03 dezembro 2025

Vai um gin do Peter’s ?

 LUGARES ANTIGOS, AINDA ACTUAIS

Numa escolha de destinos difíceis, Leão XIV manteve-se fiel à viagem traçada pelo Papa Francisco, para visitar locais importantes dos primeiros tempos do cristianismo, hoje habitados por grupos étnicos variados e confissões religiosas diversas. 

Na Turquia orgulhosamente otomana e maioritariamente muçulmana, impressionaram as multidões que aclamaram o Papa nas ruas e nas principais celebrações, para além do bom acolhimento dispensado pelas autoridades turcas, começando pelo Presidente Erdogan. A amizade dos Papas mais recentes com o Patriarca Bartolomeu, de Constantinopla (ortodoxo), mantém-se com Leão XIV, acrescentando calor e sintonia à visita papal a um país pouco aberto aos cristãos. 

Impressionou Erdogan com a saudação à chegada ao aeroporto, num turco perfeito. 

A Turquia encheu-se de mensagens de boas-vindas ao Papa, na língua local.

Com o Patriarca Bartolomeu de Constantinopla.

As coincidências históricas também marcaram a viagem. Por exemplo, no lugar onde decorrera, há 1700 anos, o Concílio de Niceia (hoje submerso), voltaram a estar reunidos os 5 Patriarcas que havia à época: de Constantinopla, de Jerusalém, de Roma (o Sumo Pontífice), de Alexandria e de Antioquia.

No segundo destino – o Líbano, que já fora considerado a ‘Suíça do Oriente’ devido à pujança económica e à beleza natural – multiplicaram-se os episódios tocantes, começando pela visita ao Hospital da Cruz, perto de Beirute, onde são acolhidos doentes psiquiátricos pobres e problemáticos, de qualquer confissão religiosa. Explicou o Papa que quis visitar aquele lugar, porque Jesus morava ali. Continuou: «Dear brothers and sisters who are burdened by illness, I would like to remind you that you are close to the heart of God our Father. He holds you in the palm of his hand; he accompanies you with love; and he offers you his tenderness through the hands and smiles of those who care for you. (…)  What is lived in this place stands as a clear reminder to all — to your country, but also to the whole human family. We cannot forget those who are most fragile.  We cannot conceive of a society that races ahead at full speed clinging to the false myths of wellbeing, while at the same time ignoring so many situations of poverty and vulnerability.  Particularly as Christians, as the Church of the Lord Jesus, we are called to care for the poor.  The Gospel itself asks this of us, and we must not forget that the cry of the poor, echoed throughout Scripture, challenges us.»  

Comovida e extenuada, a Superiora da Congregação responsável pela gestão do hospital contou ao Papa as enormes carências com que se debatem, sem conseguir conter as lágrimas: «Our mission is a daily miracle, as those who have experienced it can attest. How has a humble institution, devoid of all resources, been able to remain steadfast in the face of the horrors of explosions, famine, epidemics, and the collapse of state institutions?»

O programa incluiu a visita a locais especialmente massacrados por desastres e pela guerra. A pobreza causada pela turbulência política e pela grave económica tem sido agravada pela sangria humana, com a emigração de muitos, sobretudo dos mais novos e promissores, sobretudo dos cristãos. A esses, Leão XIV lançou-lhes o desafio:  «There are times when it is easier to flee, or simply more convenient to move elsewhere. It takes real courage and foresight to stay or return to one’s own country, and to consider even somewhat difficult situations worthy of love and dedication».  De facto, vários dos emigrados regressaram ao Líbano para receber o Papa. Um dos casos noticiados foi o do engenheiro surfista – Jeff, de 37 anos – que se mudara para a Austrália, após a misteriosa e mortífera explosão num armazém do porto de Beirute, em 2020. Trabalhava nas proximidades e só fora poupado, porque se ausentara temporariamente. Quando voltou, já só viu escombros e os restos dos amigos calcinados. De novo em Beirute, Jeff põe a hipótese de se reinstalar na sua cidade natal, para ajudar a reconstruir o seu país.

Antes de rumar ao Vaticano, Leão XIV pediu aos libaneses coragem para voltarem a ser o expoente do ecumenismo, na senda da definição poética do Papa João Paulo II: o Líbano é mais do que um país, é uma mensagem! Concluiu a sua primeira Visita Apostólica pedindo: «Escolham a paz como caminho e não apenas como meta». Noutros momentos, convidou turcos e libaneses a: «Let us learn to work together and hope together, so that this may become a reality. (…) We hope to involve the entire Middle East in this spirit of fraternity and commitment to peace, including those who currently consider themselves enemies» [citado na língua das publicações consultadas].

Por cortesia do autor, segue um relato muito vívido das celebrações na antiga Niceia, curiosamente, com o foco em duas grandes Senhoras: 

«POR BAIXO DE ÁGUA 

Leão XIV foi a Niceia celebrar o Concílio que restabeleceu a unidade, 
ameaçada pela heresia ariana. Como todas as heresias, 
o arianismo queria «racionalizar» a fé: rejeitava 
o mistério da Santíssima Trindade tal como Deus 
no-lo revelou, interpretando-o, para ficar mais simples. 

Encontro ecuménico de oração, na margem do lago İznik.

A viagem do Papa Leão XIV à Turquia e ao Líbano (27 de novembro a 2 de Dezembro) comemora o primeiro concílio ecuménico, realizado em Niceia, há 1700 anos (ano 325). As perseguições tinham acabado oficialmente uma dúzia de anos antes, ao fim de três séculos intensos, e por isso a Igreja pôde reunir-se novamente, como não acontecia desde o Concílio de Jerusalém, no tempo dos apóstolos. Participaram no I Concílio de Niceia 318 bispos, quase todos do Médio Oriente, do Norte de África e da Grécia. Parece que apenas cinco eram ocidentais. O Papa Silvestre foi representado pelo Bispo Ósio de Córdova e enviou dois presbíteros romanos.

Foi o Imperador quem convocou a assembleia e decidiu o lugar, como escreveu numa carta aos bispos de todo o mundo: «(…) combinou-se inicialmente que o sínodo dos bispos se realizaria em Ancara, na Galácia, mas pareceu-nos agora, por muitas razões, que seria melhor que se reunisse na cidade de Niceia, na Bitínia: tanto por causa dos bispos que vierem de Itália e de outras partes da Europa, como por causa do bom clima, e porque eu serei de perto um observador e participante nas coisas que estão prestes a acontecer».

A mudança justificava-se porque Niceia se situa a poucos quilómetros do Mediterrâneo e Ancara fica num planalto no meio da actual Turquia. O sínodo decorreu realmente sob a presidência do Imperador, no seu palácio de Niceia. Como essa parte da cidade foi submersa pelas águas do lago İznik, o Papa Leão XIV e os patriarcas presentes comemoraram o concílio da margem do lago.

Helena, Mãe do Imperador Constantino, esteve presente? Era uma mulher absolutamente extraordinária. Tinha então cerca de 80 anos, mas uma inteligência invulgar e uma vitalidade inesgotável. Um ano depois do Concílio de Niceia começou a sua viagem mais famosa, uma peregrinação à Terra Santa, onde promoveu obras imponentes que perduram até hoje. De origem humilde, Helena foi primeiro notada pela sua beleza e depois pela generosidade, pela capacidade de liderança e pela piedade. Constantino admirava profundamente a sua mãe, que a Igreja ainda hoje celebra como Santa Helena. Talvez Santa Helena tenha acompanhado o concílio, presidido pelo filho.

O objectivo do Concílio de Niceia foi restabelecer a unidade dos cristãos, ameaçada pela heresia ariana. Como todas as heresias, o arianismo era uma tentativa de «racionalizar» a fé da Igreja: em vez de aceitar o mistério da Santíssima Trindade tal como Deus no-lo revelou, interpretava-o, para ficar mais simples. Em vez de um só Deus em três Pessoas distintas (Pai, Filho e Espírito Santo), haveria só Deus-Pai e Jesus seria uma criatura intermédia entre Deus e os homens, não a segunda Pessoa da Santíssima Trindade.

A poucos dias de partir para a peregrinação apostólica à Turquia e ao Líbano, o Papa Leão XIV resumiu na Carta apostólica «In unitate fidei» (na unidade da fé) a história e o conteúdo doutrinal deste concílio: uma carta breve, de leitura imprescindível para qualquer cristão.

A Constituição «Lumen gentium» do Concílio Vaticano II refere que os cristãos «(…) levantam os olhos para Maria, que brilha como modelo de virtudes» e acrescenta que «a Igreja, meditando piedosamente na Virgem, e contemplando-a à luz do Verbo feito homem, penetra mais profundamente, cheia de respeito, no insondável mistério da Encarnação (…). Pois Maria, entrou intimamente na história da salvação, e, por assim dizer, reúne em si e reflecte os imperativos mais altos da nossa fé (…)».

Com efeito, a história dos concílios mostra que muitos problemas se esclareceram definitivamente quando se considerou a sua relação com Nossa Senhora, «que entrou intimamente na história da salvação e reúne em si e reflecte» os grandes temas. Por exemplo, ao Concílio I de Niceia sucedeu o Concílio I de Constantinopla, até que no Concílio de Éfeso, no ano 431, foi definido que Maria era verdadeiramente Mãe de Deus. Finalmente, os hereges compreenderam que Jesus não é uma criatura que começou a existir no momento da concepção, mas é verdadeiramente Deus que assumiu a natureza humana, sem deixar de ser Deus.

O Papa Leão XIV confia que o amor a Nossa Senhora seja também hoje o caminho para a unidade da fé. A «Lumen gentium» do Vaticano II termina com estas palavras: «Dirijam todos os fiéis instantes súplicas à Mãe de Deus e mãe dos homens, para que (…), também agora (…) ela interceda, junto de seu Filho (…) até que todos os povos (…) se reúnam felizmente, em paz e harmonia, no único Povo de Deus, para glória da santíssima e indivisa Trindade».

De José Maria C.S. André, publicado a 30.NOV.2025, 
em jornais anglo-portugueses e no 
blog https://apontamento15.wordpress.com/
Maria Zarco
(a preparar o próximo gin tónico, para daqui a 2 semanas)

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