para quem nunca havia escrito poesia
o desafio parecia próprio para gigantes
arriscar desfilar o íntimo fio dos dias
era uma mão de poker e das grandes.
mais de cem poemas cem aqui publicados
decerto noventa deles sem qualquer valor
para os cânones ou para gostos delicados
(mas olhem que falhar pode ser ainda amor).
dos dez restantes em números redondos
cinco entrariam em livrinho bem modesto
outros quatro fariam o papel de bombos
quando misturados com poesia de préstimo.
resta um apenas que talvez o panteão mereça
das coisas que comovem almas e coração
erguendo do árido solo a golpes de beleza
uma alquímica fusão de inteligência e emoção.
se algum dia publicar um livro de poesia
numa editora de vão de escada em saigão
saibam que me lembrarei com alegria
de vós, meus primeiros leitores de ocasião.
à maneira renascentista, tendo estoutro joão
como anfitrião nesta arcádia viva e actualizada,
combatendo ferozmente o império da razão
que nos conduz velozmente ao inferno do nada,
que nos subtrai sentido, desígnio e ventura.
antes morrer de pé a combater com a caneta
do que ajoelhar perante esta nova ditadura
do sacrossanto mercado e da sua tinta preta.
a poesia é afinal o quê? coragem de matar
a morte em vida e de louvar pela linguagem
o termos tido a ousadia de usar e de abusar
viver com garbo e brilho nesta eterna viagem.
136 poemas depois, quase 3 anos depois, é altura de parar. Sem outra razão que não a de que porque sim. Sem outra obrigação que não a que decorre de um pequeno imperativo interior, que a isso aconselha.
Comecei a ler poesia depois dos 30 anos. Comecei a escrever poesia depois dos 35 anos. Insondáveis são os desígnios. Mas, em tempo de vertigem e de velocidade, é capaz de ser boa ideia aceitar que não há um tempo, muito menos o tempo - antes uma complexa constelação de tempos subjectivos. Temos que o domar, ou pelo menos temos que o tentar domar, de quando em vez. Mas, na maior parte das vezes, há, simplesmente, que deixá-lo fazer o seu caminho, bem no centro de nós, bem dentro daquilo que somos. 136 poemas (ou arremedos de poemas, ou esboços poéticos, ou esquissos de poemas, ou fragmentos poéticos, como preferirem) depois, é altura de descansar um bocadinho.
Muito obrigado a todas e a todos vós, leitores regulares ou leitores de passagem, que se dignaram passar os olhos e os sentidos, pelas palavras que fui escrevendo, semeando nesta terra, deitando ao vento que nos é comum. Se é inegável que toda esta poesia teve muito de pessoal - no sentido de que evocou e esconjurou questões íntimas daquele que as escreveu -, também foi verdade que tentei dar-lhes um sopro mais abrangente. Porque a verdadeira poesia fala de todos e para todos, não se limitando a um mero solilóquio, mais ou menos catártico, mais ou menos confessionalista. A magia, em toda a literatura que se cumpre, acontece quando os dois planos se intersectam – quando eu que escrevo sou já tu que me lês.
Talvez estes poemas, um dia, assumam a forma de um livro. Se assim for, o seu título será “Um Rapaz no Inverno”. Depois de um blogue chamado “Flores de Inverno” e de um programa de rádio chamado “Estação de Inverno”, será a forma de, naturalmente, encerrarmos um ciclo, mantendo o seu sentido original, a sua razão de ser última (e que, com vossa permissão, ficará comigo).
Um obrigado muito especial ao desafiante dono, disciplinado editor e sempre gentil anfitrião deste espaço. Se mais houvessem, e não falo apenas do mundo virtual, mas sim também da dimensão física, lá/cá fora, decerto que teríamos um mundo mais rico, mais respeitador da diversidade, mais humano, mais decente. Bem-haja, mestre e amigo JdB.
Disse uma senhora, em tempos: “atentai, esfomeados do mundo: olhem que a poesia também alimenta!”. Chamava-se Natália Correia. Disse, mais recentemente, um poeta cujo nome me escapa: “a poesia é uma doença que não se deseja a ninguém”. Como todos os seres complexos, oscilo entre uma e outra, na eterna dúvida. Mas, cá entre nós, suspeito que a verdade verdadeira estará na conjugação de ambas..
Foi, acreditem, um enorme prazer e uma honra estar aqui, deste lado, e ter-vos aí, desse lado.
Que 2012 seja, para todos vós, para todos nós, um ano de alegria. E de coragem. E de discernimento. E de compaixão. E de Amor.
Como dizia outro alguém: amigas e amigos, generosos leitoras e leitores, “adeus e (talvez, um dia) até ao meu regresso..”.
Aceitem as flores gratas e gentis, do
Gi.