dizem aqui ao lado, que digo?, zombam,
que a poesia é matéria ilusória,
não sacia a fome, não mata a sede e,
se porventura formos metafóricos,
mesmo o espírito é discutível, menina.
dizem aqui ao lado, que digo?, rosnam,
que a poesia é altamente perigosa,
ilusão alienante que faz lembrar
aquela matéria que nas bds da infância
se chamava o ouro dos tolos, menina.
dizem aqui ao lado, que digo?, cospem,
que a poesia e os seus promitentes poetas
são uma cambada de vencidos da vida
frequentadores de modernos pardieiros estéticos
à falta de trabalho e melhor ocupação, menina.
dizem aqui ao lado, que digo?, hesitam,
que o problema é afinal outro:
- poesia? nada contra, menina.
o problema é já 'não se ser menina',
o problema é chegarmos aqui,
trinta anos, umas assoalhadas algures,
trinta e um anos, um carro vistoso,
trinta e dois anos, um emprego bafiento,
trinta e três anos, a idade de Cristo..
a partir daqui, menina,
já estamos a mais.
a partir daqui, menina,já somos a menos.
finam-se as possibilidades surreais,
enterram-se os sonhos de grandeza,
louvam-se as minúsculas alegrias,
cultivam-se as rimas que não riem
e os risos que não rimam.
o problema da poesia é simples:
não serve para nada, é dandismo puro,
devaneio de quem pode pensar em algo mais
que a bucha e os trocos do dia.
neo-realismo pós-moderno,
manuel de freitas, sem profundidade,
josé miguel silva, sem latitude,
dizem aqui ao lado, que digo?, acusam.
tristes patetas,
e, o pior de tudo, impotentes
estes poetas dos trinta anos.
ontem, liguei a televisão,
espreitei a selecção da albânia,
pensei no que seria se tivesse nascido em tirana.
vi o nosso treinador perdido,
impotente,
sem saber o que fazer.
(aposto que é rapaz para mais de trinta anos).
desligar a televisão,
desligar dos jornais,
desligar a rádio,
desligar o mundo.ir treinando, em vida, em jogo,
eles e nós,
a não qualificação.
o problema da poesia, vendo bem,
não é ser nada.
o problema da poesia
é dizer o nada,
na esperança louca e fugidia,
de que o extremo exercício da beleza*
seja, afinal,
uma janela.
passado, presente e futuro,
guarda de honra e exército,
puros-sangues,
galgos por inventar,
cores impossíveis,
uma saída.
mas há uma saída, menina?**
* verso adaptado de Herberto Helder, com profunda admiração.
**verso adaptado de Rui Pires Cabral, com profundo respeito.
gi
As melhores viagens são, por vezes, aquelas em que partimos ontem e regressamos muitos anos antes
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2 comentários:
Ainda bem que há poetas, janelas e pessoas que aos 30 anos percebem que não podem conquistar o mundo - é dessa massa humana feita mais humilde pela compreensão da sua própria impotência, é dessa fraqueza perante a Grandeza que nos espera, que nascem os poetas, os sonhadores, os artistas, aqueles que lêem a existência como uma necessidade de suplantação de si próprio, desta existência terrena e que procuram comunicar outros patamares para os quais estamos todos feitos ... os (alguns) artistas/os poetas estão a meio caminho entre o Céu e a Terra ...
querem rosnar, rosnem ! querem zombar, zombem ! querem cuspir, cuspam ! mas não matem os poetas; nem os poetas dos 30, nem os poetas dos 40, nem dos 50. A vida sem poesia é como uma tela sem pintura. A poesia não serve para nada ???? Que blasfémia :-), infames criaturas. Menina, não se deixe iludir; não se deixe levar por balelas insensíveis; aguarde, pacientemente e verá que há sempre uma saída, menina .....
Parabéns, Gi
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