24 maio 2012

Falando do nada


Confesso que nunca morri de amores pela arte de escrever de Miguel Esteves Cardoso… assim como vos confesso que tive uma tremenda e incómoda resistência para conseguir terminar de ler uma única obra do nosso antigo Nobel da literatura Saramago…bem como mantenho uma tremenda dificuldade em entender o  porquê de tanta insistência/apoio no eterno/futuro candidato ao mesmo prémio Lobo Antunes. Falta de formação literária dirão uns… pobreza de sensibilidade dirão outros… presbiopia galopante,  diagnosticarão aqueles que pretenderem ser mais afectivos.

Apresentada que está perante vós a minha penitência cinjo-me ao que conduz à minha partilha de hoje: refiro-me aos acontecimentos que têm brindado a vida do casal (convido-vos a ler os textos incluídos no final)  Miguel Esteves Cardoso (MEC) e Maria João (sua esposa que padece de cancro). Depois da devida e necessária subtracção da esperada mediatização que o assunto mereceu (e ainda merece) não consegui evitar, num determinado momento,  que uma profunda onda de alegria e satisfação me invadisse. Como naturalmente  muitos de vós tive a oportunidade de ler o artigo de MEC antes de sua mulher ser sujeita  a uma cirurgia. Li e reli…mastiguei e cuspi.

Mas quão depressa também me arrependi. Estremeci ao recordar o quanto frágil também sou e que,  como  ser de emoções reajo também frequentemente de forma compulsiva e bruta…e quantas vezes a roçar a blasfémia pergunto eu?  Invadiu-me então a necessidade de me sentir novamente um ser de paz e resolvi reler o texto mas agora com a “capa de cordeiro”, com o meu outro eu. E pasmem-se: gostei do que li!!! Descobri naquele “ bilhete” a partilha de um turbilhão de sensações, emoções e sentimentos capazes de tocar a mais “alma danada”. Desde uma raiva surda a um quase  desespero criado pela súbita tomada de consciência da impotência humana para alterar o normal  desenrolar dos acontecimentos…ao misto de medo e quase terror da possível perca de algo precioso na sua vida…o quase conseguir-se “ouvir” o grito que clama:  ajudem-me…e no final  essa coisa maravilhosa que deus depositou nas nossas mãos e que MEC fez questão de partilhar com quem quis ler a sua crónica: o seu amor por Maria João e o papel do mesmo na sua vida: sem tabus, sem medos ou vergonhas, despido de preconceitos, sem a necessidade de qualquer tipo de adorno ou “maquilhagem”…apenas ele….o ser…que partilha o seu amor por alguém, o significado e importância desse alguém nas mais singelas e simples decisões do seu quotidiano. O homem que se apercebeu que mais não é que um simples e mero espectador e que neste momento precisa de aplaudir a actriz que o acompanha na  peça que é a sua vida clamando para que não abandone o palco. Mas o ser vai mais longe: por muito que lhe  possa custar por tornar público esse acto reconhece a sua fragilidade e vira os olhos e o coração bem para o alto clamando por justiça e compaixão divina… para onde eventualmente não esperaria ter de interceder…o ser, o homem reconhece a sua insignificância e procura em desespero uma resposta ou  saída onde na realidade tudo começa e tudo se define: nas mãos do criador!  Respiro profundamente e penso compreender a sua dor. E respeito-o.

Li a crónica onde descubro que Maria João já voltou para casa. Eu próprio consigo sentir algum conforto com a notícia, confesso. Degusto a  suave narrativa de MEC que acompanho  com um sorriso de quase cumplicidade e vou absorvendo um pouco da sua alegria, quase felicidade,  de quem volta a ter nas suas mãos o seu brinquedo preferido fazendo renascer em si as mais bonitas e saborosas sensações. E desde a primeira palavra até ao final da sua narrativa é um verdadeiro escorrer de emoções, de declaração de amor em declaração, um verdadeiro hino a uma  comunhão de vida feliz e que se pretende reforçar e perpetuar. Quase que é, às tantas, possível cheirar o perfume de rosas que todo o seu romantismo carrega. E como homem congratulo-me e fico feliz também. E também não deixo de parar para pensar na importância do papel de uma verdadeira mulher na vida de um homem. E penso: quantas vezes as valorizamos como o merecem?...quantas vezes somos verdadeiramente merecedores do seu afecto e amor?...quantas vezes lhes recordamos e agradecemos o facto de serem um dos principais pilares e suporte da nossa existência?...de quanto em quanto tempo pensamos e sentimos  verdadeiramente na falta que nos fazem? Lembro-me muito bem de um dia me terem dito algo parecido com isto: “queres saber a importância de uma pessoa na tua vida? Pensa então que ela vai desaparecer e descobrirás”.

Acho preferível não tomar este rumo e reconhecer atempadamente o que Deus me coloca nas mãos. E ao tomar esta decisão lembro-me que estou em falha para com Ele. Já lhe agradeci o que me deu ontem? E o que deu hoje? E mesmo tendo-me esquecido dele, ao menos valorizo o que tenho? Perdoa-me, Senhor pela minha ingratidão! Quero dizer-Te humildemente obrigado por tudo aquilo que me ofereces e peço por todos aqueles que se cruzam na minha vida e que me dês a especial bênção de os saber acarinhar e valorizar devidamente!

E de repente uma pequena tristeza assombra o meu pensamento: reparo que na sua segunda crónica MEC já não faz referência ao divino…e que não faz o devido agradecimento por ter o seu “brinquedo” de volta . Tem no entanto a capacidade de comunicar e partilhar o seu amor com os outros. Acredito que seja a mão dele a guiar a sua pena neste momento. E acredito que um dia MEC vai saber e querer agradecer.

JC



4 comentários:

Luiza A disse...

Se te da' algum conforto tb nunca consegui acabar um livro do Saramago e depois dos 2 primeiros nem comecar um dos so Antonio Lobo Antunes. sobre o resto nao comento porque quase todos os dias assisto situacoes dramaticas de doenca e morte.

Maf disse...

JC, a maioria das pessoas e principalmente os homens (desculpem-me os ditos)não consegue exteriorizar os sentimentos através de palavras. Ao que parece, denota "fraqueza"! MEC é a excepção que foge à regra.
Excelente post, excelente escrita.
Quanto a Saramago, li 2 mas com alguma dificuldade. Quanto a Lobo Antunes não consegui passar da pag. 20 !
Bj e boa semana.
Maf

Maf disse...

Só um pequeno apontamento. A crónica peca pelo tamanho da letra :-) Tive que ler com uma lupa !

JdB disse...

O editor e dono do estabelecimento agradece este novo contributo do JC.
Quanto ao seu apontamento, MAF, a explicação é simples: o tamanho que vê é o X-large. Se o puser do tamanho original sai-me pelas bordas do computador.
Infelizmente não sei fazer mais do que isto, porque me parece que tem a ver com a forma como o documento foi scannado/gravado.

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