05 dezembro 2019

Das doenças raras

Estive ontem, em representação da Childhood Cancer International, numa mesa redonda sobre acesso a terapias para doenças raras em países de médio e baixo rendimento, promovido pela Rare Diseases International e pela IFPMA (International Federation of Pharmaceutical Manufacturers and Associations)

Sei que existem doenças raras e sei o que está por trás da classificação de doença rara. A Raríssimas (até no seu pior sentido, infelizmente) ajudou-me a tomar (mais) consciência dessa realidade. Mas uma coisa é saber que existem, outra coisa é ouvir falar delas: nomes que desconhecia, que tive de ir ao Google para perceber de que se tratava: doença de Gaucher, talassemia, doença de Fabry ou de Hnter. Outra coisa ainda é perceber a dimensão do problema: em todo o mundo há 430.000 casos por ano de cancro pediátrico; há doenças cuja estatística se "resume" às centenas no mundo inteiro.

Economia é uma palavra que deriva do latim e que significa, governo, direcção de uma casa; política significa gestão de recursos forçosamente escassos. Olhar para crianças com cancro e olhar para sete crianças que têm aquela doença num determinado país é diferente do ponto de vista da gestão dos recursos; e se for o nosso filho? E como se arranjam fundos para ajudar organizações que apoiam meia dúzia de famílias? E se for a nossa família? Quem são os laboratórios que investem milhões para investigar doenças que atingem centenas? Mas se for o nosso filho?

Falar de doenças raras é falar de dores individuais multiplicadas por dezenas ou por centenas; falar de doenças raras é falar de uma coisa rara, mas que tem um impacto devastador numa família, como o caso do malaio cujo filho tem atrofia muscular espinal e não é tratado convenientemente por causa de burocracias e economias; uma doença de que só soube a existência por causa de um bebé chamado Matilde que foi tratado com um medicamento que custa 1 milhão de euros. E se for o nosso filho?

JdB   

2 comentários:

Anónimo disse...

Isto é um esquisso.

Há mais de 50 anos iniciei uma aprendizagem naquela guerra em que se 'combatem as doenças'.
Levou-me um pouco mais de 20 anos a aprender que as doenças são identidades criadas pelo Homem. Basta atender a:
[1] Como evoluíram as suas definições, nomes e gravidades.
[2] Como por génio ou por loucura, ou por acaso, ou por sorte, se deram os 'grandes passos' na evolução na Medicina.

O que é importante é compreender as pessoas afectadas pelas ditas entidades. Sir William Osler, um génio, escreveu: "Oiça o paciente. Ele está a dar-lhe o diagnóstico".

Os que tratam doenças nunca serão profissionais de topo, 'la crème de la crème'.
Os que tratam pessoas são diferentes e vivem noutro Universo.
Há parecenças. Há pontos em que os Universos de interpenetram. Por ali também há 'supernovae' e buracos negros.
Há anjos que tratam brilhantemente das pessoas, disfarçados de Enfermeiras e de Médicos. Conheci uns tantos (menos de 10) que exerciam, ilicitamente, esta actividade: cuidar dos outros.

Ouvi dois homens contarem a 'mesma história'. Não havia relação alguma entre eles. Nos fins da década de 1940, tinham tido Pneumonia (à data, fatal por regra) e os seus Pais mandaram vir dos EUA doses de Penicilina — novidade tal que nem os micróbios sabiam lidar com ela. Ficaram curados em 4 ou 5 dias. Custo: 300.000$00 (trezentos contos, 300 meses de renda de boa casa média). Os Pais fazem tudo pela sua descendência.

Não se pode deixar que uns homens com poder de mandar noutros, tomem decisões nesta área, excepto se cuidarem dos mandados tal como seus filhos fossem. (Honny Soit)

Aliás, diz-se nos circuitos médicos, no cuidar de uma pessoa com doença complicada (ou rara), o melhor médico é sempre o último: o que finalmente atingiu o diagnóstico por onde muitos passaram de raspão, sem de tal se aperceberem.

A ignorância de que existe uma arte de tratar, uma arte de cuidar, é ubíqua.
Por cá até lhe chamam Sistema Nacional de Saúde. Deveria ser Sistema Nacional de Doença porque a saúde não tem custos. Se se quiser derreter dinheiro e recursos, nada há melhor (em eficácia e em ideologia) do que 'prevenir doenças'.
A doença tem sempre custos muito para além da nossa compreensão de 'cálculo'. É uma das grandes formas humanas de dependência.

O que chamamos de 'indústria farmacêutica' sempre existiu. Ao longo de milénios, quase sempre foi uma honesta forma de ganhar a vida, ajudando os necessitados com o seu saber. No último meio século passou a colocar as prioridades no negó$$io e não nos pacientes, nos necessitados: uma forma doentia de ganhar a vida.

Por hoje,
ao

JdB disse...

Caro ao,

Folgo em vê-lo de novo pelo estabelecimento. Agradeço o seu comentário ao qual não junto nenhum comentário. O que há a dizer depois da sua magistral exposição? Gostei particularmente desta ideia de ilicitude no cuidar dos outros. Só de si merecia um post.

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