Em 2006, a empresa na qual trabalhava há 20 anos já estava numa fase de redução forte da estrutura. Ao longo dos meses foram saindo quadros intermédios / superiores, num processo que, por mais generoso financeiramente que possa ter sido, provocou desconforto e angústia em muitas pessoas. A mim também me tocou ser protagonista desse movimento: no dia 26 de Abril comunicaram-me que o meu posto de trabalho seria extinto no dia 31 de Dezembro. Eu tinha 48 anos.
Este processo de despedimento / negociação de saída foi doloroso para muitos dos meus colegas, que se sentiram desconsiderados, descartados, e cuja auto-estima terá sido afectada. A mim salvou-me esta ideia que desenvolvi dentro de mim: se eu fosse a empresa para a qual trabalhava faria o mesmo, e 'negociaria' o JdB. Para além da extinção do posto de trabalho, quem eu era profissionalmente já não interessava à empresa. Eu pertencia a outra geração, que tinha trabalhado numa empresa que crescia anualmente a dois dígitos, empresa essa que se via agora confrontada com um decréscimo do volume de negócios. O que eu era já não interessava - e esse auto-conhecimento permitiu-me (também) perceber que se encerrava um tempo na minha vida. Saí tranquilo, consciente da finitude das coisas e do fecho dos ciclos.
***
O Board da organização internacional de que faço parte - a Childhood Cancer International - juntou-se em Lisboa nos últimos dias para a sua habitual reunião de meio do ano. Será a última em que participo, pois sairei do Board em Outubro depois de cumpridos os 9 anos estatutários. O meu afastamento da comunidade internacional da oncologia pediátrica será quase total, por outro motivos, mas não é isso que me leva a este texto.
Na 2ªfeira, no meio de discussões sobre estratégia, branding, comunicação, crescimento, projectos, percepção da opinião pública, etc., tomei consciência de algo importante e igual ao que tinha sentido profissionalmente em 2006: o meu tempo - este meu tempo - tinha chegado ao fim. O meu discurso, as minhas ideias, os meus conhecimentos - o que eu era, no fundo - já não interessavam tanto a uma organização que (curiosamente e ao contrário da realidade de 2006) crescia anualmente a quase dois dígitos. Percebi que me faltava vocabulário para esta nova realidade. A minha voz continuará a ter alguma relevância dada a minha senioridade e conhecimento deste mundo, mas noutro enquadramento. Sairei tranquilo, consciente da finitude das coisas e do fecho dos ciclos.
***
Não sei se sou inteligente, se tenho sorte. Face a estas saídas - a de 2006 e a de 2025 - não sei se o meu auto-conhecimento é uma defesa do corpo, um discernimento do corpo, ambos ou nenhum. O que sei - e disso estou certo - é que esta noção da finitude das coisas e dos fechos dos ciclos me confere uma tranquilidade grande. Perceber que aquilo que sou acrescenta menos valor aos sítios onde estou, tira-me a sensação de vazio que vi em pessoas que deixaram actividades profissionais ou de voluntariado.
Ninguém é a man for all seasons. Quando tudo acabar, que não me falta o discernimento de perceber que tudo acaba.
JdB