sabes, carlos, hoje, em que te avisto daqui,
és-me muito mais próximo do pudeste ser outrora,
nos estádios improvisados da nossa infância,
junto à escola, marcados na nossa imaginação
como os mais perfeitos estádios de futebol.
'olha o macaco!', riam-se os petizes, enquanto
te lançavam as imprecações violentas
que a idade ainda desculpava.
'olha o macaco' era a expressão, carlos,
com que te crismaram,
padres de tenra idade,
a treinar em meninos,
os homens que viriam a ser,
caça grossa e pontaria,
toda a colossal brutalidade
de que seríamos capazes.
esse 'macaco', que eras tu para eles,
(que digo, para nós..),
entrava em campo e,
talvez fome de bola e falta de jeito,
talvez fome de outras coisas
que tentarei não escrever aqui
à frente de ti e de todos,
entrava em campo e
chutava para todos os lados,
na primeira direcção que o pé,
desajeitado mas potente,
era capaz de negociar com a bola.
não te percebíamos, na altura,
e nunca te percebemos, acho eu.
mas hoje, em que te avisto daqui,
penso no quão certo tu estavas,
infalível na brusquidão da força,
impassível na violência do remate,
intocado pelos dichotes da miúdagem,
- como um sísifo sem patine ou caução histórica.
tentavas o teu melhor, à tua maneira, provavelmente.
sabias que não nasceras com sorte, talento ou fidalguia,
o que dá sempre jeito e vantagem.
por isso mesmo, tentavas ser energia pura,
uma possibilidade, instinto em combustão,
bestialidade humana, na ponta do sapato que ardia.
hoje, carlos, 'macaco' que foste,
estejas onde estiveres,
vivo ou morto como eu,
peço-te que me desculpes.
e que do alto do sítio de onde agora me avistas,
percebas
que hoje eu, como ontem tu,
tentamos apenas não desistir,
fazer o melhor que sabemos,
apesar de sabermos que sabemos tão pouco.
gi.
2 comentários:
Estes seus polaroids são demais! Da melhor qualidade! Com uma côr e uma nitidez assombrosas... lindo. As ever. pcp
Subscrevo na integra o comentário anterior.
fq
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