31 outubro 2014

Da morte



Penso ter ouvido esta ideia (e não as palavras) da boca do próprio, numa entrevista televisiva fascinante de lucidez e clareza. Aquando do velório de Salazar, Adriano Moreira terá visto uma mosca pousar na boca do finado. E pensou: foi um homem que governou um império com mão de ferro, decidiu da vida de milhões de pessoas, imprimiu uma marca fortíssima na sociedade do seu tempo. E mesmo assim, na altura da morte, uma mosca pousa-lhe na boca, como pousaria a outra pessoa qualquer.

Sábado, ainda em Toronto, recebemos um telefonema: morreu fulano. Este fulano (83 anos) era capitão de mar e guerra na reserva; tinha tido um papel importante na fundação dos fuzileiros, fora preso e maltratado aquando da invasão da Índia, combatera a guerra colonial em África. Apesar de uma vida de risco morreu na EN 125,  atropelado por um idoso que afirma ter ficado encadeado pelo sol. Atravessara a estrada para ir comprar laranjas.

Qual a relação entre os dois parágrafos anteriores? Não sei bem, ao certo. Uma certa ironia, ou talvez o lugar-comum que podemos alcandorar a um pensamento mais elevado, de achar que por alturas da morte somos todos iguais, independentemente do que fizemos (segundo critérios mais humanos). Talvez seja uma forma de nos apresentarmos por igual a Deus, despidos do discernimento terreno com que diferenciamos heróis, ditadores, gente de vidas arriscadas ou de existências pacatas, administradores de multinacionais ou caixas do feira nova. Quando nos entregamos ao Criador vamos numa espécie de nudez total, com uma mosca a zumbir-nos na boca seca ou encostados a uma valeta com um saco de laranjas desmanchadas, com uns sapatos novos ou um vestido esgarçado, com um terço enroscado nos dedos ou na pobreza de um caixão barato.

Talvez a  mosca e o atropelamento sejam metáforas para este despojamento com que chegamos ao Céu. Somos todos matéria inerte infinitamente igual, sem um passado que possamos arvorar por vaidade ou defesa. É então que Deus, esquecido das medalhas, das honras de Estado, das capelas mortuárias vazias, dos funerais desertos de gente chorosa, dá início a uma espécie de juízo final que se repete a todo o momento. E acolhe todos, porque não é senão Amor.

JdB   

30 outubro 2014

Da serenidade e de outros coisas diversas para o dia de hoje

Toronto, Outubro de 2014

Um destes dias, uma esplanada da zona, um fim de tarde ameno e uma companhia aprazível. Ao meu lado, em mesa demasiado próxima, duas pessoas conversam sem preocupações de sigilo ou pudor. É impossível não escutar o que dizem, o que respondem. Talvez mesmo o que pensam, se bem que não tenha a certeza. 

Fulano (ou seria fulana?) diz para beltrano (entre parênteses igual ao prévio): sabes, juntamente  com este e aquele (ou esta e aquela) és a pessoa que conheço que vive com maior serenidade. Nada parece afectar-te muito. Beltrano percebe-se que sorri, encolhe ligeiramente os ombros e balbucia o que parecem ser modéstias e fórmulas não testadas cientificamente. Mas o tema está lançado: a serenidade.   

Agarremos cinco palavras que no fundo são quatro: serenidade, desgostos, inquietação, vidas fagueiras. Busquemos os livros de matemática e falemos de cálculo combinatório: arranjos, permutações e combinações. Encontramos tudo, quase como se tendesse para infinito: gente com desgostos e inquieta, gente com desgostos e serena, gente fagueira assim e assado. O que distingue uns dos outros? Agarremos nas vidas difíceis: o que está por trás dos que serenam e o que está por trás dos que se inquietam? É o trabalho feito interiormente - a fé, a confiança, a escuta própria e dos outros - ou a ausência disto ou de coisas semelhantes? Podemos falar, como dizia o interlocutor da mesa do lado, de uma química interior? Quem não consegue e se queda numa inquietação permanente tem falta de jeito, de vontade - ou falta-lhe uma química interior, uma enzima, um metal, um ião positivo?

Falar no trabalho interior (e encurto propositadamente) é condecorar o agente, apondo por baixo da medalha: por ter-se excedido no cumprimento do dever. Um excedeu-se, e serenou, o outro não o conseguiu e vive em sobressalto. E se é uma enzima (encurto e etc.)? Se é um gás raro que habita uns e não outros? Juntamos uma injustiça à injustiça da vida? O que distingue, na realidade, uns e outros? Há pessoas virtualmente incapazes - sem recurso a medicamentos - de atingirem a serenidade? É o feitio?

Ainda quis ouvir a conclusão da mesa ao lado mas já não consegui, que a conversa mudou para o sporting, talvez. Ou seria a escola dos miúdos?

*** 
Ontem, por motivos que se prendem com o dia de hoje, surgiu a expressão nostalgia em aniversariar.  Se acreditarmos que, como dizia Vitor Hugo, nostalgia é a felicidade de estar triste, vou ter de pensar se a frase acima é verdade. 

No final de Agosto de 2008, depois de uma noite memorável no Pointe (Harare, Zimbabwe) para uma sessão de Karaoke, escrevi: a alegria pode ser um túnel todo iluminado. É injusto que se veja ao longe um brilho que se extinguiu, como se algo nos dissesse que todo o gozo tem uma sombra de nostalgia. Talvez haja aqui um pouco de resposta, sei lá eu...

Hoje escrevo para quem sabe que eu sei que sabe que eu sei. É o mínimo que posso fazer, considerando tudo o que lhe devo. É dia 30 de Outubro, e 1958 foi uma colheita muito boa.

JdB

29 outubro 2014

Da conservação da energia

not P/B, fotografia de JMAC, o homem de Azeitão

Quando uma quantidade de energia de qualquer natureza desaparece numa transformação, então produz-se uma quantidade igual em grandeza de uma energia de outra natureza (Julius Robert Mayer, em 1842).
A energia total (mecânica e não mecânica) de um sistema isolado, um sistema que não troca matéria e/ou energia com o exterior, mantém-se constante (Max Planck, em 1887). 
*** 
É proverbial a resposta de Churchill à pergunta sobre a sua longevidade: não fazer sentado o que pode fazer-se deitado; não fazer em pé o que pode fazer-se sentado. 
A história conta-se com o objectivo de por o interlocutor a rir. Isto é, no pensamento do estadista inglês há forçosamente uma nota de graça, uma curiosidade divertida saída da boca de um homem pródigo nestas respostas fulgurantes. De outra forma não poderia ser, pois a ideia de uma certa conservação da energia é pouco consentânea com a espiral de agitação e movimento que caracteriza os tempos modernos. E no entanto a história tem muito mais do que uma nota de humor. 
Dos meus tempos de profissional das coisas multinacionais aprendi o conceito de eficiência vs eficácia (e não garanto acertar na distinção): to do the things right, versus to do the right things. Ser-se eficaz é, portanto, fazer as coisas certas, não fazer bem as coisas. Ora, como se confunde este distinção com uma certa noção de preguiça? Fazer o menos possível é sempre sinal de indolência? E fazer muito é sempre sinal de produtividade? Obviamente que a pergunta é extremada, mas o estabelecimento é albergue de raciocínios aos quais não se exige profundidade. 
Levo o tema para uma dimensão bíblica, e dou a voz ao evangelista S. João (11, 1-3): 

Continuando o seu caminho, Jesus entrou numa aldeia. E uma mulher, de nome Marta, recebeu-o em sua casa. Tinha ela uma irmã, chamada Maria, a qual, sentada aos pés do Senhor, escutava a sua palavra. Marta, porém, andava atarefada com muitos serviços; e, aproximando-se, disse: «Senhor, não te preocupa que a minha irmã me deixe sozinha a servir? Diz-lhe, pois, que me venha ajudar.» 
O Senhor respondeu-lhe: «Marta, Marta, andas inquieta e perturbada com muitas coisas; mas uma só é necessária. Maria escolheu a melhor parte, que não lhe será tirada.» 
Há nesta passagem bíblica um certo elogio da conservação da energia, se me é permitida a ousadia. Marta talvez fosse eficiente; Maria talvez fosse eficaz. Há uma espécie de elogio da inactividade em detrimento da acção que não é de deitar fora. 
Hoje fiz a minha ronda de blogues habitual. E porque o mundo por vezes se aproxima da perfeição, encontrei este texto num blogue que frequento com muita regularidade. A coincidência não poderia ser maior: 
Talvez uma das mais fundas e inexplicáveis ilusões da espécie humana resida na distinção, ou mesmo oposição, entre o repouso e o movimento. Esta distinção está na base, por exemplo, da diferenciação entre a acção e a contemplação, entre Marta e Maria. Aquilo que o viandante aprende na viagem, porém, diz-lhe outra coisa, diz-lhe que se deve mover como se estivesse em repouso e repousar como se movesse. Diz-lhe que deve agir contemplando e contemplar como a forma mais elevada de acção. Diz-lhe que Marta e Maria não são duas irmãs, mas apenas uma e a mesma pessoa que acolhe, de múltiplas maneiras, o Cristo em sua casa. 
A fronteira entre a preguiça e a eficácia (na sua dimensão mais alargada) pode ser um fio de cabelo. Sei bem do que falo, porque tenho as duas dentro de mim...

JdB

28 outubro 2014

Do Natal de cada um de nós (c)

Lake Ontario, Toronto, Outubro de 2014

Houve expressões na minha vida cuja compreensão tardou: mercado da saudade, palete, canal horeca, para relembrar as que mencionei recentemente neste estabelecimento. Poderia também referir dureza de Brinell ou working capital, termos que aprendi quando me fiz estudante de engenharia ou funcionário de uma multinacional. Por analogia de raciocínio, foi preciso crescer e ver (que é diferente de ganhar buço e olhar) para perceber sensações que eu não sabia que existiam, porque o meu mundo era um recinto muito exíguo.

O tema em apreço já estava na minha mente, mas foi despoletado por uma visita ao Eaton Centre de Toronto, o maior centro comercial da cidade canadiana. Na cave, metros e metros de artigos natalícios: fitas, velas, bolas coloridas, luzes, etc. Estamos em Outubro, e o meu nacional-criticismo caiu pela base: afinal, não é só em Portugal que o comércio da época começa por alturas da mudança da hora. E foi então que me lembrei disto.

Durante muito tempo não percebi a tristeza das pessoas por alturas do Natal. Demorei décadas até o realizar (palete veio mais cedo, working capital também) porque o meu mundo era pouco maior do que um berlinde de gente pobre, sem verba para abafadores. Um dia percebi porque é que nos presentes e na luz e nos risos e nos jantares havia noites escuras, feitas de verbos conjugados nas ausências dolorosas. Percebi, mas pouco fiz com o entendimento, porque o coração e a mente nem sempre entregam a ordem de marcha à boca que fala e à mão que se estende ao próximo. 

Contudo, demorou mais tempo ainda a decifrar o mistério das luzes de Natal. Desenganem-se os que acham que o renque de lâmpadas coloridas é um adorno de centro de cidade. A iluminação natalícia é um artefacto humano para alumiar o Natal de cada um de nós, porque o Natal de cada um de nós é diferente do Natal de cada um dos outros. Cada ser humano goza as festas à sua maneira - o impacto díspar do ruído da multidão ou dos sossegos silenciosos, da decisão do jantar ou do bacalhau ou da hora dos presentes. As luzes de Natal são diferentes, porque cada caminho é um caminho, feito de paralelismo, de concorrência, de similitude absoluta. Cada rua é um percurso, nenhuma rua é igual à outra. Sou dono de uma iluminação, como a senhora do correio do Estoril é dona de outra.

Serei metafórico. É importante afirmá-lo para que não haja exclusões (do tipo ah pois, os crentes...) num texto críptico e extemporâneo. Cada um de nós tem a sua iluminação de Natal, mas, no fundo, a única luz que persiste é a do Menino Jesus que, deitado numa mão-cheia de palhas, ilumina tudo. E é essa luz conjunta que nos salva, apesar de todas as pequenas lâmpadas individuais com que chamamos os outros ou encadeamos os outros. Essa luz é a luz do Amor. E nada mais nos alumia.

JdB     

27 outubro 2014

Duas Últimas

O tempo é de ressaca. Chegámos ontem pelas 8 da manhã de Toronto, após uma viagem de sete horas. Significa isto, em bom rigor, que nos deitámos pelas duas da manhã hora de Toronto e acordámos pelas seis da manhã, hora de Portugal . Sono desconfortável, curto, com cinco horas de fuso horário pelo meio. Tenho pouca inspiração, confesso.

***

Em Toronto fomos a um bar com duas sessões de jazz. Pelas 18.30h e pelas 21.30h. Escolhemos a primeira. Um pub tipicamente inglês. À hora aprazada, três músicos - uma guitarra, um contrabaixo e um piano / saxofone / clarinete. Boa música, agradável. O que provoca alguma estranheza? O facto de, durante a execução de cada uma das músicas (que termina com palmas) ninguém se calar nem sequer reduzir o nível de ruído. Ou seja, gostam da música mas esta não interfere com o que cada um está a fazer.

Dois dias depois fomos a outro pub com música, desta vez três artistas a tocarem e a cantarem música irlandesa. Igualmente bom e agradável. Mais uma vez, a indiferença das conversas das pessoas perante o artista que toca. De tal forma foi que tivemos de mudar de lugar, tal era a berraria de um jovem canadiano...

Deixo-vos com dois temas de jazz, tocados no primeiro pub: slow boat to china e indian summmer. Have fun.

JdB





26 outubro 2014

XXX Domingo do Tempo Comum

Evangelho de Nosso Senhor Jesus Cristo segundo São Mateus (Mt 22, 34-40)

Naquele tempo, os fariseus, ouvindo dizer que Jesus tinha feito calar os saduceus, reuniram-se em grupo, e um doutor da Lei perguntou a Jesus, para O experimentar: «Mestre, qual é o maior mandamento da Lei?». Jesus respondeu: «‘Amarás o Senhor teu Deus com todo o teu coração, com toda a tua alma e com todo o teu espírito’. Este é o maior e o primeiro mandamento. O segundo, porém, é semelhante a este: ‘Amarás o teu próximo como a ti mesmo’. Nestes dois mandamentos se resumem toda a Lei e os Profetas.

Palavra da Salvação

***

A simplicidade da mensagem cristã

“Mestre qual é o maior mandamento da Lei?”Jesus corria o risco de ficar mal visto, qualquer que fosse a resposta que desse.  O mais difícil do mundo talvez seja ser simples. Em Jesus é tudo tão simples, porque tudo é tão divino, absolutamente divino –, responde com duas citações do Antigo Testamento. A primeira é esta: “Amarás o Senhor teu Deus com o todo o teu coração, com toda a tua alma e com todo o teu espírito”. Há aqui um apelo à totalidade do amor! Coração, alma, espírito…o que Jesus quer dizer é que o amor a Deus tem de ser um amor absoluto. A relação com Deus não pode ser assumida como algo ocasional, como um compromisso que é possível adiar ou anular.
“O segundo, porém, é semelhante a este: amarás o teu próximo como a ti mesmo”. Jesus diz que este segundo mandamento é semelhante ao primeiro mandamento do Amor a Deus. Porque, obviamente, atrás de cada criatura, atrás de cada pessoa está Deus, seu criador permanente; por isso, não pode haver amor ao criador sem haver amor às criaturas. A nossa religião, como cristãos, há de ser esta relação de amor total a Deus, que passa necessariamente pela relação com outros que são as criaturas e onde Deus nos espera também.


D. Manuel Clemente (2013), O Evangelho e a vida. Conversas na rádio no Dia do Senhor. Cascais: Lucerna, 282-283.

25 outubro 2014

Pensamentos Impensados

E eu ralado
O pão ralado é uma espécie de pão de pó.
 
Belezas
A ex-deputada Odete Santos era sinistra (do latim, esquerda).
 
Massadas
Oiço falar em "cultura de massas": não sei o que é. Será alguma plantação de spaghetti?
 
Bancadas/Pancadas
Fui sempre aos aumentos de capital do BCP; não sei o capital do Banco aumentou, sei que o meu diminuiu consideravelmente.
 
Acordos
O casamento é uma prisão afectiva ou prisão efectiva?
 
Orfandades
Quem não tem mãe não tem nada. Frase atribuída a Adão.
 
Práticas médicas
Os gigantes podem dar baixa?
Os anões podem ter alta?

SdB (I)
 

24 outubro 2014

Da rota da saudade

No voo da saudade

Foram precisos muitos anos para saber o que era uma palete; foram precisos ainda mais anos para descobrir o encanto por trás da expressão canal HoReCa; por último, foram preciso mais anos ainda e a rotação de gestores para travar conhecimento com a ideia cervejeira de mercado da saudade

Embarquei sábado passado em Lisboa com destino a Toronto, Canadá. A bordo, 95%, talvez, de emigrantes. Não vi jovens com idade para terem saído na véspera da faculdade; não vi gente nos seus 50 anos, aparentando negócios ou empregos em multinacionais. Vi, isso sim, gente de muita idade, acima dos 70 anos, seguramente. Mulheres de lenço, como se veria na província idosa de agora ou na cidade de há 40 anos. Vi gente com ar humilde, que engrossou a vaga de emigração dos anos 60 ou 70. 

Com uma coxia a separar-nos, uma senhora dos seus 65 anos precisou da ajuda da assistente de bordo para preencher o impresso da emigração. Não era uma problema de língua, porque a forma como assinou o documento transparecia um quase analfabetismo. O resto dos passageiros aparentava uma escolaridade, se não igual, ligeiramente superior.

Ver estes emigrantes - e um padre açoriano de que sou amigo frisou esse aspecto - é tirar o chapéu a uma gente que partiu com uma mão à frente e outra atrás, sem dominar a língua, a fazer, sabe-se lá, o baptismo de voo numa fuga da miséria para uma aterragem no desconhecido. Gente que mal dominava a língua pátria, mas que tinha dois braços e um destemor suficiente para acarretar baldes de cimento ou montar andaimes numa terra que os soube receber. Não digo nada de novo, mas o estabelecimento é meu, e por agora já chega de cancro infantil.

Estou certo que o voo da SATA que faz Lisboa - Toronto podia chamar-se a rota da saudade. É bonito e não ofende ninguém.

JdB

23 outubro 2014

Do cancro infantil


Não tenho palavras para te agradecer o nosso pequeno infinito. Não o trocaria por nada deste mundo. Deste-me a eternidade na finitude dos dias, e estou-te grato por isso.
Apanhei esta frase (que traduzo livremente) no fim de uma apresentação ouvida ontem sobre cancro infantil na Índia. Estou em Toronto, para o encontro anual de associações de pais de crianças com cancro que acompanha o congresso, também anual, do SIOP – Sociedade Internacional de Oncologia Pediátrica. A frase tocou-me, por motivos óbvios.
O dia começou com trabalhos de grupo. Veio-me imediatamente à memória a frase do João da Ega [SdB (I), agradeço confirmação] n’Os Maias: Jesus, como eu odeio bric-a-brac. Também eu, afastado já de actividades profissionais corporativas, odeio os trabalhos de grupo. Éramos nove à volta de uma mesa: da Suíça, da Islândia, de Israel, de Espanha, do Canadá. Destes nove, oito eram Pais. Destes oito, sete tinham perdido os filhos. A única mãe que não estava em luto confronta-se com uma filha que, após dez anos de aparente recuperação, vê a morte tocar-lhe de novo à porta, não se sabendo se entra ou não. Foi um acaso, porque as mesas se compuseram erraticamente. Mas talvez haja neste acaso um alinhamento que só eu vejo e sinto. Outros verão uma oportunidade de calcular possibilidades.
Uma vez por ano – a nível internacional, óbvio – oiço estes temas: a gestão da dor, os cuidados paliativos, os pais que perdem o filho único, os dramas dos países em desenvolvimento, a inexistência de standards que protejam os aspectos psicossociais das crianças que são atacadas pelo cancro, o estado da arte na investigação, o dinamismo dos que sobreviveram.
Só cada um de nós e o deus em que podem acreditar saberão da motivação que nos leva a falar disto, a ouvir disto. Para uns será o sentido que dão às coisas, para outros será a sobrevivência do espírito, para outros ainda será uma mão que agarra desesperadamente uma pequena camisola que já cá não está. Mas voltam muitos, encontro após encontro, depois de um ano de entrega a uma causa, a uma saudade – tantas vezes a uma angústia. Outros deixam de vir, outros aparecem pela primeira vez.
Não escrevo com um sentido de auto-mortificação. As minhas memórias, no que a este tema dizem respeito, estão em paz. Escrever sobre isto não é, portanto, uma vergastada aplicada nas próprias costas. Escrever sobre isto é uma espécie de desafio materializado em perguntas constantes: o que falta fazer por esta causa? Onde posso actuar mais, com mais dedicação, mais competência, mais eficácia?  Como posso ajudar mais? A resposta é sempre afectada pela certeza do pouco que dou face ao mais que poderia dar.
Deste-me a eternidade na finitude dos dias...

JdB

PS: a primeira emoção do dia, aquela que embacia os olhos? No fim de uma exposição sentida sobre a tragédia do cancro infantil na Etiópia, uma fotografia: uma criança de joelhos, as mãos e o rosto debruçados sobre uma bíblia e sobre uma cruz etíope, semelhante àquelas que colecciono e que vão enfeitando uma parede lá de casa. Sortilégios...

22 outubro 2014

Diário de uma astróloga – [89] – 22 de Outubro de 2014

Vergonha  - um sentimento poderoso

Amanhã o Sol entra no signo de Escorpião; horas depois Vénus também entra em Escorpião, e minutos depois a Lua completa o trio. Antes de o dia acabar, temos a Lua Nova em Escorpião que coincide com um dos dois eclipses solares anuais.

Num só dia a energia civilizada, bem comportada, mentalmente clara de Balança mergulha no mundo emocional profundamente de Escorpião. Sexo, poder, morte e renascimento, processos de cura e tudo o que está escondido - das conspirações mundanas aos recônditos da nossa psique – estão na ordem do dia. Dentro desta última categoria encaixa perfeitamente uma emoção que sobre a qual tenho reflectido a vergonha.

O que alguns psicólogos têm a dizer sobre a vergonha:
·    os sentimentos de vergonha são um ataque à auto-estima e uma ameaça à integridade psíquica. Independentemente do que provoca a vergonha, a deterioração da auto-estima pode ser devastadora.
·   é emoção auto consciente, acompanhada por sentimentos de desonra, de ser indigno e não merecer ser amado sobre a origem da qual os outros podem ou não estar cientes;
·   as personalidades narcisistas têm muitas vezes a emoção de vergonha no seu núcleo. Ocultada ou exibida em excesso, a vergonha assinala uma ferida narcísica profunda.
· a vergonha é um sentimento que se vive  perante e em relação aos outros e seus julgamentos. É composta por uma reacção de humilhação.

O que a astróloga tem a dizer sobre a vergonha:
No mundo simbólico e arquetípico os planetas podem representar acções, comportamentos, pessoas ou personagens, locais, coisas, acontecimentos e também estados emocionais.  A cada planeta corresponde um conjunto destas manifestações coerente com a essência do significado desse planeta.

Com a ajuda das palavras assinaladas a negrito posso a situar a vergonha dentro do mundo das emoções relativas ao Sol.

No modelo de astrologia psicológica do meu professor Glenn Perry, o Sol é o agente encarregado de suprir as necessidades de signo de Leão, que incluem, entre outras, a validação da identidade, auto-estima, aprovação por parte do próximo, uma imagem positiva de si próprio. No céu, o astro rei brilha. Num tema astral, um Sol funcionante também quer brilhar, gosta que lhe prestem homenagem, que o reconheçam a suas qualidades, demonstra confiança, orgulho, irradia calor, comporta-se honradamente. 


Quando o Sol, isto é, o centro da personalidade, o diálogo com ego, não está a funcionar bem, aparece o egocentrismo que pode ir até ao narcisismo extremo, a vaidade e a presunção. É a rã da fábula de La Fontaine que incha para parecer maior do que o boi, é o homem vaidoso do astróide B-362 de “O Pequeno Príncipe” que só quer ser admirado.


Do outro lado do continuum de emoções solares/leoninas  e, possivelmente como causa do narcisismo, estão os sentimentos de falta de confiança, do falso orgulho e da vergonha.   É da desvalorização da identidade que nasce a vergonha tão nociva à expressão positiva do Sol, à felicidade, à alegria, à criatividade.

Nem toda a vergonha é negativa e estéril. A vergonha que não altera a identidade e funciona como mecanismo de inibição para comportamentos prejudiciais é positiva. Por exemplo, os esquimós usam a vergonha para ensinar os perigos do gelo às crianças. Lembrei-me deste exemplo porque ontem vi um filme sobre o Árctico.

A vergonha é por vezes confundida com sentimentos de culpa. O mesmo acontecimento pode dar origem a sentimentos de vergonha e culpa, mas a culpa refere-se a uma acção nossa que prejudicou terceiros. Desculpas, arrependimento, reparação do dano, expiação encarregam-se de minimizar a culpa. A vergonha move-se insidiosamente dentro de nós, tem origem na auto imagem e nos julgamentos que fazemos sobre nós próprios.

O signo em que se encontra o Sol dá indicações sobre o objecto da vergonha. Como Gémeos quer informação, a sua vergonha prende-se com a ignorância. No caso de Virgem, que ser útil e resolver problemas, a vergonha máxima prende-se com a incompetência. O Capricórnio quer sucesso, assumir uma posição de comando, tem medo de perder a autoridade e vergonha de falhar.


A vergonha é um sentimento muito mais escondido, muito mais enraizado do que a culpa e, consequentemente muito mais difícil de limpar.



Escorpião e o seu planeta regente Plutão são também as purgas do zodíaco. Com Saturno em Escorpião desde Outubro de 2012, em conversa animada (recepção mútua em linguagem astrológica) com Plutão e agora com esta dose reforçada – Sol, Vénus e Lua - meus amigos, aproveitam a Lua Nova e o eclipse para purgar do vosso sistema todos os sentimentos nocivos - vergonha inclusive.

Luiza Azancot

21 outubro 2014

Duas Últimas

Regressei recentemente de mais uma viagem ao nordeste brasileiro, onde fui em nova tentativa de fechar um acordo de princípio com duas empresas brasileiras com actividades idênticas às daquelas onde trabalho, tendo em vista a criação de uma nova sociedade a três no Brasil, para desenvolvimento dessas actividades e de outras que as complementem. Tarefa que se vem revelando difícil e às vezes quase penosa, quer pelas características e cultura muito próprias do “povo irmão”, quer por certo por alguma inabilidade da nossa parte em fixar um ponto de encontro e de acordo entre os vários interesses envolvidos.

Extra agenda, desta vez o assunto que dominava as atenções locais era o do “2º turno” da eleição presidencial, opondo Dilma ao mineiro Aécio, tendo este, entre atributos vários, a aura de afamado encantador de beldades bem conhecidas, para ciúme declarado de muito bicho careta. Acho que ele vai ganhar, partindo muito detrás, transportando para a política a dinâmica de vitória de outras vidas…

Não podia assim deixar de trazer música brasileira. Escolhi duas cantoras também mineiras, duas belas vozes femininas, em duetos de que gostei, relevando embora que Seu Jorge foi aqui postado há pouco tempo pelo dono do estabelecimento.

Espero que também apreciem a escolha e que, já agora, quando de novo postar musica brasileira, isso seja para pontuar que o negócio no Brasil avança finalmente….


fq



20 outubro 2014

Vai um gin do Peter’s?

Dando continuidade ao gin de 15 de Setembro, sobre casas e quintas por todo o país, que são testemunhos eloquentes de um património arquitectónico muito interessante, mas bastante ignorado, aqui vão mais 4 exemplos de grandes edifícios a aguardar obras de restauro urgentes: 

CONVENTO DE S.FRANCISCO DO MONTE – Viana do Castelo


Este monumento fica situado na freguesia de Santa Maria Maior, Viana do Castelo. Data dos finais do séc. XIV, sendo um dos três primeiros conventos da Ordem dos Frades Menores a ter sido erguido em Portugal.

Infelizmente, encontra-se em estado de degradação avançada, embora mantendo o ambiente recatado e místico de outras eras.

CASA DO RELÓGIO – Porto
Fotografia de: http://ruinarte.blogspot.pt/    


Também conhecida por casa Manuelina, pela profusão de elementos náuticos num neo-gótico tardio e heterogéneo, tem uma localização privilegiada no Porto, junto à foz do rio Douro.
Mandada construir pelo republicano Arthur Jorge Guimarães e sua esposa, tem estado abandonada, precisando de uma intervenção muito exigente e de fundo.

CONVENTO DE SANTA CLARA-A-VELHA – Vila do Conde


Fundado por D.Afonso Sanches, o Mosteiro de Santa Clara está localizado no centro histórico da cidade Vila do Conde. Não sendo fácil recuperá-lo, tem estado votado ao abandono.

Pelas suas características e dimensão, equacionou-se convertê-lo em pousada. E, até há pouco tempo, aguardava luz verde para a implementação de um projecto camarário de recuperação do edifício.


CONVENTO DE S.BERNARDO DE TABOSA – Sernancelhe


Fotografia em expressodalinha.blogspot.pt

Este espantoso exemplar da Ordem de Cister está localizado numa zona montanhosa e isolada, como era comum aos grupos de religiosos que procuravam o silêncio. Assim serviam as populações das redondezas, pela sua presença protectora (normalmente, com capacidade de intervenção militar) e enquanto foco cultural e de desenvolvimento económico das regiões. Curiosamente, era frequente a escolha inicial de ermos evoluir depois para a constituição de povoados e, mais tarde, de cidades, à medida que as comunidades se vinham abrigar nos contrafortes destes polos de segurança.  

Hoje, o vasto conjunto encontra-se em estado muito debilitado, apenas conservando a Igreja, a sacristia, o claustro e o mirante.

* * *

Apesar de todos estes edifícios reclamarem obras de restauro hercúleas, são também a prova viva de algum empreendedorismo e de uma diversidade patrimonial bem mais rica do que é comum admitir-se. De facto, há ainda tanto por descobrir, em Portugal, que bem merece ser revisitado. 


Maria Zarco

(a preparar o próximo gin tónico, para daqui a 2 semanas)

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