25 outubro 2023

Vai um gin do Peter’s ? 

MEDIOCRES ÚTEIS?

Embora não considere de aplicação universal a tese de António Lobo Antunes sobre a utilidade genérica dos medíocres, ao longo da história, para não perturbar o status quo, reconheço que faz falta, de vez em quando, ouvir uma interpretação destas sobre a história. Como não reconhecer-lhe alguma verdade no marasmo geral em que o país mergulhou, meio anestesiado, meio acomodado, doentiamente avesso à mudança, qual “velho do Restelo”? Quantas pessoas estão viciadas neste comodismo paralisante, contaminando o tom geral da sociedade com uma atitude horrivelmente castrada e castradora.  

Nos dois Estados da Península Ibérica observa-se boa dose deste imobilismo, embora em sentido literal se aplique mais a Portugal do que a Espanha, onde o bloqueio provém de um excesso de conflito latente, que se tenta evitar a todo o custo, num empate técnico entre facções autocontroladas para não chegarem a ‘vias de facto’. A guerrilha urbana em plena Rambla e demais ruas de Barcelona, há um par de anos, não deixaram dúvidas sobre a paz fragilíssima que contém as hostes em ebulição do outro lado da fronteira. 

Hoje, a seguinte visão pessimista de Lobo Antunes encontra algum eco na realidade ao pé da porta:     

«A MEDIOCRIDADE NECESSÁRIA 

“A sociedade necessita de medíocres que não ponham em questão os princípios fundamentais e eles aí estão: dirigem os países, as grandes empresas, os ministérios, etc. Eu oiço-os falar e pasmo não haver praticamente um único líder que não seja pateta, um único discurso que não seja um rol de lugares-comuns. Mas os que giram em torno deles não são melhores. Desconhecemos até os nossos grandes homens: quem leu Camões por exemplo? Quase ninguém. Quem sabe alguma coisa sobre Afonso de Albuquerque? Mas todos os dias há paleios cretinos acerca de futebol em quase todos os canais. Porque não é perigoso. Porque tranquiliza.

Os programas de televisão são quase sempre miseráveis mas é vital que sejam miseráveis. E queremos que as nossas crianças se tornem adultos miseráveis também, o que para as pessoas em geral significa responsáveis. Reparem, por exemplo, em Churchill. Quando tudo estava normal, pacífico, calmo, não o queriam como governante. Nas situações extremas, quando era necessário um homem corajoso, lúcido, clarividente, imaginativo, iam a correr buscá-lo. Os homens excepcionais servem apenas para situações excepcionais, pois são os únicos capazes de as resolverem. Desaparece a situação excepcional e prescindimos deles.

Gostamos dos idiotas porque não nos colocam em causa. Quanto às pessoas de alto nível a sociedade descobriu uma forma espantosa de as neutralizar: adoptou-as. Fez de Garrett e Camilo viscondes, como a Inglaterra adoptou Dickens. E pronto, ei-los na ordem, com alguns desvios que a gente perdoa porque são assim meio esquisitos, sabes como ele é, coitado, mas, apesar disso, tem qualidades. Temos medo do novo, do diferente, do que incomoda o sossego.

A criatividade foi sempre uma ameaça tremenda: e então entronizamos meios-artistas, meios-cientistas, meios-escritores. Claro que há aqueles malucos como Picasso ou Miró e necessitamos de os ter no Zoológico do nosso espírito embora entreguemos o nosso dinheiro a imbecis oportunistas a que chamamos gestores. E, claro, os gestores gastam mais do que gerem, com o seu português horrível e a sua habilidade de vendedores ambulantes: Porquê? Porque nos sossegam. Salazar sossegava. De Gaulle, goste-se dele ou não, inquietava. Eu faria um único teste aos políticos, aos administradores, a essa gentinha. Um teste ao seu sentido de humor. Apontem-me um que o tenha. Um só. Uma criatura sem humor é um ser horrível. Os judeus dizem: os homens falam, Deus ri. E, lendo o que as pessoas dizem, ri-se de certeza às gargalhadas. E daí não sei. 

Voltando à pergunta de Dumas: 

– Porque é que há tantas crianças inteligentes e tantos adultos estúpidos? – não tenho a certeza de ser um problema de educação que mais não seja porque os educadores, coitados, não sabem distinguir entre ensino, aprendizagem e educação. A minha resposta a esta questão é outra. Há muitas crianças inteligentes e muitos adultos estúpidos, porque perdemos muitas crianças quando elas começaram a crescer. Por inveja, claro. Mas, sobretudo, por medo.”

António Lobo Antunes
 (Circulou nas redes sociais, em Setembro de 2020) 

Indiferente ao status quo, a Inteligência Artificial (IA ou AI) cresce e intimida pelos efeitos indomáveis do seu avanço. Claro que acarreta riscos enormes, mas os benefícios também são gigantes e incontornáveis, como se viu com a net de sinal aberto no mundo ocidental. Naturalmente, urge fazer adaptações de monta, a começar nos métodos de ensino e de avaliação dos estudantes ou nas provas de reconhecimento da propriedade intelectual, para apenas citar dois campos onde os modelos actuais ficaram instantaneamente obsoletos e inadequados. Sobre as vantagens óbvias, uma publicidade recente da Coca Cola demonstra-o com humor, através de um anúncio concebido pela tecnologia de geração de imagens (‘Stable Diffusion’) da IA. A curta-metragem dá vida à arte clássica, tornando-a capaz de cativar a curiosidade fresca e acelerada dos adolescentes de agora, com a ajuda da garrafa icónica! O slogan «Coca Cola real magic» é cumprido à risca, mal as obras mudas e inertes de Warhol, Vermeer, Van Gogh, Turner, Munch embarcam num jogo divertido, que consegue despertar o estudante enfastiado, a aborrecer-se de morte na visita de estudo a um museu. Nem 24 horas depois de ser lançado, já o spot publicitário era alcunhado de ‘Masterpiece’ e considerado por muitos como o melhor comercial dos últimos anos: 


Custa revisitar a realidade por vozes desencantadas e pessimistas, mas é sempre útil o frente-a-frente com o real possível, sem o esgotar, ouvindo outras perspectivas, para um hoje mais atento e um amanhã com mais horizonte.

Maria Zarco
(a preparar o próximo gin tónico, para daqui a 2 semanas)

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