03 outubro 2024

Dos profetas e dos maçadores

Paredão do Estoril, ontem, 07.30h

Esta semana ouvi a seguinte história numa aula na faculdade. O cenário é uma peça de teatro, talvez há 100 anos. Vasco da Gama  - miúdo, o que é importante! - está no seu quarto à procura de alguma coisa: vê debaixo da cama, por trás de um armário, por cima de uma estante, até que acaba por encontrar. A aia, ao lado dele, sorri satisfeita e diz-lhe: cedo começais a descobrir coisas, Sr. D. Vasco.

***

Ouvi e contei esta história várias vezes, tirada, ao que parece, de um sketch de um humorista brasileiro. Pedro Álvares Cabral chega ao Brasil. Atrás de uma árvore, um índio diz para o outro, em pânico: fomos descobertos...

***

O que une as duas histórias? O que é comum à aia que toma conta de Vasco da Gama criança, e os índios que vêem a chegada de Pedro Álvares Cabral? Aquilo que os liga e os torna semelhantes é uma certa ideia de antes de tempo ou de antes do seu tempo. Curiosamente, as duas expressões a itálico são muito semelhantes: falam de tempo e usam o advérbio antes. Acontece que não há aqui dois estilos: antes de tempo ou antes do seu tempo só inadvertidamente são expressões iguais às quais se aplicou um estilo diferente. 

O nosso lado optimista ou elogioso olha para a aia e para os índios como profetas. A primeira viu o que ainda ninguém tinha visto: Vasco da Gama como descobridor de coisas importantes; os segundos teriam percebido que, na verdade, haviam sido descobertos, e que isso não lhes traria uma felicidade óbvia. Mas a razão não está sempre do lado dos optimistas ou dos elogiosos. 

Acontece que a diferença entre antes de tempo e antes do seu tempo pode ser um fio de cabelo ou um fosso intransponível: o profeta fala antes do seu tempo; os maçadores falam antes de tempo. O que distingue uns e outros é a posse: se não detivermos o tempo, mais vale estarmos calados.

JdB

Sem comentários:

Acerca de mim

Arquivo do blogue