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| Utrecht (Países Baixos), Outubro de 2025 |
A fotografia acima pode ser uma boa metáfora para o que foi a semana que passou. Eu explico a fotografia:
Cheguei a Amsterdão no Domingo, dia 19 de Outubro, para o início de mais uma conferência dedicada à oncologia pediátrica. Cheguei a tempo de um jantar no que é chamada a Chocolate Church. De facto era uma igreja que foi cedida à comunidade e é agora uma sala de espectáculos, ou de eventos. Uns dias. ais tarde fui a Utrecht e fiquei por lá a jantar por amigos. Antes fomos beber uma cerveja a um bar local. Qual não é o meu espanto quando percebo que o bar tinha sido uma igreja... De entre várias curiosidades, o facto de, em paredes contíguas, estar parte da letra de Ne me quittes pas e uma imagem de Nossa Senhora. Cada um faça as interpretações que entender ou que a sua criatividade permitir: Maria, cerveja, Brel.
O contraste das paredes encontra reflexo no contraste da minha semana. Na verdade, no sábado, dia 25 de Outubro, assistia à última reunião do Board da Childhood Cancer International (CCI) onde servi durante 9 anos, 3 dos quais como presidente. Naquele momento da despedida, entre um abraço e uma piada, percebi que deixava bons amigos, sendo possível que alguns não volte a ver de forma presencial. O que nos distingue das crianças (para pior...) é a sensação do nunca mais. E faz-me alguma confusão perceber que nunca mais verei algumas daquelas pessoas, nunca mais beberei uma cerveja com elas ou trocarei um beijo ou um aperto de mão.
Tal como me aconteceu em 2006, quando negociei a minha saída da Lever, enchi-me de uma certa tranquilidade, como já aqui escrevi. Tal como há 19 anos, o meu tempo já não é deste tempo: o CCI precisa de pessoas mais novas, com skills diferentes dos meus, com outra agilidade, com outros conhecimentos, com outra linguagem. Eu pertenço a um passado importante - mas passado.
Se do ponto de vista operacional tudo em mim é tranquilidade, isto é, não vou sentir falta das reuniões constantes, dos mails inadiáveis, das constantes solicitações para isto ou para aquilo, do ponto de vista humano abre-se um certo vazio. Se nem sempre tenho saudades da operação, tenho sempre falta da comunidade. Há 19 anos não senti falta disso, porque já não sentia a Lever como uma comunidade, mas como um conjunto de pessoas, de algumas das quais iria ter saudades. Mas o CCI, em conjunto com o SIOP (organização dos médicos) é(-me) uma comunidade, e um elemento de enorme importância no sentido que quis dar à minha vida.
Fecho um capítulo da minha vida. Outros se fecharão nos próximos meses. Voltarei a sentir falta da comunidade, das pessoas, do contacto humano, do afecto com que me tratam e da paciência com que aturam as minhas idiossincrasias. O tempo ajudou-me: dentro de mim coexistem pacificamente a cerveja, Nossa Senhora, o ne me quittes pas...
JdB








