Quanto, quanto me queres? - perguntaste
Olhando para mim mas distrahida;
E quando nos meus olhos te encontraste,
Eu vi nos teus a luz da minha vida.
Nas tuas mãos, as minhas, apertaste.
Olhando para mim como vencida,
«...quanto, quanto...» - de novo murmuraste
E a tua boca deu-se-me rendida!
Os nossos beijos longos e anciosos,
Trocavam-se frementes! - Ah! ninguem
Sabe beijar melhor que os amorosos!
Quanto te quero?! - Eu posso lá dizer!...
- Um grande amôr só se avalia bem
Depois de se perder.
(António Botto, in 'Canções')
***
Escavação
Numa ânsia de ter alguma cousa,
Divago por mim mesmo a procurar,
Desço-me todo, em vão, sem nada achar,
E a minh'alma perdida não repousa.
Nada tendo, decido-me a criar:
Brando a espada: sou luz harmoniosa
E chama genial que tudo ousa
Unicamente à fôrça de sonhar...
Mas a vitória fulva esvai-se logo...
E cinzas, cinzas só, em vez do fogo...
- Onde existo que não existo em mim?
. . . . . . . . . . . . . . .
. . . . . . . . . . . . . . .
Um cemitério falso sem ossadas,
Noites d'amor sem bôcas esmagadas -
Tudo outro espasmo que princípio ou fim...
(Mário de Sá-Carneiro, in 'Dispersão')
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