Naquilo que poderia ser uma espécie de aforismo, Fernando Pessoa afirmou, no seu ensaio O Provincianismo Português, que “quando um doido sabe que está doido, já não está doido.” Num tempo não muito distante desse, Pascoaes escreveria um livro autobiográfico intitulado O Pobre Tolo. Não estava tolo e, muito menos ainda, era tolo. Talvez fosse apenas excêntrico, no sentido de viver fora do centro das coisas, fora da normalidade estatística da vida comum. Talvez tivesse a excentricidade dos génios, dos que pertencem às franjas da distribuição normal dos dons.
Na parte em prosa do livro citado, Pascoaes repete por três vezes, numa vintena de linhas, que "a infância persegue a velhice". E tem esta espécie de epílogo luminoso: "a infância persegue a velhice, a aurora persegue a noite. Persegue a noite e há-de alcançá-la e dissolver-lhe todas as sombras; e a noite será dia! Também a infância há-de alcançar o pobre tolo; e o pobre tolo há-de ser, outra vez, um anjo". E a ideia de anjo é a ideia da pureza, da existência divina, da tolice como significado de idiotia e a idiotia como significado de sem instrução e sem instrução como significado de criança pura e criança pura como significado de anjo.
Um destes dias, a propósito do meu post sobre a surpresa, o riso e o sorriso (críptico e pouco inteligível, ao que parece) falava de uma das razões para o encanto que descubro no regresso à faculdade: a capacidade que ainda tenho [ou que (re)descobri] de me surpreender com as coisas, de aprender com as pessoas, de ter vislumbres de encanto mesmo nas coisas que para os outros são pouco mais do que banais. E veio-me à memória o excerto de uma carta que enviei a um bom Amigo há um bom par de anos, e que me parecem palavras premonitórias para uma altura em que o regresso à escola era frase de publicitário, palavras que já aqui pus mais do que uma vez para adornar o mesmo raciocínio: sabes, cada vez mais tenho a certeza de que não invento nada, não crio nada, não deslindo nada. Uso as palavras que outros inventaram, tenho as sensações que outros já definiram. E, no entanto, sinto muitas coisas como se fosse o pioneiro delas no mundo. Vejo-me como uma criança que usa uma gravata pela primeira vez, e que responde ao fatalismo do ”já muitos a usaram antes de ti...” com o prazer singelo da descoberta: “pois eu gosto dela como se fosse o primeiro”.
Ser-se criança é estar-se aberto à surpresa, não se ser condicionado pela vergonha da ignorância. Talvez eu esteja a tornar-me uma criança que olha para tudo com um desejo imenso de aprender, como se me apresentasse à vida com um livro em branco que preencherei com o que aprendo. Talvez a minha infância persiga, de facto a minha velhice, e por isso eu vá alegre, de mochila às costas, aprender a ser sempre esta criança.
JdB
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