29 setembro 2016

Pensamento Impensado

Custódias
Angelina Jolie e Brad Pitt disputam a custódia dos filhos. Há uma esperança que não disputem a custódia de Belém.

SdB (I)

Textos dos dias que correm

Os vícios mais difíceis de extirpar

Desde o seu primeiro discurso de fim de ano dirigido à Cúria Romana, o papa Francisco não perdeu ocasião para estigmatizar um vício recorrente em cada cúria, mas também em cada comunidade, sobretudo monástica ou religiosa: o falatório e a murmuração. E as suas palavras - em discursos oficiais como em intervenções de improviso - não temem expressões fustigantes: pediu a prática da «objeção de consciência? Perante palavras vãs que podem matar, condenou o «terrorismo do falatório», advertiu para as «murmurações e invejas» também e sobretudo quem tem um ministério na Igreja e quem vive a vida religiosa, evidenciando o «poder destrutivo» da língua usada como arma contra os irmãos e as irmãs.

Mas o que são as murmurações e o falatório? Murmuração é palavra, discurso hostil que exprime reprovação, mau humor, mas que não é dita em alta voz e a quem deveria ser dita como eventual correção fraterna, assim como é sussurrada às escondidas, dissimulada, mais parecida a um tumor indistinto do que a uma palavra humana.

Não nos esqueçamos que a murmuração é um vício detestável, várias vezes descrito na Bíblia. Este comportamento aparece nos livros em que se atesta a saída do Egito do povo de Israel. No caminho do deserto, junto a Mara, quando a água foi dada como amarga, então «o povo murmurou contra Moisés» (Êxodo 15, 24). Logo depois, eis outra murmuração no deserto de Sin, contra Moisés e Aarão, os dois guias do êxodo: «Quem dera que tivéssemos morrido pela mão do Senhor na terra do Egipto, quando estávamos descansados junto da panela de carne, quando comíamos com fartura! Mas vós fizestes-nos sair para este deserto para fazer morrer de fome toda esta assembleia!» (Êxodo 16, 3). E é o próprio Moisés a definir estas palavras como murmurações (cf. Êxodo 17, 3). Também Maria e Aarão, irmã e irmão de Moisés, murmuraram contra ele («falavam contra Moisés», Números 12, 1) e receberam de Deus o castigo da lepra (cf. Números 12, 9-10).

Murmurações que são contestações ao guia, à autoridade, mas não dirigidas diretamente ao destinatário, antes movidas às escondidas, quando é possível fazer juízos, aumentar factos ocorridos, manipulá-los, não existindo o sacrossanto direito de explicar, defender-se ou aceitar humildemente a crítica. Os salmos históricos recordarão estas murmurações e a sua sanção, renovando sempre o convite a não participar nelas. Só um exemplo, que mostra, entre outros factos, como a murmuração está ligada à falta de fé (cf. também Êxodo 16, 8): «Não creem na palavra do Senhor, nas suas tendas continuam a murmurar, não escutam a sua voz» (Salmos, 106, 24-25). Também sensibiliza, por fim, que o humilde e pobre resto de Israel seja apresentado com um excerto que diz precisamente respeito ao uso da palavra: «Nem proferirá mentiras; não se achará mais na sua boca uma língua enganadora» (Sofonias 3, 13).

No Novo Testamento, além das murmurações dirigidas contra Jesus por parte dos seus adversários (cf. Lucas 5, 30; João 6, 41.43.61) ou pelas multidões (cf. João 7, 12.32), é impressionante notar com quanta insistência os escritos apostólicos advertem contra este terrível vício: «Não murmureis, como murmuraram alguns deles [os filhos de Israel no deserto] e caíram vítimas do exterminador» (1 Coríntios 10, 10); «fazei tudo sem murmurar» (Filipenses 2, 14); «praticai a hospitalidade uns com os outros, sem murmurar» (1 Pedro 4, 9).

As murmurações parecem por isso o vício mais recorrente das comunidades: porquê? Porque são o modo mais fácil de descarregar a violência contra a autoridade e as suas decisões ou contra outros em comunidade, quando não se tem a coragem do cara a cara, do dirigir a palavra claramente a quem julgamos necessitado de correção e de crítica, ou de tomar a palavra nos contextos comunitários. E se não se tem a coragem do cara a cara, porque não exprimir a crítica a um dos membros do conselho, instituído também para isso, ou a dois ou três anciãos, segundo o ensinamento evangélico (cf. Mateus 18, 15-17)? Os covardes, os medrosos, aqueles que não têm uma postura de verdade na transparência, recorrem facilmente à murmuração, sobretudo contra a autoridade, pedem para não serem julgados por essa autoridade que julgam às ocultas.

A murmuração, pois, cria cumplicidade. Quem, com efeito, tem uma dificuldade com a autoridade ou não é leal, sabendo que um outro tem a mesma dificuldade, murmura com ele: deste modo cria-se uma cumplicidade-contra, mostra-se um apoio fraterno ao outro, é-se solidário com ele, e assim o outro será, por sua vez, mais solidário ou amigo com quem apoia as suas críticas e as suas acusações. Estas são operações por vezes inconscientes, mas que são descobertas por quem se interroga sobre a própria responsabilidade, procura conhecer-se também nas suas zonas de sombra e maldade, procura ser sincero e transparente.

Sim, na murmuração julgamos o outro, contestamo-lo, aliamo-nos contra ele, alimentando-nos da inimizade que nos habita e que desejaria a negação do outro, sobretudo se este nos recorda o limite, a lei, a regra, o Evangelho. Não seria mais simples, ao preço de errar, ir ao encontro do outro e dizer-lhe num cara a cara franco o que pensamos e como julgamos, assumindo toda a responsabilidade que é requerida pelas ações e palavras próprias? Um abade dizia: «O monge que insinua malignidade divide uma multidão de monges e separa uma comunhão». E ainda: «É melhor comer carne e beber vinho do que devorar com a maledicência a carne dos irmãos!».

Para encontrar uma inspiração para as reiteradas intervenções do papa Francisco contra os perigos da língua, e em particular quanto à exigência de praticar a objeção de consciência aos falatórios, basta ler este dito do abade Isaías: «Se um irmão te obriga a ouvir calúnias contra um seu irmão, não te deixes intimidar e não acredites nelas, pecando contra Deus, mas diz antes: "Sou um pobre homem: o que me dizes diz respeito a mim e não sou capaz de carregar o seu peso"».

Sabemos todos que a murmuração é um dos grandes problemas da vida monástica, talvez o vício mais difícil de extirpar. É uma doença que leva a julgar constantemente cada ação, cada gesto, cada palavra dos outros com um olho mau: «Se o teu olho é mau, então tu estarás inteiramente na treva» (Mateus 6, 23), disse Jesus. S. Bento propõe como antídoto a humilhação que leva à humildade, e várias vezes na Regra condena a murmuração, chegando quase a suplicar: «Isto recomendamos sobretudo, abster-se de murmurar». Mas em toda a literatura monástica - em S. Pacómio, em S. Basílio, na Regra de S. Columbano e na de S. Frutuoso, até a S. Francisco - se recorda que a murmuração, entre os pecados mais graves, se persiste merece a expulsão do mosteiro, porque quem murmura divide, desfaz, mata a comunidade e o vínculo de caridade que a mantém unida.

E o falatório? O falatório é mais quotidiano e extenso, ainda que aparentemente menos grave. Não visa tanto a autoridade mas gosta de ficar nos problemas e acontecimentos que dizem respeito aos outros. No falatório inventam-se muitas coisas, talvez sem calúnia, mas as palavras têm o seu peso e habitualmente influenciam quem as escuta ou inspiram-no a pensar de determinada maneira. No falatório, além disso, interpretam-se subjetivamente os factos ou as palavras, mas pretende-se ser objetivo e sobretudo distorcem-se muitas mensagens, muitos significados, ou não dizendo tudo, ou exagerando, metendo em evidência algumas palavras escutadas em comparação com outras. Sim, falatório como coscuvilhice, com leviandade e estupidez de quem não sabe o que diz, como língua intravável, incapacidade de calar carregando o peso de uma solidão que é constitutiva para cada ser humano. Escreve Tiago na sua carta: «Quem sabe travar a língua é um justo, um maduro» (3, 2), porque «a língua é um fogo, um mundo de mal» (3, 6).

Nas cúrias como nas comunidades há sempre quem, mal encontra alguém, fala dos outros e fala mal. Não têm muita coisa a dizer de si porque têm um "eu mínimo" e vivem num mundo pequeno e restrito, porque permanecem ociosos e assim preenchem com o falatório o seu tempo, porque não querem olhar para dentro de si e contemplar a própria opacidade. Tornam-se especialistas em reconhecê-la nos outros e falam sempre dela, em todas as ocasiões. Mas os faladores e os murmuradores são fáceis de discernir, basta alguns anos e revelam-se por aquilo que são: irmãos e irmãs em quem não se pode confiar, que, sobretudo se corrigidos, têm sempre razões para se defender e para não assumir a responsabilidade das palavras que dizem. Justificam-se com «o seu mal-estar», com o «ouvi dizer», com «o seu sofrimento», endossando sempre a responsabilidade para os outros, sem nunca se interrogarem sobre as próprias responsabilidades.

Não surpreende então que o papa Francisco, precisamente no discurso de encerramento do Ano da Vida Consagrada, tenha querido voltar com força à metáfora do «terrorismo do falatório»: «Quem faz mexericos é um terrorista. É um terrorista dentro da própria comunidade, pois lança como se fosse uma bomba a palavra contra este, aquele, e depois segue tranquilo. Destrói! Quem age assim, destrói, como uma bomba, e depois afasta-se». Cabe a cada um de nós desarmar estes engenhos mortíferos.



Enzo Bianchi 
In "L'Osservatore Romano", 24.9.2016 
Trad.: Rui Jorge Martins 

28 setembro 2016

Do dito envelhecimento

Numa mesa de amigos fala-se de velhice. Melhor, fala-se de ageing, uma expressão inglesa que não corresponde bem ao nosso envelhecer, mas ao ter mais idade. Alguém afirma peremptoriamente: não vejo qualquer vantagem no 'ageing'

Penso no tema. O meu primeiro impulso é dizer que, de facto, não vejo as coisas assim, pois encontro inúmeras vantagens no ter mais idade. Penso melhor. Associo a juventude a resistência física, a frescura mental, a saúde, a vigor, a ausência de responsabilidades (ou a um menor peso de), a menor preocupação com o presente ou com o futuro, a menos desgostos e a ausência de enervamentos com um desempenho nos aspectos mais íntimos da vida  (no caso dos homens, essencialmente). Perder isto tudo ou parte disto tudo ou outras coisas que não referi afigura-se, de facto, com um motivo de desalento.

O que pode dar-nos o ageing? As angústias com os problema de saúde, com a calvície, com a menor resistência física ou desempenho sexual; a falta de memória, o aumento de peso uma ideia mais próxima de morte. Mas o ageing também nos dá a ponderação, o gozo do tempo ou do silêncio, a experiência de vida, a relação entre aquilo que lemos e aprendemos, o discernimento, alguma tranquilidade face àquilo que já não conseguimos fazer, o encantamento dos filhos ou dos netos. 

O que nos faz dizer que não há, no ageing, nenhuma vantagem, ou que há, no ageing, muitas vantagens? Não sei bem, mas talvez aquilo que privilegiamos mais em determinados momentos da vida. Não consigo deixar de olhar para mim. Foi o ageing que me permitiu voltar a estudar e, nalguns casos, sair tranquilo de uma sala de aula dizendo: não percebi uma palavra, porque, de facto, já tenho pouco a provar a quem quer que seja. É o ageing que me permite, não fixar o que disse Platão, Schiller, Quine, Teixeira de Pascoaes ou Santo Agostinho, mas perceber as relações entre eles, quando as há. Nesse sentido, como argumento apenas, quase poderia dizer-se que o ageing me deu mais do que a juventude. 

Estou mais próximo da morte, é facto. Não me apetece ir já, mas sei que tenho gente à minha espera - e isso não é despiciendo.

JdB

27 setembro 2016

Duas Últimas

Para desespero de alguns, regresso à música clássica - aquela que é triste (neste caso não totalmente), e que deprime os já de si corações contristados.

Queixo-me amargamente do calor, para desespero de quem me ouve e que me apoda de marreta. O facto é que há calor quase ininterrupto desde Junho. Embora o Outono já tenha chegado legalmente, o facto é que, para além de uma chuva miúda no sábado já de madrugada, o calor não nos larga. Pelas bandas de minha casa o vendaval é enervante e frio - sim, gosto de frio mas não de vento - requerendo janelas fechadas.

Tenho saudades do Outono fresco, com dias curtos, talvez mesmo alguma humidade e nevoeiro e não, não sou um homem deprimido. Como me relembrava uma amiga neste fim de semana, o Outono convida ao recolhimento. De facto, esta estação suscita um movimento para dentro, enquanto que o Verão e Primavera são o oposto. Talvez me faça falta isso, e tudo o que lhe vem agarrado: o silêncio, os dias mais tranquilos, o retomar de algumas rotinas, o encanto da lareira.

Deixo-vos com uma parte de um  quarteto de cordas de Borodin acompanhado por fotografias outonais.

JdB 


26 setembro 2016

Dos sinais ortográficos

It was still possible for people to know each other fairly well without the dimmest idea of their opinions.

(Patrick Leigh Fermor, in a A Time of Gifts)

***

Como conhecemos os outros? E como demonstramos o nosso interesse pelos outros? A resposta é para mim clara, e igual para ambas as perguntas: perguntando. Este pensamento inicial leva-me a outro raciocínio: existem três sinais de pontuação com as quais podemos redigir um ensaio sobre relações sociais (incluindo as afectivas, na sua componente social) - o ponto final, o ponto de interrogação e o ponto de exclamação. Todos eles - e, talvez acima de tudo, a proporcionalidade deles - são determinantes para definir as relações entre seres humanos.

O ponto de exclamação, sinal prussiano firme e hirto como uma barra de ferro, é a arma de quem diz, de quem afirma, de quem perora de quem julga saber. O ponto de interrogação é de quem se interessa, de quem quer ou gosta de saber, de quem tem curiosidade (e não a classifiquemos de momento). O ponto final é utilizado por quem responde a uma pergunta ou a uma dúvida, independentemente da veemência com que o faz. Não se responde nunca com um ponto de exclamação, ainda que se possa responde de forma exclamativa. Responde-se sempre com um ponto final.

Um destes dias dizia-me alguém (e não reproduzo ipsis verbis, para aperfeiçoar o exemplo: faço perguntas e interesso-me; curioso que a mim ninguém faz perguntas sobre a minha vida genérica, nem sequer as pessoas a quem as fiz no momento anterior

Num texto sobre riso e sorriso, escrevi neste estabelecimento há mais de um ano: o sorriso estabelece o comércio entre os seres humanos.  Rimos sozinhos, mas sorrimos para outro -  ou com outro. Não há em bom rigor, uma diferença muito grande entre o sorriso e o ponto de interrogação, porque ambos, em sequência ou concomitantemente, estabelecem um comércio. O ponto de exclamação é o riso da comunicação escrita, ou uma metáfora para o riso da comunicação verbal.

Vivemos numa época de parca utilização do ponto de interrogação, como se ele fosse, não uma mão cheia de cominhos que deve utilizar-se com parcimónia, mas uma dose letal de veneno ou desinteresse que nos inibe o seu emprego. Nos facebooks desta vida revelamos a nossa vida: fotografias dos filhos ou dos netos, pormenores de toilettes ou de festas, restaurantes da moda ou inutilidades que transformam o ócio inútil noutro ócio aparentemente divertido. Sentamo-nos de volta de uma mesa e ao parceiro que está ao nosso lado temos dificuldade em verbalizar uma pergunta a que, só por acaso, falta um ponto de interrogação: conta-me da tua vida...

JdB

     

25 setembro 2016

XXVI Domingo do Tempo Comum

EVANGELHO – Lc 16,19-31

Evangelho de Nosso Senhor Jesus Cristo segundo São Lucas

Naquele tempo,
disse Jesus aos fariseus:
«Havia um homem rico,
que se vestia de púrpura e linho fino
e se banqueteava esplendidamente todos os dias.
Um pobre, chamado Lázaro,
jazia junto do seu portão, coberto de chagas.
Bem desejava saciar-se do que caía da mesa do rico,
mas até os cães vinham lamber-lhe as chagas.
Ora sucedeu que o pobre morreu
e foi colocado pelos Anjos ao lado de Abraão.
Morreu também o rico e foi sepultado.
Na mansão dos mortos, estando em tormentos,
levantou os olhos e viu Abraão com Lázaro a seu lado.
Então ergueu a voz e disse:
‘Pai Abraão, tem compaixão de mim.
Envia Lázaro, para que molhe em água a ponta do dedo
e me refresque a língua,
porque estou atormentado nestas chamas’.
Abraão respondeu-lhe:
‘Filho, lembra-te que recebeste os teus bens em vida
e Lázaro apenas os males.
Por isso, agora ele encontra-se aqui consolado,
enquanto tu és atormentado.
Além disso, há entre nós e vós um grande abismo,
de modo que se alguém quisesse passar daqui para junto de vós,
ou daí para junto de nós,
não poderia fazê-lo’.
O rico insistiu:
‘Então peço-te, ó pai,
que mandes Lázaro à minha casa paterna
– pois tenho cinco irmãos –
para que os previna,
a fim de que não venham também para este lugar de tormento’.
Disse-lhe Abraão:
‘Eles têm Moisés e os Profetas.
Que os oiçam’.
Mas ele insistiu:
‘Não, pai Abraão. Se algum dos mortos for ter com eles,
arrepender-se-ão’.
Abraão respondeu-lhe:
‘Se não dão ouvidos a Moisés nem aos Profetas,
mesmo que alguém ressuscite dos mortos,
não se convencerão’.

24 setembro 2016

Pensamentos Impensados

Carreirista
Ser-se carteirista é uma carreira? É, se for na carreira 28 para a Graça.

Trocas e baldrocas
O meu marido já não é o mesmo.
(frase atribuida a Elizabeth Taylor).

Meias águas
Fernão de Magalhães não completou a volta ao Mundo por não ter bilhete de ida e volta.

Rezas
Portugal precisa de indulgência, pois está em indigência plenária.

Rankings
O ministro é um membro superior; o secretário de estado é um membro inferior.

Não há almoços grátis
A Saúde custa dinheiro; a doença também.

Chefias
Adão, a exemplo do Benfica, durante algum tempo foi líder isolado.

Lembremos Pessoa
O Brasil vai adoptar (adopitar?) como 2ª língua oficial, o Português.

SdB (I)


22 setembro 2016

Textos dos dias que correm


É uma tristeza, é o que é

Ultimamente, não consigo escrever um texto bom no Blasfémias. Digo-o com toda a sinceridade. Os imbecis que nos governam, os toscos que os apoiam, o rol de idiotas chapados com formação académica que os aclamam e os média, que os tratam sem insultarem as respectivas mães – culpadas, certamente, por amamentarem estas criaturas até ao doutoramento -, geram uma tristeza tão contagiosa, açambarcadora e deprimente que suga qualquer hipótese de humor sobre toda a tragédia que é o Portugal do século XXI.

Nestas alturas, só regressando ao país real, longe do Porto, longe de Lisboa – ou a 30 km, que já é suficiente para arejar -, posso encontrar o português honrado, aquele que não aparece a comentar esta corja toda com paninhos quentes relativistas, o filtro descrito por Taleb no artigo “The Intellectual Yet Idiot”. No país real também há ladrões, também há putas, também há violadores: só não são é aceites e justificados perante a comunidade como pertencendo ao rol da gente de honra.

Para já, esses estão calados. Se continuarem a ser provocados, com ameaças ao espólio de décadas de árduo trabalho, a honra virá ao de cima. É que, se o pai da Mariana Mortágua podia disparar uns tiros a inocentes e ainda assim ser condecorado por Sampaio, estes acabarão condecorados pela comunidade real. E, para que conste, Mariana, essa motorizada é sul-coreana, sua burra, não é norte-coreana. É de uma empresa de capitalistas daqueles que empregam uma dezena de milhar de pessoas. É uma motorizada fabricada por um dos teus alvos a abater, abécula.

21 setembro 2016

Crónicas de um doutorando tardio

911535. Introdução ao Estudo Avançado da Literatura / 913581. Tópicos de Teoria Literária (12ECTS, S1, 4ªf, 15:00-18:00, João R. Figueiredo)

Camões, Sá de Miranda e Frei Luís de Sousa

O curso procurará descrever os três autores referidos no que têm de próprio. A diferença poderá ser estabelecida face à tradição literária, aos géneros cultivados, no interior da obra de um mesmo autor, na rivalidade mais ou menos latente com outros autores, etc. A prática do exercício crítico determinará o que será tido em conta em cada caso, e os participantes tornar-se-ão, gradualmente, hábeis a ponderar as virtudes desta ou daquela interpretação. (Os participantes deverão levar um exemplar de Os Lusíadas para a primeira sessão do seminário.)



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913582. Tópicos de Teoria Literária (12ECTS, S1, 2ªf, 10:00-13:00, Miguel Tamen)

Aqui e ali

Ir a sítios foi sempre reconhecido como uma dificuldade e como um tópico por  antropólogos e etnólogos.  Também tem uma função em actividades como o turismo e as viagens, sem falar no romance e na filosofia.   No seminário serão lidos por ordem não-cronológica quatro livros muito diferentes que ajudarão a refinar um vocabulário adequado à dificuldade do tópico:  South, de Ernest Shackleton (1919); Tristes Tropiques, de Claude Lévi-Strauss (1955); A Time of Gifts, de Patrick Leigh Fermor (1977); e The Enigma of Arrival, de V. S. Naipaul (1987).



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913583. Tópicos de Teoria Literária (12ECTS, S1, 3ªf, 15:00-18:00, Fotini Hadjittofi)

O problema da ficção na antiguidade clássica

Ao expulsar os poetas e artistas da sua cidade ideal, terá Platão efectivamente criado o próprio conceito da ficção, mesmo no acto de a condenar? Estaria ele consciente de que se estava a expulsar a si próprio, como autor de diálogos aparentemente fictícios? Será que a sua profunda desconfiança perante a representação artística derivava da sua própria e peculiar visão do mundo, ou tinha precedentes e paralelos na cultura grega? Este seminário incidirá em primeiro lugar sobre as influentes teorias platónicas sobre a ficção (como falsidade e imitação) e, em segundo lugar, sobre as diversas maneiras em que autores posteriores reagiram, reformularam e até usaram essas ideias contra o próprio Platão.


20 setembro 2016

Pensamento Impensado

Ora bolas

Mourinho e Jorge Jesus são dois técnicos de futebol fora de série. Não sei se serão espertos e / ou inteligentes, mas sei que têm um ego maior do que o Universo, bastando para isso ler e ouvir o que têm dito. No entanto, têm sido humilhados a mais não poder ser. Deviam ler Mateus 23:12: quem se humilha será exaltado, quem se exalta será humilhado.

SdB (I)

Textos dos dias que correm

Sete palavras para refletir sobre a lição de gratuidade de Charles de Foucauld

Desde o primeiro momento em que vi o seu rosto, há mais de 30 anos, percebi que Charles de Foucauld haveria de ter, de uma maneira ou de outra, grande importância para mim. Todos desejamos deixar, com o nosso pensamento e a nossa ação, uma marca neste mundo: criamos famílias, escrevemos livros, fundamos instituições... Poucos, os imprescindíveis, deixam a marca da sua passagem sobre a Terra graças à sua contemplação e à sua paixão. Charles de Foucauld foi sem dúvida um deles. Mais do que fazer, e no entanto fez muito, deixou-se fazer; mais que pensar, e pensou muitíssimo, esvaziou-se a si próprio ao ponto de não ser senão pura recetividade.

O seu rosto, terno e vigoroso ao memo tempo, vincado pelo rigor e da indulgência, é seguramente um espelho fiel da sua alma. Foucauld fez da sua vida uma obra de arte, ou seja, um testemunho eloquente da gratuidade. Por isso eu, ao tempo com 20 anos, não soube ficar indiferente a um olhar como o seu, revelador de tanta plenitude. Não que hoje eu tenha penetrado o segredo da graça que modelava os seus traços, mas posso falar e descrevê-los com maior conhecimento de causa. O rosto deste eremita e missionário reflete a alegria e a gratidão que são os sinais inconfundíveis do verdadeiro amor.

Para mim Foucauld é um padre do deserto contemporâneo; quero dizer que a sua vida e a sua obra, que certamente atingem a espiritualidade de figuras da estatura de Agostinho, Bento, Francisco e Inácio, remetem para as dos célebres padres que povoaram copiosamente os desertos da Síria e do Egito nos primeiros séculos do cristianismo.

Para compreender Foucauld na sua dimensão autêntica é preciso juntá-lo a Dionísio o Areopagita e a Efrém o Sírio, a Isaías Anacoreta ou a Gregório de Nazianzo, para referir alguns nomes. A fonte de onde beberam aqueles padres do deserto e que depois deu vida ao movimento hesicasta é a mesma da qual bebe o irmão Carlos, cuja missão - esta é a minha tese - não foi a de fundar algo de radicalmente novo, mas de re-inaugurar para o Ocidente uma via contemplativa que no Oriente cristão não tinha conhecido solução de continuidade, em particular na república monástica do Monte Athos. Na minha visão, Foucauld recebe o colossal encargo de recuperar aquela milenária tradição de sabedoria e de a atualizar. É por isso que a sua obra, sempre do meu ponto de vista, está ainda no estádio inicial. No atual século e nos vindouros dar-nos-emos conta muito melhor da relevância da sua figura e do alcance da sua missão.

Para ilustrar a minha tese tomo sete palavras que, a meu ver, refletem mais integralmente o contributo daquele que chamamos "irmão universal": procura, consciência, deserto, adoração, nome, coração e fracasso. Com elas pretendo não só dar conta das categorias fundamentais que orientaram o nosso personagem, mas também indicar as razões da sua atualidade.



Procura

Um olhar superficial pela biografia de Foucauld (a meta das suas viagens, os hábitos e os uniformes que vestiu, as pessoas de quem se rodeava, as casas que habitou...) é suficiente para constatar que a vida deste homem foi realmente insólita. Foucauld não se assemelha a ninguém. A sua vida foi um contínuo peregrinar. Dizia de si, na segunda das diversas épocas, que queria ser monge ou eremita; o que é certo é que viajou muitíssimo, que se estabeleceu em lugares diferentes, que foi um peregrino estrutural. Tais mudanças de horizontes, geográficos mas sobretudo existenciais, as metamorfoses constantes que o levaram a ser hoje explorador travestido de judeu e amanhã autor de um dicionário tuaregue, hoje soldado do exército francês e amanhã jardineiro de alguns monges em Nazaré, realçam o seu constante estar à procura. Foucauld não cessou de responder ao chamamento do seu eu profundo, onde fosse que Deus o chamasse.

Foucauld, como Gandhi ou Simone Weil a outros níveis, fez da própria vida uma autêntica e contínua experimentação. Encontramos a razão nas palavras seguintes.



Consciência

Um olhar mesmo superficial aos escritos de Charles de Foucauld, sobretudo diários espirituais e cartas, faz-nos compreender como ele atravessou a vida escrutinando a própria consciência, entrando nas motivações dos próprios atos, revendo as intenções, examinando minuciosamente o mínimo detalhe, como tinha aprendido de Santo Inácio, projetando sonhos com os quais dar corpo a uma intuição, observando-se no espelho de Jesus Cristo, o seu Bem-amado, estudando o que seria mais aconselhável e oportuno, censurando-se as falhas, agradecendo os dons recebidos, louvando por tanto bem e bondade, programando o impossível... Foucauld, que na juventude foi soldado, não cessou de o ser plenamente na maturidade. Não era apenas um enamorado, é inútil dizê-lo, mas também um estratega, alguém que projeta o próprio dar-se: que reforça os lados mais fracos, que traça planos para dar fecundidade ao seu ingovernável amor. Foucauld percorre um grande número de dias e de horas na mais rigorosa solidão e no mais estrito silêncio. É neste terreno de cultura que aprendeu a escutar. O aspeto mais surpreendente da sua personalidade é que não escutou simplesmente a si próprio e, por esta via, Deus e os outros, mas que obedecia às vozes que escutava e, ainda mais, que fez de tal escuta e obediência um estilo de vida: sempre a escutar e a obedecer, sempre dentro da aventura de ser si mesmo. Reconhecendo sempre que era ele a melhor palavra, melhor, a única, que Deus lhe tinha concedido.



Deserto

Foi este o cenário privilegiado da escuta permanente, uma escuta quase assustadora, de Charles de Foucauld. E não por acaso. Foucauld converte-se na África do Norte, surpreendido pela extraordinária religiosidade dos muçulmanos. Entende o deserto em primeiro lugar em chave metafórica, por isso experimentou ser monge inicialmente na região de Ardèche, em França, depois em Akbés, na Síria, portanto na Terra Santa; mas não tardou a regressar ao deserto do Sara, o da sua juventude, o seu amado Marrocos e a sua desejada Argélia. O destino e a Providência marcaram-lhe lá encontro. Os fenomenólogos e os historiadores das religiões realçaram como o Médio Oriente foi o principal berço das religiões. Não penso apenas nas tradições monoteístas - judaísmo, cristianismo e islão - que claramente lá têm o seu tronco, mas também nos fenícios, babilónicos, egípcios... Para aquelas terras também se dirigiu o nosso Foucauld, talvez porque poucas regiões da Terra como essa, na sua desolação, sabem evocar o mundo interior e a ele o remeter com tanta força. O vazio externo, portanto, como incitamento àquela obra de esvaziamento que no cristianismo chamamos esquecimento de si ou pobreza espiritual. O deserto como lugar da vitória sobre a provação ou, que é o mesmo, como descoberta da sarça ardente ou chama de amor viva a que se acede para além da noite escura do abandono e da solidão.

Foucauld voltou ao deserto como fez Israel ao sair do Egito ou como fez o próprio Jesus Cristo pouco antes de dar início ao seu ministério público. Por isso Foucauld é, para mim, um novo Moisés, mas sem povo, ou com um povo invisível. Ou um novo e amoroso Jonas que prega na sua Nínive. Foucauld é um pró-memória permanente de como não há caminho espiritual sem deserto e purificação.



Adoração

No meio do deserto, espelho da sua consciência e território das suas procuras, Foucauld adorava. É uma palavra que hoje nos soa estranha, mas adoração significa, simplesmente e linearmente, que o homem não se realiza sobre a via do ego, mas quando sai do próprio micromundo e vence essa tendência tão nefasta e generalizada que é a posse e a autoafirmação. Adorar quer dizer apenas parar de viver a partir do pequeno eu para ceder o passo ao eu profundo, onde habita o hóspede divino. A adoração, ou oração contemplativa, é a única medicina para a idolatria do eu. «Ao Senhor, teu Deus, adorarás: só a Ele prestarás culto» é a resposta de Jesus à última tentação com que o diabo o prova. Hoje poderemos traduzir: tu não és o centro do mundo, sai de ti mesmo. E é quanto Foucauld fazia dia e noite, durante horas e horas sem interrupção, de joelhos diante do seu pequeno tabernáculo, cheio ou vazio. Foucauld corre o risco da solidão e da diversidade como poucos outros homens e mulheres do nosso tempo. O risco de se perder definitivamente.

Como poucos atravessou o muro de silêncio que lhe pôs diante de si a sua miséria e que, depois de anos de luta, o conduz a uma doce, íntima certeza. Quer o saibamos ou não, todos aqueles que estão á procura têm - temos - em Charles de Foucauld um mestre insigne. Amou muito porque calou muito. Hoje nós falamos dele porque se esvaziou de si.



Nome

Esta adoração, esta nudez absoluta cada vez mais radical, esta peregrinação ao próprio centro em que se encontra o templo da verdade, Foucauld levou-a ao termo, à maneira dos padres do deserto um milénio e meio antes, como uma arma tão simples quanto eficaz: o doce nome de Jesus. Poucos homens na história como Foucauld deixaram um testemunho escrito tão eloquente do seu apaixonado amor por Jesus de Nazaré. Ao abrir qualquer um dos seus diários e qualquer uma das suas páginas encontrar-se-á sempre, sempre, expressões incendiadas por um ardor quase insuportável: «Amo-te, adoro-te, quero dar-te tudo, quanto me amas, quanto te amo, dou-te graças, entrego-me nas tuas mãos, faz de mim o que quiseres, louvo-te, meu Bem-amado...». O nome de Jesus acompanhou-o, como um incessante mantra, durante quase todos os minutos da sua vida. Foucauld era um louco de amor, um apaixonado deste nome. Alguém que deixou que o nome, e a pessoa que ele evoca, o possuíssem.

Isto significa que a solidão na qual Foucauld viveu, por quão dura pudesse às vezes ser, era uma solidão acompanhada. E que o seu silêncio era sonora, por quão doloroso pudesse, muitas vezes, ser para ele. Uma só palavra explica a incrível vida de Charles de Foucauld: Jesus.



Coração

O nome de Jesus, incessantemente repetido, invocado, sonhado, escrito em centenas de milhares de páginas, radicou-se progressivamente na sua consciência e no seu coração, finalmente unidos naquilo que poderemos chamar o coração consciente, e que eram o lugar no qual tal Presença residia. A certo ponto da sua vida, esmagado por tanto amor, Foucauld cozeu um coração vermelho no seu hábito branco, dando uma clara prova de como aquele coração o tinha atado. Foucauld foi certamente um sentimental, mas no interior de uma personalidade poliédrica de incomparável riqueza. Ainda que a sua fosse uma vocação à oração contemplativa e silenciosa, nunca abandonou a oração afetiva, alimentada por palavras e imagens que a mantiam acesa.

Praticou aquela que os hesicastas chamam a custódia do coração: sentir a vida, oculta e frágil, em cada palpitação; sentir a Vida com maiúscula nesta nossa vida, tão limitada e intensa, tão humana e tão divina.



Fracasso

No termo da vida, pouco antes de ser assassinado, Foucauld encontrou-se - serviram-lhe décadas inteiras para chegar a isto - com as mãos felizmente vazias. Poder-se-ia dizer que ao longo da sua existência recolheu um fracasso após o outro: último da sua classe no exército, no qual esteve várias vezes para ser expulso por causa dos seus escândalos e indisciplina. Fracasso também como patriota e fez abortar a sua vocação de explorador, atirando às urtigas uma brilhante carreira profissional. Monge fracassado na trapa de Cheikhlé. Resultou também em nada o seu quimérico de adquirir o Monte das Bem-aventuranças para aí se estabelecer como eremita. Inútil também como simples ajudante ou doméstico. Nem uma só conversão em tantos anos de apostolado.

Nem sequer um seguidor depois de ter redigido tantos esboços de Regra para os eremitas que projetava. Ignorado pela administração civil como pela eclesiástica, não teve junto a si nem um escravo libertado nem um companheiro para a sua missão... Foucauld é um dos mais conseguidos ícones do fracasso. Porque preferiu os últimos lugares aos primeiros, a vida oculta à pública, a humilhação à elevação.

Por tudo isto, Foucauld é a imagem em que podem reconhecer-se todos os fracassados da história. E por tudo isto vejo as pessoas do mundo caminharem muitas vezes para uma direção e Foucauld na oposta. Não é, todavia, o único; há outros com ele, todos solitários, todos loucos. E o primeiro desta fila é o próprio Jesus Cristo, o mais louco de todos.



Termino este léxico de Foucauld com uma nota pessoal. Em maio de 2014 fundei na minha cidade a associação "Amigos do Deserto", uma rede de meditação, com crentes e não crentes, interessados no aprofundamento e na difusão da experiência do silêncio a partir da tradição espiritual do hesicasmo. Desde então quase um milhar de pessoas foram iniciadas, em diversos pontos da geografia espanhola e europeia, à oração do coração. E todos, numa ocasião ou noutra, muitos diariamente, recitamos as palavras que Foucauld, verdadeiro fundador destes Amigos do Deserto, deixou escritas como testamento: «Pai meu, eu me abandono a ti. Faz de mim aquilo que quiseres. O que quer que faças de mim, eu te agradeço. Estou pronto para tudo, aceito tudo, desde que a tua vontade se cumpra em mim e em todas as tuas criaturas. Não desejo nada mais, meu Deus. Entrego a minha alma nas tuas mãos, dou-ta, meu Deus, como todo o amor do meu coração, porque te amo. E é para mim uma exigência de amor o dar-me, o entregar-me nas tuas mãos sem medida, com uma confiança infinita, porque tu és o Pai meu». Quanto escuto esta oração, às vezes proclamada em uníssono por centenas de Amigos do Deserto, sinto subir em mim uma profunda ação de graças e compreendo, como nunca, que não basta uma vida para ver os frutos de uma sementeira.



Pablo d'Ors
In "L'Osservatore Romano", 19.9.2016
Trad.: Rui Jorge Martins
Publicado aqui em 20.09.2016

Duas Últimas

Samuel Úria é um beirão de Tondela com 37 anos feitos ontem, em ascensão meteórica no panorama musical português.

Vindo de uma família protestante, tomou-lhe o gosto a actuar no coro de uma igreja lá da terra. Integrando vários movimentos e grupos musicais, foi entretanto construindo e cimentando uma carreira a solo que lhe tem granjeado um sucesso notório e em acelerado crescendo.

Como comentou a respeito de si próprio, é mais um escritor de canções do que um intérprete. Aprecio-o nessas duas facetas, embora o conheça ainda relativamente mal.

Deixo-vos com dois duetos do nosso homem, o primeiro com Márcia, já trazida a este blogue por quem de música muito sabe, o segundo com Manuel Cruz, leader dos Ornato Violeta, grupo rock do Porto que teve alguma saliência em finais do século passado. 

Espero que também gostem.

fq

19 setembro 2016

Vai um gin do Peter’s?

Junto ao Marquês de Pombal, na rua Duque de Palmela, reabriu em 2005 um hotel que recupera o nome do mítico Hotel Aviz. O original ficava situado na av.Fontes Pereira de Melo, no actual quarteirão do edifício Imaviz e Sheraton, com espaço desafogado para jardim e anexos. Ganhou fama de ter a melhor cozinha da capital e um serviço de luxo. Até abrir o Ritz, recebia os convidados oficiais do Estado português. 

Mítica foi também a sua frequência, sobretudo durante a Segunda Guerra Mundial, quando Lisboa se tornou o paraíso solarengo e pacífico dos refugiados vindos da Europa ocupada.

Fachada exterior do Aviz Hotel

A elite lisboeta dos anos 40 encontrava ali reis no exílio, actores de cinema, escritores célebres, governantes e até espiões. Se as paredes falassem, dizem que as do Aviz teriam matéria mais do que suficiente para compor um romance. Por ali passaram os reis Carol da Roménia, Juan Bourbon de Espanha e Humberto da Itália, além de Evita Perón ou artistas como Maria Callas, Marcello Mastroianni, Frank Sinatra, Ava Gardner e Amália. O magnata do petróleo e coleccionador de arte, Calouste Gulbenkian trocou Paris pelo Aviz, nos últimos anos de vida: desde 1942 até 1955. 

Na década de 40, os seus salões foram palco de festas sofisticadas, de importantes reuniões de negócios e até de encontros históricos secretos. A 31 de Julho de 1940, num jantar no Aviz, o Duque de Windsor terá recusado a proposta alemã de recuperar o trono britânico para funcionar como rei fantoche, ao serviço do Reich. Segundo o agente triplo Dusko Popov («Triciclo»), que trabalhava sobretudo para os serviços secretos britânicos e esteve inúmeras vezes no Aviz, o poderoso hotel penderia mais para o lado nazi.

Nascera como «palacete Silva Graça», construído em 1904 pelo proprietário e Director do jornal «O Século» – José Joaquim da Silva Graça. A arquitectura coubera a Miguel Ventura Terra (que contava no currículo com o Prémio Valmor), num estilo moderno para a época e equipado com o maior conforto. O sistema de aquecimento e as persianas tinham vindo de Paris; a cantaria era do atelier Pardal Monteiro e os trabalhos de estuque, pintura ou ferragem provinham dos melhores especialistas portugueses.   

Palacete Silva Graça e a Avenida Fontes Pereira de Melo

Em 1919, passou para a posse do genro – José Rugeroni que, uns anos depois, resolveu transformá-lo num hotel de luxo. Entre 1931 e 1933, dedicou-se à remodelação de todo o quarteirão, com o apoio do arquitecto Vasco Regaleira. A 24 de Outubro de 33, o Aviz Hotel abria ao público, exibindo num dos salões as armas da Casa de Avis, que terá inspirado o nome do hotel.  

Da sua decoração opulenta apenas resta o arquivo fotográfico, a fazer jus ao património de uma Lisboa desaparecida: 

Hall faustoso e amplo.


Salão renascença. À direita: fogão, tipo lareira portuguesa, com ricas colunas de madeira lavrada, vindo do palacete dos Burnay (à Junqueira). Sobre ele o brasão da Casa de Avis, replicado nas sobreportas da porta em ferro forjado. À esquerda: armário renascença seiscentista, proveniente do Convento das Trinas; porta monumental e balaustrada de ferrageria nacional oriunda da capela do Convento de Sacavém. 


Sala de leitura com mobiliário de estilo alentejano. No móvel-bar, ao fundo,
sobressaem os baixos-relevos históricos de Diogo de Macedo.
Os terraços estavam decorados com azulejos de tipo hispano-árabe,
a conferir um tom exótico ao conjunto.


Sala de Jantar, a abrir para os jardins. Destaca-se o painel de azulejos de
Leopoldo Batistini, a reproduzir uma das tapeçarias
portuguesas de «Pastrana» (cf gin de 11 de Agosto de 2010).


Os quartos, ou melhor, as suites – segundo a designação do Aviz – tinham
os nomes dos primeiros reis da segunda dinastia e de vários príncipes
da Ínclita Geração (a saber: D. João I, D. Filipa de Lencastre,
D. Pedro Regente, Infante D. Henrique, Infante Santo e Infante D.João).

Casa-de-banho

Percebe-se que o charme de Lisboa vem de longe e deixou vestígios indeléveis, mesmo quando parte dos seus exemplares já só sobrevive em imagens(1). É o caso do primeiro «Aviz», demolido em 1962.

Maria Zarco
(a  preparar o próximo gin tónico, para daqui a 2 semanas)
_____________
 (1) Principal fonte de informação deste gin:   http://restosdecoleccao.blogspot.pt/2011/07/aviz-hotel.html.

18 setembro 2016

XXV Domingo do Tempo Comum

EVANGELHO – Lc 16,1-13

Evangelho de Nosso Senhor Jesus Cristo segundo São Lucas

Naquele tempo,
disse Jesus aos seus discípulos:
«Um homem rico tinha um administrador,
que foi denunciado por andar a desperdiçar os seus bens.
Mandou chamá-lo e disse-lhe:
‘Que é isto que ouço dizer de ti?
Presta contas da tua administração,
porque já não podes continuar a administrar’.
O administrador disse consigo:
‘Que hei-de fazer,
agora que o meu senhor me vai tirar a administração?
Para cavar não tenho força,
de mendigar tenho vergonha.
Já sei o que hei-de fazer,
para que, ao ser despedido da administração,
alguém me receba em sua casa’.
Mandou chamar um por um os devedores do seu senhor e disse ao primeiro:
‘Quanto deves ao meu senhor?’.
Ele respondeu: ‘Cem talhas de azeite’.
O administrador disse-lhe:
‘Toma a tua conta: senta-te depressa e escreve cinquenta’.
A seguir disse a outro: ‘E tu quanto deves?’.
Ele respondeu: ‘Cem medidas de trigo’.
Disse-lhe o administrador:
‘Toma a tua conta e escreve oitenta’.
E o senhor elogiou o administrador desonesto,
por ter procedido com esperteza.
De facto, os filhos deste mundo são mais espertos do que os filhos da luz,
no trato com os seus semelhantes.
Ora Eu digo-vos:
Arranjai amigos com o vil dinheiro,
para que, quando este vier a faltar,
eles vos recebam nas moradas eternas.
Quem é fiel nas coisas pequenas também é fiel nas grandes;
e quem é injusto nas coisas pequenas também é injusto nas grandes.
Se não fostes fiéis no que se refere ao vil dinheiro,
quem vos confiará o verdadeiro bem?
E se não fostes fiéis no bem alheio,
quem vos entregará o que é vosso?
Nenhum servo pode servir a dois senhores,
porque, ou não gosta de um deles e estima o outro,
ou se dedica a um e despreza o outro.
Não podeis servir a Deus e ao dinheiro».

17 setembro 2016

Pensamentos Impensados

Desiguarias
Quem come sandes de coirato devia participar nos Jogos Paralímpicos.

Ignora o arco-íris
Quem inventou a fotografia a preto e branco só podia ser racista.

Amores
Para homenagear a namorada de Fernando Pessoa foi construída, em Paris, a torre Ofélia.

Sabedorias
Diz o noctívago: o Sol quando nasce é para tolos.

Altos e baixos
Ser "o positivo" não é o mesmo que seropositivo.

Representações
No teatro do bairro, o Luís faz de Camões.

Trajos
Nos doutoramentos o capelo é à borla?

Dois em um
"Identifix", tanto pode ser para Loja do Cidadão como para slogan de prótese dentária.

SdB (I)


16 setembro 2016

Dos retratos

Sobre si mesmo, num texto chamado Auto-retrato, disse o poeta português:

O'Neill (Alexandre), moreno português, 
cabelo asa de corvo; da angústia da cara, 
nariguete que sobrepuja de través 
a ferida desdenhosa e não cicatrizada. 
Se a visagem de tal sujeito é o que vês 
(omita-se o olho triste e a testa iluminada) 
o retrato moral também tem os seus quês 
(aqui, uma pequena frase censurada...) 
No amor? No amor crê (ou não fosse ele O'Neill!) 
e tem a veleidade de o saber fazer 
(pois amor não há feito) das maneiras mil 
que são a semovente estátua do prazer. 
    Mas sofre de ternura, bebe de mais e ri-se 
    do que neste soneto sobre si mesmo disse... 

Por estes dias, um amigo acabou de pintar o meu retrato a óleo, naquilo que é uma série de retratos de amigos. Eu fui o primeiro, porque entre mim e ele se tinha falado de estatutos e ele quis pintar-me, como me disse com humor, enquanto homem sem. Voltou a pintar-me, insatisfeito com a primeira versão.  

Durante meia dúzia de horas repartidas, enquanto ouvíamos música clássica e falávamos pouco, ele pintou-me como me viu - que é, ou pode ser, diferente de ter-me pintado como eu sou. "Senta-te como te apetecer". E eu sentei-me como me apeteceu, para descanso do físico e dos olhos. Ao contrário da primeira versão, e da versão de mais três amigos, não olho para ele. Olho para o lado, para uma mancha verde de árvores que não identifico, para descortinar ao fundo, onde fixo o olhar, uma palmeira-leque. Há ainda casas em redor mas já não quero lá chegar, a menos que visse pessoas sobre as quais imaginar histórias, fragilidades, motivos de tristeza ou alegria.

Retratou-me com um ar sério, grave, talvez contemplativo ou pensador. Sem estatuto e sem sorriso, digo-lhe eu por brincadeira. Mas com intensidade, profundidade e reflexão, responde-me ele com genuína amabilidade. Um primeiro olhar sobre este retrato revela parecenças e dessemelhanças. Os olhos isto, a barba aquilo, a boca ou o nariz não sei o quê. Tudo depende da mestria do pintor ou da forma como ele entendeu-me pintar-me, fruto de opções ou limitações. Mas, no fundo, o que eu gostava era que aquele retrato revelasse quem eu sou: o que dizem os olhos (uma frase já batida, que provoca lágrimas em todos os que com ela se confrontam), para onde olham eles ou com que intensidade o fazem; que passado está naquelas rugas pintadas, no sulco da pele, no jogo de sombras, num cabelo ainda forte mas já muito branco.

Em O Enigma da Chegada (V. S. Naipaul) que acabei de ler, o "senhor da mansão" diz à empregada: "Só um pouco de formalidade. É tudo o que peço. Uma bebida não é apenas uma bebida. É uma ocasião." Uma bebida pode ser apenas uma bebida, como um retrato pode ser um interruptor, uma bicicleta ou um prato de cerâmica pintado por mãos artesãs - vemos a técnica, a precisão do traço, o jogo suave das cores. Mas um retrato pode ser uma ocasião (e nessa ocasião intervêm a classe do pintor e a vontade do observador): quem é o retratado, no que pensa, o que revela aquela expressão, ou o que nos diz o facto de olhar para o pintor ou para uma Licuala Grandis escondida na linha do horizonte? 

Quem sou eu, retratado ali naquela tela? Poderia ter-me rido, ter-me voltado para outro lado, ter aberto os olhos como quem quer ver tudo daquele momento em frente, ou daquele espaço para a frente. A minha escolha obedeceu a critérios de conforto, pois já sofro do esqueleto. O desafiante é ver mais além do retrato enquanto retrato, vislumbrar, numa opção só aparentemente ergonómica, uma opção de vida ou uma atitude perante a vida. Por isso, talvez os meus olhos semi-cerrados não revelem cansaço decorrente de uma noite mal dormida, apenas visão focada numa qualquer distância que só eu sei; por isso, talvez o ar sério não revele gravitas, apenas um homem que se tornou maçador.

JdB      
    

15 setembro 2016

Textos dos dias que correm

O bom senso e o senso comum

«Havia bom senso; mas estava oculto, por medo do senso comum»: esta é uma famosa frase do romance "Os noivos", de Alessandro Manzoni, que distingue os dois «sensos», colocando-os em contraste.

O primeiro, com efeito, poderia ser reconduzido à ideia de "sabedoria". Ele traduz a capacidade de examinar pessoas, coisas e acontecimentos com critério e juízo. É o dom do discernimento e da sensatez, é o evitar os extremos passionais, é o esquivar-se ao facciosismo, é o equilíbrio no saber julgar, e assim por diante.

Trata-se de um dom precioso que o cristão deve implorar ao Espírito Santo, fonte, precisamente, dos dons da sabedoria e do conselho.

Emboscado, todavia, há uma espécie de momice do bom senso, o «senso comum», que se disfarça com as características do critério, equilíbrio e sensatez acima evocadas, mas que na realidade é lugar comum, banalidade, tacanhez, conformidade, mesquinhez, hipocrisia.

François de La Rochefoucauld, moralista francês do século XVII, descrevia assim, nas suas "Máximas", um aspeto deste falso bom senso: «Raramente atribuímos o bom senso aos outros, a não ser àqueles que estão de acordo connosco».

Sim, porque o senso comum é muitas vezes usado para vantagem própria, é colocar ao próprio serviço a verdade de tal modo que se deixa a aparência mas corrói-se a substância.

Como Salomão no dia da sua entronização, peçamos a Deus «um coração que saiba sempre distinguir o bem do mal» (1 Reis 3, 9). É este o verdadeiro «bom senso».


P. (Card.) Gianfranco Ravasi 
In "Avvenire" 
Trad.: Rui Jorge Martins 

14 setembro 2016

O presidente da Junta *

Roubara mobiliário para decorar sedes revolucionárias com cheiro a cigarros ilícitos; ajudara a sanear professores universitários cujo nome bastava para atemorizar o pessoal discente; lançara à rua obras de arte, num exercício de defenestração do burguesismo diplomático estrangeiro. A idade, os cabelos brancos, algum cansaço, talvez, levaram-no a caminhar para a direita, que é para onde corriam os bons nos filmes de cowboys. Resvalando de partido em partido, numa espécie de queda quase livre na direcção do extremo, aterrou na última agremiação do espectro partidário e que lhe serviu de batente. No esplendor da carreira política chegara a presidente da junta de freguesia.

Fruto de um discurso crescentemente inflamado – e de uma quase imperceptível perturbação do espírito - entrou numa rotazinha de colisão com a lucidez da mente. Fala-se em imigração e o cavalheiro abespinha-se, alegando que a calçada portuguesa já fala ucraniano, o ferro de engomar foi tomado de assalto por umas havaianas e calções, os pedintes na rua perturbam o sossego das mentes cristãs com gemidos em moldavo; menciona-se o casamento entre pessoas do mesmo sexo e o presidente brama contra o nojo - o asco, mesmo - o pão e o circo, a porcaria de homens que por aí há; refere-se a adopção de crianças por homossexuais e o senhor leva as mãos à cabeça, sugerindo bengaladas queirosianas em público.

Senta-se todas as tardes junto à praia, num café onde só trabalham portugueses de terceira geração – no mínimo – envolvendo os correligionários com um olhar onde se sente determinação:

- Sabem? Existe a fogueira que purifica para sempre, o barco que parte sem regresso, a cadeia que amansa os vícios. Escolham o que quiserem, mas agora tragam-me uma sandes de queijo limiano num pão de Mafra. Nada de pãozinho aparado, que isso é para maricas.

O senhor presidente encerra a Junta e dirige-se a casa onde vive sozinho desde que a mulher o trocou por um rapaz de Ulan Bator, portador de cartas registadas. Fecha as janelas para manter uma privacidade impenetrável e veste uma tanga negra com um lustro que confunde. Liga o karaoke e, quando a música começa a tocar, todo ele se agita num frenesim de sensualidade

Quand il me prends dans ses bras
Il me parle tout bas
Je vois la vie en rose

Duas vezes por semana, quando os telejornais vão a meio, recebe a Roberta - uma negra de Porto Galinhas e que as más-línguas alegam já ter sido Roberto – para uma série de duetos exclusivos de George Michael e Ney Matogrosso. Faz amor com ela ficando sempre por cima, não porque aprecie os missionários, mas porque gosta de demonstrar que há posições de chefia a respeitar. Depois fuma um cigarro e retoma o discurso da cadeia, da fogueira, do barco sem regresso, da corja negra e de leste. A brasileira, dengosa e suada, vai à casa de banho e toma um comprimido, porque o médico disse que tinha de ser assim até ao fim da vida.

Conheço-o bem. No fundo, no fundo, somos todos do mesmo bairro.

JdB

* Publicado originalmente em 21.09.2009

13 setembro 2016

Pensamento Impensado

Hexa qualquer coisa
Marcelo Rebelo de Sousa completou seis meses de presidência com nota altamente positiva. Tino de Rans não teria feito melhor.

SdB (I)

Duas Últimas

O tango, disse alguém, es un piensamento triste que se baila.

Nos campeonatos do mundo da especialidade, a Argentina levou a melhor, sagrando-se campeã em 2016. 

Deixo-vos com os campeões mundiais (não domino este certame, que tem, parece-me, uma versão de pista e outra de palco) e com outra prestação igualmente notável.

Gozem, quem gostar de tango bem dançado e bem cantado.

JdB




12 setembro 2016

Da salvação

O Regresso do Filho Pródigo (Rembrandt


Não sei quando tive - melhor dizendo, quando voltei a ter esta sensação. Talvez tenha sido numa sequência de eventos dentro de uma igreja: um casamento, uma missa de corpo presente, talvez outro casamento, uma homilia mais iluminada, um livro ou uma passagem de um livro, uma conversa. Talvez nada mais do que uma emoção composta por uma quantidade imensa e não memorizável de eventos, palavras, associação de ideias.

Dizia-se dantes que não havia salvação fora da Igreja (Católica). Penso que a doutrina já não é esta e que sim, há salvação para todos. E no entanto, para mim não faz sentido eu salvar-me fora da Igreja Católica. Apenas porque acredito que é através dela que eu me salvo.

Este início de raciocínio parece algo desconchavado, fora de contexto, metido à pressão. Talvez seja, mas ele advém, como referi ao princípio, de uma acumulação de sensações agradáveis que me levam à certeza de que é a fé que (também) nos salva e que a menção à ética republicana é de uma pobreza franciscana quando comparada com a ética cristã. Não há filosofia, corrente, tendência ou moda no mundo que faça mais pelo corpo e pela alma do que o cristianismo e a Igreja onde me sinto bem. Nada me ensina a ser melhor - nas minhas várias vertentes - do que ouvir o que oiço nos casamentos, nas missas, nos velórios, nas homilias inspiradas, nas leituras luminosas.

Um dia destes falava com um amigo sobre outro amigo comum e o tombo que ele deu na vida por questões circunstanciais. Mencionámos a dignidade com que se levantou e anda. Diz-me este amigo: "estou certo de que foi a fé". Olho para mim, para os meu tombos, e penso na bendita fé. Não só numa fé que nos faz acreditar naquilo que não vemos, mas numa fé que nos faz andar em frente e pensar no sentido das coisas, na vida, nos sacrifícios, nos outros.

Isto que eu sinto e que eu vejo à minha volta tentei transmiti-lo quando falava aos casais que celebrariam o matrimónio daí a pouco tempo: é a fé que nos pode salvar, é o Amor que nos pode salvar. Disse isso a outros casais bem mais próximos de mim: não descurem a vossa vida religiosa. Ninguém faz de nós melhores pessoas do que o cristianismo na igreja onde nos sentimos bem. Um dia, uma frase ouvida num momento de tormenta é uma luz que podemos não querer seguir. Mas a luz está lá. E pode ser essa luz que nos salva. 

O evangelho de ontem era também sobre o regresso do filho pródigo; um evangelho desafiante, que põe em causa a nossa ideia de justiça. E dizia o prior que nos momentos mais tenebrosos da nossa vida é o vislumbre de um episódio de amor passado que nos faz seguir em frente. 

JdB 

    

11 setembro 2016

XXIV Domingo do Tempo Comum

EVANGELHO – Lc 15,1-32
Evangelho de Nosso Senhor Jesus Cristo segundo São Lucas

Naquele tempo,
os publicanos e os pecadores
aproximaram-se todos de Jesus, para O ouvirem.
Mas os fariseus e os escribas murmuravam entre si, dizendo:
«Este homem acolhe os pecadores e come com eles».
Jesus disse-lhes então a seguinte parábola:
«Quem de vós, que possua cem ovelhas
e tenha perdido uma delas,
não deixa as outras noventa e nove no deserto,
para ir à procura da que anda perdida, até a encontrar?
Quando a encontra, põe-na alegremente aos ombros
e, ao chegar a casa,
chama os amigos e vizinhos e diz-lhes:
‘Alegrai-vos comigo, porque encontrei a minha ovelha perdida’.
Eu vos digo:
Assim haverá mais alegria no Céu
por um só pecador que se arrependa,
do que por noventa e nove justos,
que não precisam de arrependimento.
Ou então, qual é a mulher
que, possuindo dez dracmas e tendo perdido uma,
não acende uma lâmpada, varre a casa
e procura cuidadosamente a moeda até a encontrar?
Quando a encontra, chama as amigas e vizinhas e diz-lhes:
‘Alegrai-vos comigo, porque encontrei a dracma perdida’.
Eu vos digo:
Assim haverá alegria entre os Anjos de Deus
por um pecador que se arrependa».

Jesus disse-lhes ainda:
«Um homem tinha dois filhos.
O mais novo disse ao pai:
‘Pai, dá-me parte da herança que me toca’.
O pai repartiu os bens pelos filhos.
Alguns dias depois, o filho mais novo,
juntando todos os seus haveres, partiu para um país distante
e por lá esbanjou quanto possuía,
numa vida dissoluta.
Tendo gasto tudo,
houve uma grande fome naquela região
e ele começou a passar privações.
Entrou então ao serviço de um dos habitantes daquela terra
que o mandou para os seus campos guardar porcos.
Bem desejava ele matar a fome
com as alfarrobas que os porcos comiam,
mas ninguém lhas dava.
Então, caindo em si, disse:
‘Quantos trabalhadores de meu pai têm pão em abundância,
e eu aqui a morrer de fome!
Vou-me embora, vou ter com meu pai e dizer-lhe:
Pai, pequei contra o Céu e contra ti.
Já não mereço ser chamado teu filho,
mas trata-me como um dos teus trabalhadores’.
Pôs-se a caminho e foi ter com o pai.
Ainda ele estava longe, quando o pai o viu:
Enchendo-se de compaixão,
correu a lançar-se-lhe ao pescoço, cobrindo-o de beijos.
Disse-lhe o filho:
‘Pai, pequei contra o Céu e contra ti.
Já não mereço ser chamado teu filho’.
Mas o pai disse aos servos:
‘Trazei depressa a melhor túnica e vesti-lha.
Ponde-lhe um anel no dedo e sandálias nos pés.
Trazei o vitelo gordo e matai-o.
Comamos e festejemos,
porque este meu filho estava morto e voltou à vida,
estava perdido e foi reencontrado’.
E começou a festa.
Ora o filho mais velho estava no campo.
Quando regressou,
ao aproximar-se da casa, ouviu a música e as danças.
Chamou um dos servos e perguntou-lhe o que era aquilo.
O servo respondeu-lhe:
‘O teu irmão voltou
e teu pai mandou matar o vitelo gordo,
porque ele chegou são e salvo’.
Ele ficou ressentido e não queria entrar.
Então o pai veio cá fora instar com ele.
Mas ele respondeu ao pai:
‘Há tantos anos que eu te sirvo,
sem nunca transgredir uma ordem tua,
e nunca me deste um cabrito
para fazer uma festa com os meus amigos.
E agora, quando chegou esse teu filho,
que consumiu os teus bens com mulheres de má vida,
mataste-lhe o vitelo gordo’.
Disse-lhe o pai:
‘Filho, tu estás sempre comigo
e tudo o que é meu é teu.
Mas tínhamos de fazer uma festa e alegrar-nos,
porque este teu irmão estava morto e voltou à vida,
estava perdido e foi reencontrado’».

10 setembro 2016

Pensamentos Impensados

Foi chão que deu Escudos
Portugal é um jardim à beira-mar pelintrado.

Ossos no ofício
Ortopedista - ofício dos ossos.

Piratarias
O casamento do Capitão Morgan foi considerado um casamento morganático.

Papas e bolos
Casanova e Don Juan eram especialistas em festas avante.

Mais aborto
O Pato de Varsóvia grasna em polaco?

Espécie de esferovite
Tinha uma esfera de influências diversificada; era uma esfera multifacetada.

Drogas
Há um medicamento (que já tomei) que tira as dores de estômago mas faz mal ao estômago.

Concursos
Eram só cinco candidatos e, mesmo assim, não conseguiram ficar no top ten.

Aumento de exportações
Durante séculos, Portugal limitou-se a exportar carne humana e casca de árvore; agora lá vai exportando mais umas coisinhas. Segundo o DN, vamos agora exportar um novo produto para o Canadá: OSSADAS HUMANAS. Com o máximo respeito, é caso para dizer: comeram a carne, agora roam os ossos.

SdB (I)

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