15 outubro 2015

Poemas dos dias que correm

Quanto, Quanto me Queres?

Quanto, quanto me queres? - perguntaste
Olhando para mim mas distrahida;
E quando nos meus olhos te encontraste,
Eu vi nos teus a luz da minha vida.

Nas tuas mãos, as minhas, apertaste.
Olhando para mim como vencida,
«...quanto, quanto...» - de novo murmuraste
E a tua boca deu-se-me rendida!

Os nossos beijos longos e anciosos,
Trocavam-se frementes! - Ah! ninguem
Sabe beijar melhor que os amorosos!

Quanto te quero?! - Eu posso lá dizer!...
- Um grande amôr só se avalia bem
Depois de se perder.

(António Botto, in 'Canções')

***

Escavação

Numa ânsia de ter alguma cousa, 
Divago por mim mesmo a procurar, 
Desço-me todo, em vão, sem nada achar, 
E a minh'alma perdida não repousa. 

Nada tendo, decido-me a criar: 
Brando a espada: sou luz harmoniosa 
E chama genial que tudo ousa 
Unicamente à fôrça de sonhar... 

Mas a vitória fulva esvai-se logo... 
E cinzas, cinzas só, em vez do fogo... 
- Onde existo que não existo em mim? 

. . . . . . . . . . . . . . . 
. . . . . . . . . . . . . . . 

Um cemitério falso sem ossadas, 
Noites d'amor sem bôcas esmagadas - 
Tudo outro espasmo que princípio ou fim... 

(Mário de Sá-Carneiro, in 'Dispersão') 

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