A apologia do Desporto Rei
Há umas semanas Henrique Raposo, historiador e investigador universitário, escreveu na sua coluna semanal no Expresso que "desde os seis meses de idade que cultiva o hábito de ler o jornal A Bola diariamente ". No meu caso, não irei tão longe no que ao espaço temporal diz respeito. Contudo, o hábito de ler o mais famoso jornal desportivo português é uma actividade que cultivo com um razoável gosto e orgulho. Porém, desde há um ou dois anos, o entusiasmo pelo Defeso (a pré-época dos clubes) foi-se desvanecendo. Muitos foram os Verões em que a possível contratação de um qualquer jogador me fazia estar agarrado à televisão o dia o todo ou, de uma forma mais chocantemente apaixonada, dispensar umas quantas horas da madrugada em permanente conexão com os sites desportivos da Internet. Essa foi uma fase que já passou. Actualmente, apenas as competições oficiais (e os futebolistas reais) despertam a minha total atenção. Desde que a Liga Sagres 2010/2011 chegou ao seu termo, foram raras as vezes que larguei os 0,85€ no quiosque mais próximo para comprar A Bola. No entanto, ontem, antes de chegar ao areal da Praia Verde no Algarve, atrevi-me adquirir a "Bíblia do Desporto". Como já seria de prever, as notícias carecem de interesse, os desafios da pré-temporada são jogados de forma lenta, sem esforço e competitividade. Todas as páginas impressas foram profundo desperdício. Todas, excepto duas.
Fiquei a saber, através de uma reportagem no terreno, que no Quénia foi formada uma equipa chamada Kibera Celtic. Equipa essa que foi fundada por um realizador de cinema escocês que, sendo fanático do Celtic de Glasgow, era detentor de diversos contactos da formação escocesa. O realizador chama-se Jamie Doran e havia-se deslocado ao Quénia com o propósito de realizar um documentário sobre a vida de criminalidade que paira nos bairros mais pobres de Nairobi. Chegado ao bairro Kibera, Doran tomou conhecimento que, devido à corrupção política que assola este país africano, nada mais resta aos jovens favelados se não abraçar uma vida feita de criminalidade, violência, tráfico de droga e luta entre tribos rivais. Os dois principais líderes de gangues eram John Oyoo e Bernard Ngira. Dada a sua conduta violenta, os dois temidos por grande parte da população residente nas favelas. Mas o aparecimento de Jamie Doran alterou por completo o rumo desses jovens quenianos. Hoje, graças à boa vontade do realizador de cinema e à generosidade do Celtic de Glasgow (fornece todo o tipo de equipamento necessário à subsistência do clube) Oyoo e Ngira são dirigentes do Kibera Celtic. O clube da Nairobi ficou como filial do Celtic e dedica-se à captação de jovens craques que, por infortúnio da sua origem, sem o futebol seguiriam o caminho da pobreza e do crime. Todas as tribos são bem acolhidas no Kibera Celtic.
Nota: tivesse sido Jamie Doran a dirigir os trabalhos na Conferência de Berlim em 1884/85 e talvez os destinos de África pudessem ter sido outros.
Pedro Castelo Branco
Pedro Castelo Branco
1 comentário:
Concordo em absoluto consigo, quer na descrição do "defeso", quer no destaque que dá a essas 2 páginas, sem dúvida de (muito) longe as melhores da edição do jornal.
fq
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