Tal como disse ontem, é em cima da hora de almoço que nos aproximamos do Nduna Safari Lodge. À entrada da reserva, logo à boca da saída da estrada, Fortune, que será o nosso guia nos próximos dois dias e meio, espera por nós, simpático, informal, prestável, num jeep aberto com 8 lugares. Iremos segui-lo durante um trilho de 15km, onde a vegetação é predominantemente mato, mais cerrado nuns pontos do que noutros, e onde imaginamos animais escondidos.
JdC, que teve um problema da última vez que cá esteve, pergunta-lhe, prudente, se não passaremos por uma zona de areia onde o carro, sem tracção às quatro rodas, ficou atolado. A resposta veio pronta, com um fraseado curioso:
- There’s a place where we will have to negotiate a first gear.
E seguiu, deixando um rasto de poeira, até ao lodge onde nos instalaremos. Dez minutos depois chegamos. No sítio onde paramos o carro, o responsável de serviço, um zimbabueano branco com a minha altura mas o dobro do meu peso, aguarda-nos para as formalidades de boas vindas, tratando-nos imediatamente pelo nome próprio - o que é uma variante ao português moderno que prefere o senhor João. Ao seu lado, dois locais que nos levarão as malas, e um terceiro, pronto a servir chá frio e menta – com ou sem açúcar...
JdC, que teve um problema da última vez que cá esteve, pergunta-lhe, prudente, se não passaremos por uma zona de areia onde o carro, sem tracção às quatro rodas, ficou atolado. A resposta veio pronta, com um fraseado curioso:
- There’s a place where we will have to negotiate a first gear.
E seguiu, deixando um rasto de poeira, até ao lodge onde nos instalaremos. Dez minutos depois chegamos. No sítio onde paramos o carro, o responsável de serviço, um zimbabueano branco com a minha altura mas o dobro do meu peso, aguarda-nos para as formalidades de boas vindas, tratando-nos imediatamente pelo nome próprio - o que é uma variante ao português moderno que prefere o senhor João. Ao seu lado, dois locais que nos levarão as malas, e um terceiro, pronto a servir chá frio e menta – com ou sem açúcar...
O Nduna Safari Lodge é um dos dois resorts a funcionar neste momento, e que pertencem ao Malilangwe Trust, uma organização particular totalmente zimbabueana e sem fins lucrativos, que se dedica a iniciativas de conservação da natureza, actividades comerciais e programas comunitários. O Trust emprega actualmente quase 300 pessoas, exclusivamente cidadãos nacionais. Para além disso, ao abrigo do programa benefits beyond boundaries, alimenta diariamente 25.000 crianças em idade pré-escolar em cerca de 500 pontos do Distrito.
As terras do Malilangwe Trust estendem-se por cerca de 70.000 hectares, onde habitam 25 espécies selvagens, destacando-se os elefantes (160), rinocerontes (130), leões (30), búfalos (1.500), leopardos (40), hipopótamos (60), impalas (3.300) e muitos outros, entre mamíferos, aves, insectos.
O Nduna Safari Lodge é composto por seis cabanas, cada uma com capacidade para duas pessoas, em cima de um lago onde vivem meia dúzia de hipopótamos e, ao que parece, um crocodilo com cerca de três metros, pelo que a aproximação demasiada da água é fortemente desaconselhada.
No ponto mais elevado do lodge, com uma vista deslumbrante e extensa, ficam o bar, a sala, a zonas das refeições ao ar livre. Do lado oposto, escarpas elevadas que absorvem o calor do sol que ali bate durante todo o dia, e onde nasce alguma vegetação teimosa e resistente.
As habitações, rodeados por acácias, figueiras, palmeiras e outras árvores locais e exóticas, garantem total privacidade, e estão elevadas cerca de três metros relativamente ao lago, pelo que oferecem uma proximidade e uma vista ao nível verdadeiramente surpreendentes. Totalmente equipadas – inclusivamente mosquiteiros –, são um convite ao repouso absoluto.
Sento-me a escrever ou a ler na varanda. No lago, a poucas dezenas de metros, veja a cabeça de quatro hipopótamos, que dão sinal sonoro da sua presença por meio de ruídos potentes, estranhos, que me acordam durante a noite; um pássaro pousa no varandim a pouco mais de um metro, como se eu não constituísse ameaça; ao longe, muitos outros cantam ou comunicam no seu piar próprio; algumas moscas zunem infatigáveis ao sol de Agosto; uma ave bate as asas num descolar de anfíbio; um rapaz lança o anzol numa barcaça junto à margem; na outra ponta do lago, mas com visibilidade suficiente para gerar encanto, uma manada de elefantes, com machos, fêmeas, crias, cruza o mato lento na procura de outras paragens; ao longe, escondidos, babuínos velando, esperando pela manhã para invadirem, às dezenas, as zonas habitadas.
Conheci o silêncio quase absoluto no campo inglês onde não se ouvia um ladrar, uma motoreta, um comboio que apita à vista de uma passagem de nível, um carro que circula numa violência de escape furado. Um tal silêncio, embora agradável, pode oprimir, fazer-nos sentir num vazio de tudo o que vive, se agita, tem movimento. Aqui, o silêncio tem um som que nos repousa, nos sossega, nos leva mentalmente aonde quisermos - às memórias mais felizes da nossa vida, aos momentos mais tristes do nosso caminho. Mas, e falo por experiência própria, esta tranquilidade convida à renovação, como se tudo nos incitasse a ser terra que se oferece à queimada, para renascer mais fértil, mais forte. Há um convite ao recolhimento, à contemplação desta natureza que se disponibiliza colorida, com um tom de fim de dia impossível de descrever. Aqui, estou convencido, até a música suave seria uma violência sonora.
Voltarei amanhã, para que me acompanhem na observação da hiena que não vi rir, do elefante na sua voragem destruidora, do rinoceronte na sua figura pré-histórica, das aves cujo nome não consegui fixar e da paisagem cuja beleza serei incapaz de transmitir.
JdB
JdB
4 comentários:
Aqui, é sempre bom começar o dia com o cheiro das palavras.
África oiê !
Abraço
xiu
No Pico o silêncio é também assim: total para os ruídos conhecidos, mas povoado de sons de pássaros, incluindo uns (chamam-se Cagarras) que só se ouvem à noite e têm um piar estranhíssimo que parece uma longa conversa num tom de voz infantil. Nos primeiros dias ia à janela ver se havia crianças na rua. E há o barulho do mar, claro.
E no nordeste do Brasil, no delta do Parnaíba, o silêncio da noite é ensurdecedor: uma verdadeira orquestra de sons de variadíssimos animais, como nunca tinha ouvido. Suponho que aí seja parecido.
Bela crónica, João.
Para que deste lado, não te deixemos perder as raízes : http://br.youtube.com/watch?v=0H8DVuETncc
Abraço !
Tal como previa, valeu a pena ler a continuação.
É impressionante como passa da informação "pura e nua", no início da crónica, para nos revelar o seu estado de alma duma forma tão poética e sensível que nos contagia com as suas vivências.
É bom saber desse convite à renovação, aproveite-o!
Beijinhos agradecidos.
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