atravessar o mais rapidamente possível, olhando em redor sem saber exatamente que caminho escolher para sair. Nenhuma pessoa sensata se arrisca a desenhar mapas e a batizar percursos. Os experientes descobrem-se inexperientes nesta fase forçosamente transitória na qual todos somos peregrinos, recém-chegados e desejosos de sair o quanto antes, se ao menos soubéssemos como… Uma só coisa, porém, é certa na incerteza total do momento: a crise do coronavírus, que se faz tão áspera e forte, transportou-nos para um mundo desconhecido, nada será como antes, e a novidade é tão grande, que hesitamos, sabendo que, em todo o caso, será um caminho de árdua reinvenção, de redefinições purificadoras.
Se desejamos um futuro para a nossa sociedade, temos de enfrentar o purgatório de colocar em questão erros, excessos e omissões. Naquele momento extraordinário de oração que o papa Francisco celebrou sozinho no adro da basílica de S. Pedro, em março passado, recordou-nos: «Caiu a maquilhagem dos estereótipos com que mascaramos o nosso «eu» sempre preocupado com a própria imagem… Na nossa avidez de lucro, deixamo-nos absorver pelas coisas e transtornar pela pressa. Não nos detivemos perante os teus apelos, não despertamos face a guerras e injustiças planetárias, não ouvimos o grito dos pobres e do nosso planeta gravemente enfermo. Avançamos, destemidos, pensando que continuaríamos sempre saudáveis num mundo doente». Temos, agora, de aceitar o doloroso exercício das “correções”, como corajosamente propôs, recentemente, um autor americano.
Obviamente, resistimos. Retardamo-nos, adiando, mais ou menos conscientemente, o momento de nos despedirmos do mundo que deixamos para trás para nos adentrarmos naquele que lhe segue. Como quem pensa no seu caminho,/ que vai com o coração e com o corpo demora, pensamos até ao infinito naquilo que há a fazer, mas tergiversamos, agarrando-nos ao “dejà vu”. O pensamento da purificação purgatória é intimidatório, e foi extirpado da nossa autoconsciência de modernos, ilusoriamente substituído por formas secularizadas de autoaperfeiçoamento, que acabam por reforçar o narcisismo e a solidão. O Purgatório, segundo o Catecismo da Igreja católica, recorda-nos que estamos «imperfeitamente purificados» e que devemos submeter-nos «a uma purificação, a fim de obter a santidade necessária para entrar na alegria do Céu».
Também no plano histórico temos de empreender o difícil caminho purgatório da correção do nosso modo de viver, dos nossos hábitos, da inércia a que nos acomodámos há demasiado tempo, deixando que a Terra corresse de encontro ao colapso ecológico, as que as diferenças económicas se aprofundassem de maneira iníqua, que o tecido comunitário se degradasse na estéril cegueira do individualismo. Seremos capazes? Esta pergunta pesa sobre nós como um grande desafio, marcado pela consciência de que aquilo que temos pela frente é um caminho que não se percorre a sós. Requer um compromisso comum, uma sintonia coral: “Isräel de Aegypto”/ cantavam todos a uma voz (cf. 46-48). Só cantando a uma só voz se sai do Egito do mal para reencontrar a liberdade de uma convivência de justiça e de paz, para chegar à terra prometida de uma sociedade em que a dignidade de cada um floresce ao pôr em comum recursos e oportunidades, em que a solidariedade leva a melhor sobre a competição, a tenção recíproca sobre a indiferença, o respeito e a confiança sobre a violência e a desconfiança.
Card. José Tolentino Mendonça
In Avvenire
Trad.: Rui Jorge Martins
Publicado pelo SNPC em 21.10.2020
21 outubro 2020
Vai um gin do Peter’s ?
20 outubro 2020
Das perdas *
A rotina é uma aliada. Como nas cidades destruídas, reerguer as paredes, limpar um poço, procurar batatas velhas. Ou seja, levantar cedo, ir trabalhar, suportar o trânsito. Não chega, essa pele fina de normalidade.
A unica coisa com potencial equivalente à destruição é a criação. John só muito tarde percebe o que é o grande malogro - "não ser nada" - quando Mary morre finalmente. A Fera na Selva vale por uma enciclopédia de psicologia, porque mostra o axioma numa cronologia contrariada.
E o que é criar por oposição a perder? É pintar, escrever, ler, plantar, fazer um amigo, arranjar um amante, ter um filho, enfim, fazer de novo. Só assim a perda se integra e ocupa o seu lugar na ordem natural das coisas.
19 outubro 2020
Imagens e poemas dos dias que correm
Encontrado um destes dias num carrinho de supermercado |
Dobrada à Moda do Porto
Disse delicadamente ao missionário da cozinha
Que a preferia quente,
Que a dobrada (e era à moda do Porto) nunca se come fria.
Impacientaram-se comigo.
Nunca se pode ter razão, nem num restaurante.
Não comi, não pedi outra coisa, paguei a conta,
E vim passear para toda a rua.
Quem sabe o que isto quer dizer?
Eu não sei, e foi comigo ...
(Sei muito bem que na infância de toda a gente houve um jardim,
Particular ou público, ou do vizinho.
Sei muito bem que brincarmos era o dono dele.
E que a tristeza é de hoje).
Sei isso muitas vezes,
Mas, se eu pedi amor, porque é que me trouxeram
Dobrada à moda do Porto fria?
Não é prato que se possa comer frio,
Mas trouxeram-mo frio.
Não me queixei, mas estava frio,
Nunca se pode comer frio, mas veio frio.
Álvaro de Campos, in "Poemas"
Heterónimo de Fernando Pessoa
18 outubro 2020
XXIX Domingo do Tempo Comum
EVANGELHO - Mt 22,15-21
Evangelho de Nosso Senhor Jesus Cristo segundo São Mateus
Naquele tempo,
os fariseus reuniram-se para deliberar
sobre a maneira de surpreender Jesus no que dissesse.
Enviaram-Lhe alguns dos seus discípulos,
juntamente com os herodianos, e disseram-Lhe:
«Mestre, sabemos que és sincero
e que ensinas, segundo a verdade, o caminho de Deus,
sem Te deixares influenciar por ninguém,
pois não fazes acepção de pessoas.
Diz-nos o teu parecer:
É lícito ou não pagar tributo a César?».
Jesus, conhecendo a sua malícia, respondeu:
«Porque Me tentais, hipócritas?
Mostrai-me a moeda do tributo».
Eles apresentaram-Lhe um denário,
e Jesus perguntou:
«De quem é esta imagem e esta inscrição?».
Eles responderam: «De César».
Disse-lhes Jesus:
«Então, daí a César o que é de César
e a Deus o que é de Deus».
16 outubro 2020
Pensamentos dos dias que correm
Só Sente Ansiedade pelo Futuro aquele cujo Presente é Vazio
Séneca, in 'Cartas a Lucílio'
15 outubro 2020
14 outubro 2020
Músicas e ideias dos dias que correm
13 outubro 2020
Patetices dos dias que correm
"O professor de Ginecologia. Deu início à série de conferências da seguinte forma: meus senhores, a mulher é um animal que urina uma vez por dia, defeca uma vez por semana, menstrua uma vez por mês, pare uma vez por ano e copula sempre que tem oportunidade.
Achei que era uma frase bem equilibrada."
Somerset Maugham, em A Writer's Notebook (entrada de 1894, tradução minha)
***
Há frases que não chocam, e esta é uma delas. É natural que o escitor inglês tivesse sorrido perante o pensamento do professor de Ginecologia, já que era, dizem, pouco adepto do sexto feminino. A frase, repito, não choca, embora uma pequena parte seja factual. Porquê? Porque há pensamentos que, de tão insultuosos, passam a humor. Estou certo de que o humor é, numa certa medida, de direita. A esquerda não tem humor, porque lê a frase e acha que ele foi proferida por um energúmeno, machista e explorador da mulher. Mas a frase é só humor, apesar dos seus 130 anos. A esquerda tem uma ausência muito grande de humor, como os puritanos ou alguns fundamentalistas religiosos: levam-se muito a sério, levam tudo muito a sério. Imaginar um professor de ginecologia a usar expressões aplicadas à mulher como "mictar" e "parir" só pode dar vontade de rir.
JdB
12 outubro 2020
Duas Últimas
11 outubro 2020
XXVIII Domingo do Tempo Comum
EVANGELHO - Mt 22,1-14
Evangelho de Nosso Senhor Jesus Cristo segundo São Mateus
Naquele tempo,
Jesus dirigiu-Se de novo
aos príncipes dos sacerdotes e aos anciãos do povo
e, falando em parábolas, disse-lhes:
«O reino dos Céus pode comparar-se a um rei
que preparou um banquete nupcial para o seu filho.
Mandou os servos chamar os convidados para as bodas,
mas eles não quiseram vir.
Mandou ainda outros servos, ordenando-lhes:
'Dizei aos convidados:
Preparei o meu banquete, os bois e os cevados foram abatidos,
tudo está pronto. Vinde às bodas'.
Mas eles, sem fazerem caso,
foram um para o seu campo e outro para o seu negócio;
os outros apoderaram-se dos servos,
trataram-nos mal e mataram-nos.
O rei ficou muito indignado e enviou os seus exércitos,
que acabaram com aqueles assassinos e incendiaram a cidade.
Disse então aos servos:
'O banquete está pronto, mas os convidados não eram dignos.
Ide às encruzilhadas dos caminhos
e convidai para as bodas todos os que encontrardes'.
Então os servos, saindo pelos caminhos,
reuniram todos os que encontraram, maus e bons.
E a sala do banquete encheu-se de convidados.
O rei, quando entrou para ver os convidados,
viu um homem que não estava vestido com o traje nupcial.
E disse-lhe:
'Amigo, como entraste aqui sem o traje nupcial?'.
Mas ele ficou calado.
O rei disse então aos servos:
'Amarrai-lhe os pés e as mãos e lançai-o às trevas exteriores;
aí haverá choro e ranger de dentes'.
Na verdade, muitos são os chamados,
mas poucos os escolhidos».
09 outubro 2020
Poemas dos dias que correm *
08 outubro 2020
De dois aforismos
Há um aforismo antigo que afirma que os olhos são o espelho da alma. Um aforismo porventura menos antigo, e de Wittgenstein, afirma que o corpo humano é a melhor imagem da alma humana. Se não nos ativermos à diferença estrita entre espelho e imagem, podemos deduzir que ambos - o corpo e os olhos - reflectem a alma de cada um de nós. Ora, em acreditando que só o ser humano é detentor de alma, devemos então inferir, de ambos os aforismos, que os olhos ou o corpo são aquilo que nos distingue dos animais.
No entanto, é curioso pensar que esta distinção assenta num elemento - a alma. Não é o cabelo, a forma dos pés, a colocação das orelhas num crânio, o formato das unhas. Esse elemento chama-se alma, algo que nunca ninguém viu, e de cuja existência muita gente duvida. Por outro lado, se entendermos que os olhos são o reflexo da alma e que o corpo é o espelho da alma, uns olhos que sejam muito humanos, ou um corpo muito semelhante ao humano, poderão significar uma alma muito parecida com a humana - o que quer que isso seja. Alguns símio têm um corpo quase humano; podemos deduzir que também podem ter uma alma quase humana?
Uns olhos estrábicos reflectem o quê? Uns olhos zargos indicam o quê? Uma deficiência física de nascença revela o quê? A que tipo de corpo ou a que tipo de olhos devemos - ou podemos - associar uma alma perfeita? Podemos construir um corpo que seja o lugar geométrico do corpo de todos os santos de todas as épocas e, com base nessa fusão, determinar o que é um corpo bom (diferente de um bom corpo) que reflecte o que é uma boa alma?
A utilização obrigatória da máscara em sítios públicos trouxe o(s) aforismo(s) para a actualidade. Numa repartição pública, numa igreja, num autocarro ou numa livraria, aquilo que deixamos ver são os olhos. A ninguém se exige um sorriso, a ninguém podemos criticar uma boca de desdém, porque nem o sorriso nem o desdém se veem.
Por outro lado, esta época de grande apreço pela condição física (tal como já aqui disse, os obesos são os alvos a abater nos dias de hoje) é concomitante com um grande e desconhecido e involuntário apreço pelas qualidades humanas. De facto, a elegância do corpo é o espelho da elegância da alma. O excesso ponderal faz suspeitar uma alma gorda, na linha do fígado gordo ou do baço gordo.
Os aforismos são interessantes; levados à letra poderão ser perigosos.
JdB
07 outubro 2020
Vai um gin do Peter’s ?
O MAIOR HOTEL LITERÁRIO DO MUNDO FICA PERTO DE LISBOA
À maneira das boas histórias, esta também nasceu num sítio lindo, com passado rico ideal para favorecer um futuro auspicioso. Por isso, o hotel mais literário do mundo instalou-se no interior das muralhas de Óbidos, mesmo ao pé do castelo, aproveitando a matriz arquitectónica de um antigo convento de 1830, já fora de uso.
O castelo, a porta principal das muralhas e o recorte azul-e-verde da lagoa de Óbidos. |
À vista das muralhas, o hotel temático abriu em 2015, no local onde funcionara o Hotel Estalagem do Convento. A cozinha (à dta.) é lugar de visita obrigatória. |
No projecto do casal Marta Garcia e Telmo Faria, os livros assumem o lugar de honra e invadem todo o espaço do THE LITERARY MAN ÓBIDOS HOTEL, pelo que a decoração se organiza em torno das abertas deixadas pelos encadernados de todos os tamanhos, muitos em inglês, num acervo de mais de 45 mil volumes, que continua a crescer. Já é o maior hotel-biblioteca do mundo. Os escritores portugueses estão logo perto da entrada, em lugar visível.
Sala-de-jantar |
No intervalo dos livros, há escadarias, a garrafeira, a despensa, algumas prateleiras para garrafas e copos, num ambiente que se pretende descontraído e familiar. |
Na cozinha, os visitantes podem participar na feitura da refeição, numa experiência de book and cook para praticarem as ementas tradicionais do chefe, numa ementa também carregada de história.
A decoração é sóbria e usa materiais reciclados, a somar aos azulejos, colunas de pedra e outras estruturas herdadas do convento oitocentista:
Numa das suites, dominam os painéis das réguas de madeira mesclada, feita a partir de aparas e desperdícios. |
Por último, veio a casa de pasto «The History Man». Não que faltassem restaurantes aos dois hotéis do casal, mas este concentra-se mesmo na sala de jantar e nas mesas da esplanada. Porém, o mérito começa na cozinha sempre aberta ao talento das visitas para uma patuscada divertida e cheia de bons sabores (espera-se). Aqui, impera a tradição dos antecessores dos restaurantes, privilegiando-se os produtos frescos da época e da região: as batatas da várzea vêm da Amoreira e de Olho Marinho, os legumes são do Arelho, as frutas da Usseira, as cebolas do Sobral e por aí fora.
Há umas décadas, o Turismo de Portugal lançou o slogan «Vá para fora cá dentro», para entusiasmar os portugueses a descobrirem e gozarem o país. Longe iam as restrições ao avião e às viagens longínquas, por recomendação sanitária. Hoje, há razões redobradas para ver e rever Portugal. Sítios giros não faltam. Haja tempo e condições para os (re)descobrir.
Maria Zarco
(a preparar o próximo gin tónico, para daqui a 2 semanas)
06 outubro 2020
05 outubro 2020
04 outubro 2020
XXVII Domingo do Tempo Comum
EVANGELHO - Mt 21,33-43
Evangelho de Nosso Senhor Jesus Cristo segundo São Mateus
Naquele tempo,
disse Jesus aos príncipes dos sacerdotes e aos anciãos do povo:
«Ouvi outra parábola:
Havia um proprietário que plantou uma vinha,
cercou-a com uma sebe, cavou nela um lagar
e levantou uma torre;
depois, arrendou-a a uns vinhateiros e partiu para longe.
Quando chegou a época das colheitas,
mandou os seus servos aos vinhateiros para receber os frutos.
Os vinhateiros, porém, lançando mão dos servos,
espancaram um, mataram outro, e a outro apedrejaram-no.
Tornou ele a mandar outros servos,
em maior número que
os primeiros.
E eles trataram-nos do mesmo modo.
Por fim, mandou-lhes o seu próprio filho, dizendo:
'Respeitarão o meu filho'.
Mas os vinhateiros, ao verem o filho, disseram entre si:
'Este é o herdeiro;
matemo-lo e ficaremos com a sua herança'.
E, agarrando-o, lançaram-no fora da vinha e mataram-no.
Quando vier o dono da vinha, que fará àqueles vinhateiros?».
Eles responderam:
«Mandará matar sem piedade esses malvados
e arrendará a vinha a outros vinhateiros,
que lhe entreguem os frutos a seu tempo».
Disse-lhes Jesus: «Nunca lestes na Escritura:
'A pedra que os construtores rejeitaram
tornou-se a pedra angular;
tudo isto veio do Senhor e é admirável aos nossos olhos'?
Por isso vos digo:
Ser-vos-á tirado o reino de Deus
e dado a um povo que produza os seus frutos».
02 outubro 2020
Da dança e do sexo
Não me atirei a investigar a história da dança: não as danças de palco, mas as danças de salão. Não sei, por isso, quando é que nasceu a dança em casal. Sei, isso sim, quando acabou - e sei o que isso fez de mal à civilização.
Como já tive oportunidade de referir bastas vezes neste estabelecimento, olho para a dança com os meus olhos - e isso parece-me um enorme lugar-comum. Ver algumas pessoas numa pista de dança é perceber que a agitação do corpo ao som de uma música - ou apenas de um pau que bate num balde de metal - é algo de muito antigo, que se perde na escuridão dos tempos. Não sendo especialista na matéria (já fui especialista em matéria vaga, agora nem isso) vou presumir que a dança é como os filisteus: sempre houve, no raciocínio de um néscio que existiu. Seja para afugentar espíritos, seja para convocar os deuses, para dar sorte ou para esconjurar o mal, a raça humana já se agitava ainda antes de usar o fogo no seu quotidiano.
Há uma semelhança interessante entre a dança e o sexo. Vou imaginar que há milhares de anos, os habitantes da Terra, depois de se terem agitado freneticamente à volta de uma fogueira, não escolheriam uma parceira com quem ir para a caverna de mão dada. O sexo era procriação, tal como a dança era exorcismo. A palavra par não tinha sido ainda inventada para o movimento mais ou menos coordenado dos corpos. Tudo era mais ou menos grupal.
Não sei o que provocou a dança em casal,
(e é o facto de não saber que me permite escrever este ror de disparates)
o que sei é que há um momento de perfeição na existência do mundo em que dança e sexo atingem o seu ápice em conjunto: é aquele fugaz momento
(e terá existido mesmo?)
em que as pessoas gostavam de dançar com uma determinada pessoa e que gostavam de fazer amor com uma determinada pessoa: uma espécie de fidelidade a atingir um pináculo. Depois, a partir de uma certa altura, a dança em casal terminou, como terminou uma certa vontade de fidelidade. Dança-se em grupo, onde as relações físicas são fluidas. Engana-se a pessoa com quem mantemos um vínculo afectivo, porque também as relações humanas são fluidas.
Dançar é um momento afectivo; fazer amor é um momento afectivo. Fazer ambas as actividades com outra pessoa que não aquela com quem escolhemos partilhar a vida pode ser um momento de perdição. Talvez por isso tenham acabado com as danças de agarração, como se diria num certo tempo.
JdB
01 outubro 2020
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- Estoril, Portugal