09 agosto 2018

Textos dos dias que correm

Nada nos Faz Acreditar Mais do que o Medo

Nada nos faz acreditar mais do que o medo, a certeza de estarmos ameaçados. Quando nos sentimos vítimas, todas as nossas acções e crenças são legitimadas, por mais questionáveis que sejam. Os nossos opositores, ou simplesmente os nossos vizinhos, deixam de estar ao nosso nível e transformam-se em inimigos. Deixamos de ser agressores para nos convertermos em defensores. A inveja, a cobiça ou o ressentimento que nos movem ficam santificados, porque pensamos que agimos em defesa própria. O mal, a ameaça, está sempre no outro. O primeiro passo para acreditar apaixonadamente é o medo. O medo de perdermos a nossa identidade, a nossa vida, a nossa condição ou as nossas crenças. O medo é a pólvora e o ódio o rastilho. O dogma, em última instância, é apenas um fósforo aceso.

Carlos Ruiz Zafón, in 'O Jogo do Anjo'

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O Medo como Orientador da Nossa Vida

Uma vez que estamos sós no mundo, ou pelo menos não tão sós como gostaríamos de estar, temos o dever de dominar as nossas explosões, de fazer com que as explosões inevitáveis da nossa maldade ou da nossa bondade paradoxais vão aproximativamente no sentido do fim aproximativo. Quanto ao fim, talvez não seja lá muito importante determiná-lo com a precisão sádica que encontramos no sistema do mundo e no destino quando ambos se associam para determinar a posição do homem no espaço e no tempo.
Devemos evidentemente batermo-nos contra os dois, e como o mais importante é manter a direcção justa do fim talvez errado, é-nos necessário aguçar a nossa lucidez a fim de a tornarmos cortante como uma lâmina, acerada como uma seta, percuciente como uma punção. É graças a essa lucidez que funciona a nossa consciência, que não passa afinal de uma transcrição idílica do nosso medo, porque o medo lembra-nos infatigavelmente a direcção justa, e se sufocarmos o nosso medo, perderemos a possibilidade de nos orientarmos numa direcção determinada e daremos aqui e ali lugar a uma série de estúpidas explosões privadas, causando os piores estragos para um mínimo de resultados. É por isso que devemos conservar dentro de nós o nosso medo como um porto sempre livre de gelos que nos ajude a passar o Inverno, e também como uma corrente submarina vibrando por baixo da superfície gelada dos rios.

Stig Dagerman, in 'A Ilha dos Condenados'

1 comentário:

ACC disse...

Obrigada por esta reflexão.
O medo é uma emoção básica. Sem o medo já não haveria Homem.
Assim, o que fazer com esta inevitabilidade?
Simplesmente aquilo que fazemos com todas as outras, reconhecer, perceber, aceitar e abraçar, porque só assim podemos controlar os sentimentos que o medo nos provoca e não deixamos que seja o medo a controlar a nossa vida.

Eu costumo dizer que não tenho medo. De facto não sou medrosa e enfrento bem o desconhecido. O meu pai ensinou-me a olhar de frente o medo e, na minha ingenuidade infantil, ganhei força, coragem. Não percebi as estratégias e mecanismos que activei nessa altura. Não me preocupei com o tema até ao dia em que o meu pai morreu. Nesse dia renasceu a imagem do camaleão e aí percebi tudo.
Ainda sem consciência, passei esse desmedo às minhas filhas que passarão aos meus netos.
Obrigada pai!
Obrigada JdB por me fazer recuar e lembrar da sorte que tive de ser filha de um Homem como o meu pai.

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