POEMA AO ASSÉDIO
senhor motorista
quando eu era pequena
quando eu era pequena
diziam-me que era mau
ser feminista.
agora dizem-me só que
não é preciso.
mas senhor motorista:
quando disse que me levaria para sua casa,
quando falou em coisas que me deixaram
com medo e
asco
asco
asco
quando disse que eu era tão simpática
e se era tão simpática
e se dizia que não queria
se dizia que não queria
então queria, de certeza.
sei que a culpa não é sua
sou eu que olho nos olhos,
uso batom, vestido curto,
sou educada
e por norma até sorrio
porque me ensinaram assim:
bom dia, boa noite, por favor, obrigada.
senhor motorista:
agora receio as ruas da minha cidade
não gosto que me olhem
fecho as pernas
desvio o olhar
ele a olhar para mim
e agora? agora vou fingir
que vejo a paisagem. ele continua
olha-me pelo reflexo do vidro e agora?
é melhor ver se a saia está baixa, não sorrir, não olhar, não falar,
fechar as pernas,
fechar as pernas fechar as pernas fechar as pernas
e agora?
agora
dou por mim a correr na rua
ao som de um disparo
que nunca aconteceu.
senhor motorista:
não foi por mal que não engracei consigo,
quem sabe numa próxima vez. até lá,
um bom dia, boa noite, por favor,
obrigada.
obrigada.
obrigada.
Francisca Camelo, A IMPORTÂNCIA DO PEQUENO-ALMOÇO, edição Fresca. Tirado daqui
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