CAMÕES POETA-FILÓSOFO-CIENTISTA
O magno poeta da história de Portugal foi também um filósofo, conhecedor de astronomia, física, geografia, história e artes náuticas. A comemoração dos 500 anos do seu nascimento (entre 1524 e 1525) têm proporcionado alguma divulgação sobre o génio enciclopedista de Camões, que se estende muito para além da literatura.
O poeta viveu num século pujante para Portugal – líder dos mares com a descoberta do caminho marítimo para a Índia e de toda a costa africana, ao longo do Atlântico e do Índico, a chegada ao hemisfério sul ancorando no Brasil (Terra de Vera Cruz, à época), o domínio das rotas comerciais mais valiosas do Oriente para a Europa com o monopólio das preciosidades indianas, a vanguarda dos conhecimentos tecnológicos. Como reconhece o jornalista historiador britânico, Martin Page, no seu livro «The First Global Village: How Portugal Changed the World» (a 1ª edição data de 2002), Portugal foi o precursor da primeira vaga da globalização, dando a conhecer novos mundos ao mundo.
Outro britânico, Roger Crowley, escreveu sobre o impacto dos avanços portugueses para o rumo da história, sob o título: «Conquerors: How Portugal Forged the First Global Empire» (2015). Sinopse: «In Conquerors, New York Times bestselling author Roger Crowley gives us the epic story of the emergence of Portugal, a small, poor nation that enjoyed a century of maritime supremacy thanks to the daring and navigational skill of its explorers—a tactical advantage no other country could match. Portugal’s discovery of a sea route to India, campaign of imperial conquest over Muslim rulers, and domination of the spice trade would forever disrupt the Mediterranean and build the first global economy.»
Numa conferência épica, decorrida a 26 de Junho de 2024, um grupo de cientistas, dos quais vários com especialidade em matemática (Carlos Pereira dos Santos, Henrique Leitão, Joana Lima de Oliveira, Telmo Santos), exemplificaram as incontáveis referências científicas presentes nos Lusíadas, que fluem com enorme beleza sob uma musicalidade poética exímia. As menções à abóboda celeste do hemisfério Sul, numa narrativa que acompanha as diferentes constelações estelares visíveis ao longo do caminho, são de tal rigor astronómico, que é possível localizar todo o itinerário percorrido pelos navegadores portugueses, apenas com base nessas referências poéticas de triplo sentido – literário, histórico e astronómico –, até as naus aportarem na Índia, onde a estrela polar não é visível!
A abertura dos Lusíadas – «… por mares nunca antes navegados…» – dá o mote sobre a maior proeza dos Portugueses, ao tornarem navegáveis oceanos antes intransponíveis. As naus portuguesas transfiguraram o alto-mar, antes finis terra, e depois acesso a novos mundos, antes barreira e depois elo entre civilizações e potências terrestres desconhecidas entre si. Camões está bem ciente do mérito dessa novidade revolucionária, dedicando-lhe dez cantos líricos, que enaltecem o novo paradigma interplanetário introduzido pelos Descobrimentos portugueses.
Também as remissivas geográficas camonianas, as suas alusões à cultura mitológica da Antiguidade clássica, as evocações de períodos antanhos, acrescentam densidade histórica e científica à sua lírica. Note-se que Camões também fez a mítica travessia até à Índia, com o continente africano a bombordo (na ida), anos depois da viagem de Vasco da Gama. Essa experiência, permitiu-lhe acompanhar ao detalhe as peripécias daquele itinerário nunca antes percorrido em toda a sua extensão, recriando com factualidade o heroísmo do percurso inaugural.
Nos perfis ricos das personagens maiores da história portuguesa, Camões revelou especiais dotes de psicologia e também de sociologia, desenhando não apenas os líderes, mas a gesta de um povo mobilizado para um grande empreendimento nacional. Teceu ainda lúdicos considerandos sobre o rumo de um país capaz de uma empresa maior, mas avesso a valorizar quem narra e quem contribui por sua livre iniciativa, sem o respaldo, nem a chancela das corporações e demais suspeitos do costume, que persistem teimosamente num país ainda aperreado.
Antecipando-se às comemorações de 2024/25, o autor ilustrador José Ruy aventurou-se na transposição do conteúdo integral de «Os Lusíadas» para banda desenhada. Tendo iniciado a sua carreira aos 14 anos, José Ruy é o autor português de BD com maior número de títulos publicados, traduzidos para 11 línguas e sucesso reconhecido além-fronteiras, em vários países europeus, no Brasil, na China e no Japão. O autor, que tem privilegiado figuras e temas históricos, foi o primeiro a ter a audácia de trabalhar um poema épico em BD.
Na Fundação Medeiros e Almeida abundam as peças alusivas ao poeta-cientista-historiador-filósofo, que têm merecido destaque em exposições temporárias comemorativas dos 500 anos de Camões:
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| Desenhado pelo artista plástico Lima de Freitas (1927-1998), um conjunto de pratos de porcelana da Fábrica Vista Alegre, encomendado em 1980, aquando do 4º centenário da morte do poeta |
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| Leque plissado em papel e marfim, com vistas de Lisboa, entre elas da Praça Luís de Camões, provavelmente copiadas de postais da época. |
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| Igualmente da fábrica Vista Alegre, da sua manufactura inicial, sobressaem os copos de vidro lapidado e facetado, com a efígie de Luís de Camões, datados entre 1837 e 1846. |
No Pavilhão de Portugal na Expo está patente, até 27 de Julho, a mostra «Meu matalote e amigo Luís de Camões», onde Os Lusíadas dialogam com as artes visuais. Sinopse: Assume-se como conceito orientador a lição a D. Sebastião que é Os Lusíadas. Nessa medida, o percurso expositivo, composto por 12 núcleos temáticos, cruza a narrativa do poema com a autobiografia do poeta, tanto na épica como na lírica. (…) Integra várias obras de arte, entre texto e imagens, entre Camões e outros autores, com esculturas de Simões de Almeida e Canto da Maya, pinturas de José Malhoa, Columbano, Géricault, Veloso Salgado, Cristóvão de Morais, Lourdes Castro, James Ward a partir de Ticiano. Nos desenhos, contam-se obras de Domingos António de Sequeira, Luca Cambiaso e Abraham Bloemaert. Nas fotografias constam obras de Candida Hoefer, Thomas Ruff, Jorge Molder, Hiroshi Sugimoto, Luís Pavão. Algumas das instituições que emprestam obras originais são: o Museu Nacional de Arte Antiga, o Museu Nacional de Arqueologia, o Museu Calouste Gulbenkian, a Academia das Ciências de Lisboa, o Palácio Nacional da Ajuda, o Museu Nacional Soares dos Reis, o Museu Nacional Grão Vasco, o Centro de Arte Moderna da Fundação Calouste Gulbenkian, a Coleção de Fotografia novobanco e alguns colecionadores privados. HORÁRIO: 10h00-18h00, de Terça-feira a Domingo. Entrada livre. VISITAS GUIADAS todos os Sáb. e Dom., nos seguintes horários: 10h | 12h | 14h | 16h.
Na contagem decrescente para os Santos Populares, valerá a pena descobrir folgas na agenda para aproveitar os festejos de Camões, que pululam por todo o país. Aqui ficou apenas um brevíssimo aperitivo do que corre em Lisboa.
(a preparar o próximo gin tónico, para daqui a 2 semanas)








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