24 setembro 2025

Vai um gin do Peter’s ? 

 PUBLICIDADE PRECOCE AO ALGARVE, EM 1928 

As enormes dificuldades financeiras do país, que marcaram o século XIX português, foram disfarçadas através do endividamento do país. Em boa verdade, a devastação provocada pelo terramoto de 1755 desferira um golpe duro na capital de um país organizado de forma macrocéfala, em torno de Lisboa. As Guerras Napoleónicas deram, depois, a grande estocada, prolongando-se a agonia económica e social na guerra civil entre Miguelistas e Liberais. Logo que o ambiente político se apaziguou, o Governo procurou acompanhar os avanços dos países mais industrializados, modernizando a sua rede de transporte (ex: ferrovia), construindo hospitais, algumas escolas e outras infraestruturas, que obrigaram a contrair empréstimos à banca estrangeira, nomeadamente a inglesa. Sem capacidade para pagar os empréstimos, o previsível colapso financeiro ficou patente em 1891. Alguns historiadores associam essa vulnerabilidade financeira ao Ultimatum britânico a Portugal, que pôs termo às pretensões portuguesas de unir os territórios de Angola a Moçambique, através da repartição de terras africanas, que ficou conhecido por «Mapa Cor-de-Rosa». A humilhação infligida pelo mais velho aliado do país, fragilizou mais o Governo e agravou a tensão social que vinha em crescendo, desde há décadas. Eça e outros da sua geração documentaram bem o descontentamento geral, que se fazia sentir por todo o país.  

Para atrair remessas em moedas estrangeiras valiosas (como a libra inglesa, o marco alemão, o franco gaulês, etc.), de onde provinham os países emissores de turismo, no século XIX, o ministro da Fazenda (Finanças) Mariano de Carvalho defendeu (1893) a aposta no turismo para mitigar o desequilíbrio das contas públicas: «Lisboa lucraria enormemente se, pela afluência de passageiros [estrangeiros], aqui ficassem quantias avultadas». 

Porém, a turbulência política interna e a falta de infraestruturas retardaram esse desiderato. Apesar das dificuldades, em 1906 foi constituída a Sociedade de Propaganda de Portugal, com a missão de atrair turistas. O seu primeiro grande feito foi o acolhimento do IV Congresso Internacional de Turismo, que trouxe a Portugal perto de 800 congressistas estrangeiros. Corria o ano de 1911. 

O período político conturbado que marcou a Primeira República voltou a atrasar o desenvolvimento do sector. No final dos anos 20, as iniciativas começaram a pulular, depois fortemente impulsionadas e profissionalizadas por António Ferro.  

Um passo importante correspondeu ao lançamento da revista ilustrada «TERRAS DE PORTUGAL», fundada por Gomes Barbosa, em 1927, para «tornar conhecido em todo o mundo o ressurgimento de Portugal». O primeiro número, publicado em 1928, tinha por tema «Portugal Ilustrado – Grande Álbum de Turismo», dedicando um capítulo às praias algarvias (bem documentado em artigo de 3 de Agosto, publicado no site www.sulinformacao.pt), mostradas com um entusiasmo pueril, pois quase contava tanto o potencial das estâncias portuguesas como as reais condições oferecidas aos turistas de então.  

Quase cem anos depois, a viagem ao passado através daquela revista revela uma região a despontar para o turismo, ainda sem as feridas de um crescimento posterior muito desordenado, que correu atrás do dinheiro rápido, comprometendo o futuro.  

As falésias esculturais que recortam a costa algarvia, pontuada de casario branco.
À época, as referências às estâncias da concorrência eram uma constante, de Biarritz à costa espanhola: «[O Algarve, em geral, e a Praia da Rocha, em particular, melhores] não só porque a media das temperaturas máximas é um pouco menor, mas sobretudo, porque as oscilações termométricas são muito mais pequenas, assegurando assim [o Algarve] uma grande estabilidade de temperatura, [pelo que a Rocha resultava] estância invejável tanto de Verão como de Inverno».
Mas reconhecia-se, com pragmatismo: «a-pezar-de-se apregoar que o Algarve é região para turismo; mas oferece ao turiste, barrancos a percorrer, para lhe quebrar os ossos, estragar os automóveis e afugentar os desejosos de voltar cá».

O itinerário começa na Praia da Rocha, dita: «a mais formosa de Portugal e uma das mais belas do mundo inteiro. (Praia) verdadeiramente explendida [sic] e se afigura de grande e prospero futuro (…) com o seu clima dulcíssimo mesmo no inverno, com o seu céu quasi sempre limpo de nuvens, com as suas paisagens tão lindas e tão características, com todos os seus predicados, emfim, constitue (…), uma região por assim dizer privilegiada para o turismo».

E continua a descrição: o «pitoresco das suas rochas, a finura da sua areia, pouco alcantilada, isenta de alfaques, areias movediças, pedras e limos, não só oferece aos banhistas todas estas regalias como, pela sua situação abrigada, sem correntes, mar empolado, ou ressacas, tão perigosas nas outras praias, lhes patenteia sempre aguas temperadas, tranquilas e límpidas». E assumia-se que: «há bastantes construções, sendo algumas boas, e muitas se edificarão ainda para que não pare o progresso do desenvolvimento desta formosa estancia.»

Até o pitoresco da azáfama local da pesca ajudam a completar a paisagem da região.
Mas a grande atracção eram as festas locais: «são deveras interessantes e muito típicas as diversões populares da região, que tanto a banhistas como a turistas proporcionam agradáveis passatempos. O algarvio gosta de música e ama a dança.» Na gastronomia, além do peixe e dos frutos secos, elogiavam-se as uvas: «excelentes devendo especializar-se a sua soberba uva de mesa, deveras primorosa».

Observa-se que: «para L[este] margina terrenos levemente ondulados que se prestam para construções; pois que são de fácil aquisição, baratos e convidativos, por a região ter material para obras e ter disposição, que de futuro servirá com grande proveito, para a expansão que Albufeira há-de ter para esse lado – quando explorar o turismo, construindo prédios para hotéis, casinos e habitações particulares. [Para Oeste] pitorescos recintos; uns com pequenas praias, outros com furnas, falésias e outros caprichosos encantes com que a natureza a dotou. (…) [U]m novo e desusado movimento [no Verão], pois já afluem famílias de fora que procuram esta praia (…), vindo habitar um povoado que contém os recursos indispensáveis à vida, para alimentação, para socorro no caso de doença; e, até no campo distracções: vida de praia, passeios nos arredores, e no Casino».

«[Sem] excessivos calores, que às vezes, há na parte L(este] da província, nem dos rigorosos e agrestes frios que predominam na região O[este], com a ”costa em meia lua protegida dos vendos do N[orte]”- apresenta uma praia prolongada na sua orla, suave, quieta, limpa, atraindo o banhista ao prazer do repouso ou ao regalo do banho. [P]raia segura, porque tem declives suaves, o seu mar não é violento e poucas correntes o afecta».

«Excelente praia de banhos (…) [e para] socego e descanso do corpo e de espírito. (…) Sem ostentações faustosas e sem o bulício que outras praias proporcionam é muito salutar qualquer estadia na risonha praia de Armação de Pêra tida por indivíduos cujo estado mórbido leva os médicos a indicar-lhe a utilidade dos banhos de mar. [U]m ou dois meses de veraneio em Armação de Pêra, descansando da labuta do resto do ano, constitue um regalo para o espirito na contemplação das prodigiosas creações da natureza, oxigenando os pulmões, deixando-os limpos e sãos prontos a lutar com o ar contaminado de algumas cidades. (…) [O]nde fica a praia de banhos, há varias adegas, fábricas de conserva de peixe, fábricas de cordoaria e não poucos estabelecimentos comerciais e industriais de diversos géneros, empresas de armações de pesca e calafates, para concerto das embarcações piscatórias.».

Sobre a praia da Luz, em Lagos: «[é] sobremaneira interessante e costuma ser extraordinariamente concorrida não só por habitantes da província, como de famílias do baixo Alentejo e também por bastantes famílias do vizinho reino de Espanha. É uma das mais lindas e desafogadas praias do nosso litoral apresentando pontos de vista de uma superior beleza que jamais nos podem esquecer, e que não poucas praias do extrangeiro teem o direito de nos invejar».

Fugindo à ladainha das lamúrias habituais (q.b. compreensíveis, face aos estragos feitos na região e difíceis de reverter), constata-se que ainda há recantos paradisíacos no Algarve, de clima privilegiado, bafejado por um Inverno suave e luminoso. Não é por acaso que tantos europeus de países frios, rumam para lá, logo em meados de Setembro, à procura do sol e do céu turquesa. Não é por acaso, que em muito Algarve quase só se ouve falar inglês. Se os estrangeiros sabem tão bem aproveitar a extremidade Sul do país, como não havemos nós de tentar cuidar e melhorar (não desistir) do nosso património. 

Maria Zarco

(a preparar o próximo gin tónico, para daqui a 2 semanas)

Sem comentários:

Acerca de mim

Arquivo do blogue