31 maio 2013

A arte da lentidão *


Fotografia tirada e gentilmente oferecida pelo homem de Azeitão

Talvez precisemos voltar a essa arte tão humana que é a lentidão. Os nossos estilos de vida parecem irremediavelmente contaminados por uma pressão que não dominamos; não há tempo a perder; queremos alcançar as metas o mais rapidamente que formos capazes; os processos desgastam-nos, as perguntas atrasam-nos, os sentimentos são um puro desperdício: dizem-nos que temos de valorizar resultados, apenas resultados.
À conta disso, os ritmos de atividade tornam-se impiedosamente inaturais. Cada projeto que nos propõem é sempre mais absorvente e tem a ambição de sobrepor-se a tudo. Os horários avançam impondo um recuo da esfera privada. E mesmo estando aí é necessário permanecer contactável e disponível a qualquer momento. Passamos a viver num open space sem paredes nem margens, sem dias diferentes dos outros, sem rituais reconfiguradores, num contínuo obsidiante, controlado ao minuto. Damos por nós ofegantes, fazendo por fazer, atropelados por agendas e jornadas sucessivas em que nos fazem sentir que já amanhecemos atrasados.
Deveríamos, contudo, refletir sobre o que perdemos, sobre o que vai ficando para trás, submerso ou em surdina, sobre o que deixamos de saber quando permitimos que a aceleração nos condicione deste modo. Com razão, num magnífico texto intitulado “A lentidão”, Milan Kundera escreve: «Quando as coisas acontecem depressa demais, ninguém pode ter certeza de nada, de coisa nenhuma, nem de si mesmo.» E explica, em seguida, que o grau de lentidão é diretamente proporcional à intensidade da memória, enquanto o grau de velocidade é diretamente proporcional à do esquecimento. Quer dizer: até a impressão de domínio das várias frentes, até esta empolgante sensação de omnipotência que a pressa nos dá é fictícia. A pressa condena-nos ao esquecimento.
Passamos pelas coisas sem as habitar, falamos com os outros sem os ouvir, juntamos informação que nunca chegamos a aprofundar. Tudo transita num galope ruidoso, veemente e efémero. Na verdade, a velocidade com que vivemos impede-nos de viver. Uma alternativa será resgatar a nossa relação com o tempo. Por tentativas, por pequenos passos. Ora isso não acontece sem um abrandamento interno. Precisamente porque a pressão de decidir é enorme, necessitamos de uma lentidão que nos proteja das precipitações mecânicas, dos gestos cegamente compulsivos, das palavras repetidas e banais. Precisamente porque nos temos de desdobrar e multiplicar, necessitamos de reaprender o aqui e o agora da presença, de reaprender o inteiro, o intacto, o concentrado, o atento e o uno.
Lembro-me de uma história engraçada que ouvi contar à pintora Lourdes de Castro. Quando em certos dias o telefone tocava repetidamente, e os prazos apertavam e tudo, de repente, pedia uma velocidade maior do que aquela que é sensato dar, ela e o Manuel Zimbro, seu marido, começavam a andar teatralmente em câmara lenta pelo espaço da casa. E divergindo dessa forma com a aceleração, riam-se, ganhavam tempo e distanciamento crítico, buscavam outros modos, voltavam a sentir-se próximos, refaziam-se.
Mesmo se a lentidão perdeu o estatuto nas nossas sociedades modernas e ocidentais, ela continua a ser um antídoto contra a rasura normalizadora. A lentidão ensaia uma fuga ao quadriculado; ousa transcender o meramente funcional e utilitário; escolhe mais vezes conviver com a vida silenciosa; anota os pequenos tráficos de sentido, as trocas de sabor e as suas fascinantes minúcias, o manuseamento diversificado e tão íntimo que pode ter luz.

* José Tolentino Mendonça

In Expresso 25.5.2013

30 maio 2013

Fotografias dos dias que correm


Falando do nada



Apetece cantar…

A Natureza prepara-se para engrinaldar o mais agreste descampado, ao tecer a manta de cores variadas e de fios entretecidos num cruzamento de finas rendas. A sua arte desperta no momento maravilhoso em que os dias se tornam maiores e o Sol nos acaricia por mais tempo.

Apetece olhar as vertentes multicolores e deixar rolar os olhos, maravilhando o pensamento, e embevecer os sentidos na luminosidade das cores, fitando o desabrochar deslumbrante dos arbustos ou das plantas mais insignificantes.

Apetece subir ao palco pelos carreiros e sentirmo-nos também uma flor na paisagem!

Apetece cantar o encanto de se ser uma estrela numa constelação onde a luz não fere os olhos e esta repousa embalada por uma canção onde as abelhas são todas mestras e os zangões são todos tenores.

Apetece dilatar ao máximo permitido o peito, aspirando o ar balsâmico e retemperar as forças gastas na travessia do Inverno, sabendo que a barca condutora do nosso destino chegou sã e salva a um porto acolhedor, tendo partido de um mar de sargaços.

Apetece rezar uma oração de amor à Natureza, que se revela, cantando, a um mundo ferozmente arreigado no ódio, quando a paz do monte prolifera e é um exemplo para ver, sentir e viver!

Apetece cantar…

E viver…

E acreditar que tudo, doravante, vai ser diferente!

Que os homens vão acreditar, também, entre si…

Apetece cair de joelhos sobre as pedras duras, e ficar numa oração ardente a clamar a misericórdia do Alto para o mundo louco dos homens, dando-lhe graças pela infinita beleza das cores do monte, na esperança, que esta inunde um dia, os seus corações…

Por essa esperança, cantemos e vivamos!

JC

29 maio 2013

Duas últimas

Se o mundo fosse perfeito e aos meus amigos fosse pedida a infinita caridade de me caracterizarem, alguém teria de ser verdadeiro e afirmar sem rebuços: sempre foi um nostálgico. O resto, o bom e o mau, poderia ficar para segundas núpcias, que na hora da morte somos beneficiários de uma benevolência que nem sempre conhecemos em vida. Todos terão a liberdade de acrescentar grande, reservando-se para cada um o local onde querem colocar a palavra, que antes ou depois é toda uma diferença. 

Seja tempo de ócio ou de negócio, o meu cérebro não carece de estímulos para se atirar saudosamente às coisas do passado. Vem este post - com um atraso de vinte e quatro horas relativamente aos meus compromissos - a propósito de uma frase que li num blogue que frequento: em muitos de nós existe uma estranha nostalgia, a de um mundo destituído de técnica. A palavra nostalgia - talvez mesmo os seus derivados - activa um ponto específico no meu cérebro e o meu apelido torna-se pavlov, o homem cujo cão salivava ao tocar de uma campainha. A minha agenda, companheira fiel dos meus dias organizados, mencionava IRS, mas eu já não estava aí, porque, em boa verdade, quem é o ser humano que prefere ler um diário da república a deglutir uma doçaria conventual? 

Sou nostálgico mas, confesso, nunca me ocorrera a nostalgia de um mundo destituído de técnica. Não sinto falta do tempo em que não havia internet, telemóvel, satélites, previsão meteorológica fiável, discos compactos, aquecimentos centrais e frigoríficos que regurgitam cubos de gelo. Nem sempre sinto falta de um tempo mais fácil, menos solicitado, menos ruidoso, substancialmente mais lento. As minhas nostalgias são de um conjunto de sensações, independentemente da técnica - ou que eu, pelo menos, torno independente: é o prazer de receber uma carta, de manuscrever outra, de uma mão que se dá na escuridão de um cinema, de um olhar taquicárdico, de enfrentar junto uma onda de equinócio numa valentia juvenil. A minha nostalgia é de sensações próprias, não de um mundo vasto. O universo das minhas nostalgias é, roubando o título a um livro, o fundo da minha rua.

Sou, e nisso assemelho-me ao resto da humanidade, um viandante, numa peregrinação permanente do caminho certo para o meu corpo e para o meu espírito. Há quem me negue trouxas de ovos com a mesma sapiência com que me identifica as procuras, o que não deixa de causar impressão. Talvez toda esta nostalgia, não representando um ódio ao tempo presente, tenha uma explicação simples e prosaica, retirando encanto a algo que se supunha misterioso. Um dia, ao cair do sol por trás dos pinheiros que desaparecerão, tudo isso me será elucidado, e eu sorrirei, certo de que o tal fascínio morre como um homem bom - em paz e acompanhado. 

Deixo-vos com um slow, uma das minhas nostalgias. Dancei muitos, ouvi muitos, estremeci e senti o afastamento em muitos, porque uma pista é a metáfora da vida a dois, e a dança é a conjugalidade em movimento. Não atentei na letra, pelo que não sei de que fala. Em adolescente dançava e sentia um corpo que se juntava, um cabelo que roçava, uma imobilidade de transbordante contentamento, mas não percebia o que se cantava. Em bom rigor, também não queria saber.

JdB

   

28 maio 2013

Meu filho, você não merece nada *


A crença de que a felicidade é um direito tem tornado despreparada a geração mais preparada.

Ao conviver com os bem mais jovens, com aqueles que se tornaram adultos há pouco e com aqueles que estão tateando para virar gente grande, percebo que estamos diante da geração mais preparada – e, ao mesmo tempo, da mais despreparada. Preparada do ponto de vista das habilidades, despreparada porque não sabe lidar com frustrações. Preparada porque é capaz de usar as ferramentas da tecnologia, despreparada porque despreza o esforço. Preparada porque conhece o mundo em viagens protegidas, despreparada porque desconhece a fragilidade da matéria da vida. E por tudo isso sofre, sofre muito, porque foi ensinada a acreditar que nasceu com o patrimônio da felicidade. E não foi ensinada a criar a partir da dor.
Há uma geração de classe média que estudou em bons colégios, é fluente em outras línguas, viajou para o exterior e teve acesso à cultura e à tecnologia. Uma geração que teve muito mais do que seus pais. Ao mesmo tempo, cresceu com a ilusão de que a vida é fácil. Ou que já nascem prontos – bastaria apenas que o mundo reconhecesse a sua genialidade.
Tenho me deparado com jovens que esperam ter no mercado de trabalho uma continuação de suas casas – onde o chefe seria um pai ou uma mãe complacente, que tudo concede. Foram ensinados a pensar que merecem, seja lá o que for que queiram. E quando isso não acontece – porque obviamente não acontece – sentem-se traídos, revoltam-se com a “injustiça” e boa parte se emburra e desiste.
Como esses estreantes na vida adulta foram crianças e adolescentes que ganharam tudo, sem ter de lutar por quase nada de relevante, desconhecem que a vida é construção – e para conquistar um espaço no mundo é preciso ralar muito. Com ética e honestidade – e não a cotoveladas ou aos gritos. Como seus pais não conseguiram dizer, é o mundo que anuncia a eles uma nova não lá muito animadora: viver é para os insistentes.
Por que boa parte dessa nova geração é assim? Penso que este é um questionamento importante para quem está educando uma criança ou um adolescente hoje. Nossa época tem sido marcada pela ilusão de que a felicidade é uma espécie de direito. E tenho testemunhado a angústia de muitos pais para garantir que os filhos sejam “felizes”. Pais que fazem malabarismos para dar tudo aos filhos e protegê-los de todos os perrengues – sem esperar nenhuma responsabilização nem reciprocidade.
É como se os filhos nascessem e imediatamente os pais já se tornassem devedores. Para estes, frustrar os filhos é sinônimo de fracasso pessoal. Mas é possível uma vida sem frustrações? Não é importante que os filhos compreendam como parte do processo educativo duas premissas básicas do viver, a frustração e o esforço? Ou a falta e a busca, duas faces de um mesmo movimento? Existe alguém que viva sem se confrontar dia após dia com os limites tanto de sua condição humana como de suas capacidades individuais?
Nossa classe média parece desprezar o esforço. Prefere a genialidade. O valor está no dom, naquilo que já nasce pronto. Dizer que “fulano é esforçado” é quase uma ofensa. Ter de dar duro para conquistar algo parece já vir assinalado com o carimbo de perdedor. Bacana é o cara que não estudou, passou a noite na balada e foi aprovado no vestibular de Medicina. Este atesta a excelência dos genes de seus pais. Esforçar-se é, no máximo, coisa para os filhos da classe C, que ainda precisam assegurar seu lugar no país.
Da mesma forma que supostamente seria possível construir um lugar sem esforço, existe a crença não menos fantasiosa de que é possível viver sem sofrer. De que as dores inerentes a toda vida são uma anomalia e, como percebo em muitos jovens, uma espécie de traição ao futuro que deveria estar garantido. Pais e filhos têm pagado caro pela crença de que a felicidade é um direito. E a frustração um fracasso. Talvez aí esteja uma pista para compreender a geração do “eu mereço”.
Basta andar por esse mundo para testemunhar o rosto de espanto e de mágoa de jovens ao descobrir que a vida não é como os pais tinham lhes prometido. Expressão que logo muda para o emburramento. E o pior é que sofrem terrivelmente. Porque possuem muitas habilidades e ferramentas, mas não têm o menor preparo para lidar com a dor e as decepções. Nem imaginam que viver é também ter de aceitar limitações – e que ninguém, por mais brilhante que seja, consegue tudo o que quer.
A questão, como poderia formular o filósofo Garrincha, é: “Estes pais e estes filhos combinaram com a vida que seria fácil”? É no passar dos dias que a conta não fecha e o projeto construído sobre fumaça desaparece deixando nenhum chão. Ninguém descobre que viver é complicado quando cresce ou deveria crescer – este momento é apenas quando a condição humana, frágil e falha, começa a se explicitar no confronto com os muros da realidade. Desde sempre sofremos. E mais vamos sofrer se não temos espaço nem mesmo para falar da tristeza e da confusão.
Me parece que é isso que tem acontecido em muitas famílias por aí: se a felicidade é um imperativo, o item principal do pacote completo que os pais supostamente teriam de garantir aos filhos para serem considerados bem sucedidos, como falar de dor, de medo e da sensação de se sentir desencaixado? Não há espaço para nada que seja da vida, que pertença aos espasmos de crescer duvidando de seu lugar no mundo, porque isso seria um reconhecimento da falência do projeto familiar construído sobre a ilusão da felicidade e da completude.
Quando o que não pode ser dito vira sintoma – já que ninguém está disposto a escutar, porque escutar significaria rever escolhas e reconhecer equívocos – o mais fácil é calar. E não por acaso se cala com medicamentos e cada vez mais cedo o desconforto de crianças que não se comportam segundo o manual. Assim, a família pode tocar o cotidiano sem que ninguém precise olhar de verdade para ninguém dentro de casa.
Se os filhos têm o direito de ser felizes simplesmente porque existem – e aos pais caberia garantir esse direito – que tipo de relação pais e filhos podem ter? Como seria possível estabelecer um vínculo genuíno se o sofrimento, o medo e as dúvidas estão previamente fora dele? Se a relação está construída sobre uma ilusão, só é possível fingir.
Aos filhos cabe fingir felicidade – e, como não conseguem, passam a exigir cada vez mais de tudo, especialmente coisas materiais, já que estas são as mais fáceis de alcançar – e aos pais cabe fingir ter a possibilidade de garantir a felicidade, o que sabem intimamente que é uma mentira porque a sentem na própria pele dia após dia. É pelos objetos de consumo que a novela familiar tem se desenrolado, onde os pais fazem de conta que dão o que ninguém pode dar, e os filhos simulam receber o que só eles podem buscar. E por isso logo é preciso criar uma nova demanda para manter o jogo funcionando.
O resultado disso é pais e filhos angustiados, que vão conviver uma vida inteira, mas se desconhecem. E, portanto, estão perdendo uma grande chance. Todos sofrem muito nesse teatro de desencontros anunciados. E mais sofrem porque precisam fingir que existe uma vida em que se pode tudo. E acreditar que se pode tudo é o atalho mais rápido para alcançar não a frustração que move, mas aquela que paralisa.
Quando converso com esses jovens no parapeito da vida adulta, com suas imensas possibilidades e riscos tão grandiosos quanto, percebo que precisam muito de realidade. Com tudo o que a realidade é. Sim, assumir a narrativa da própria vida é para quem tem coragem. Não é complicado porque você vai ter competidores com habilidades iguais ou superiores a sua, mas porque se tornar aquilo que se é, buscar a própria voz, é escolher um percurso pontilhado de desvios e sem nenhuma certeza de chegada. É viver com dúvidas e ter de responder pelas próprias escolhas. Mas é nesse movimento que a gente vira gente grande.
Seria muito bacana que os pais de hoje entendessem que tão importante quanto uma boa escola ou um curso de línguas ou um Ipad é dizer de vez em quando: “Te vira, meu filho. Você sempre poderá contar comigo, mas essa briga é tua”. Assim como sentar para jantar e falar da vida como ela é: “Olha, meu dia foi difícil” ou “Estou com dúvidas, estou com medo, estou confuso” ou “Não sei o que fazer, mas estou tentando descobrir”. Porque fingir que está tudo bem e que tudo pode significa dizer ao seu filho que você não confia nele nem o respeita, já que o trata como um imbecil, incapaz de compreender a matéria da existência. É tão ruim quanto ligar a TV em volume alto o suficiente para que nada que ameace o frágil equilíbrio doméstico possa ser dito.
Agora, se os pais mentiram que a felicidade é um direito e seu filho merece tudo simplesmente por existir, paciência. De nada vai adiantar choramingar ou emburrar ao descobrir que vai ter de conquistar seu espaço no mundo sem nenhuma garantia. O melhor a fazer é ter a coragem de escolher. Seja a escolha de lutar pelo seu desejo – ou para descobri-lo –, seja a de abrir mão dele. E não culpar ninguém porque eventualmente não deu certo, porque com certeza vai dar errado muitas vezes. Ou transferir para o outro a responsabilidade pela sua desistência.
Crescer é compreender que o fato de a vida ser falta não a torna menor. Sim, a vida é insuficiente. Mas é o que temos. E é melhor não perder tempo se sentindo injustiçado porque um dia ela acaba.

Eliane Brum

* texto enviado por mão amiga

27 maio 2013

Fórmula para o caos


A Revolução sem culpa

Sempre que alguma maleita assola o " paraíso socialista venezuelano " logo os seus dirigentes apontam o dedo a factores, no mínimo, estranhos.

Em 2010 o país sofreu fortes cheias que provocaram a morte a dezenas de pessoas e deixaram milhares sem casa. Tratou-se de um fenómeno natural sem controlo possível. Mas, para o desaparecido Hugo Chávez, houve um culpado: o capitalismo. Segundo o, à época, líder venezuelano o modelo de desenvolvimentos das maiores economias do mundo provocava a destruição do planeta.

Em 2013 a Venezuela vive com escassez de vários produtos de primeira necessidade. Isto não é novidade nos países socialistas. Durante a década de 80 todo o Bloco de Leste enfrentou o mesmo problema, com as famosas "prateleiras vazias". Desta vez é papel higiénico que falta na Venezuela. Culpa do modelo socialista? Nem pensar. A culpa é do povo que anda a comer muito, Nicolás Maduro dixit.

Pedro Castelo Branco

26 maio 2013

Domingo ….. Se Fores à Missa!


Hoje celebra-se a Santíssima Trindade.  Um dos dogmas da igreja católica. Para a maioria de nós, seres pensantes e racionais, não é fácil entender esta trilogia. Três pessoas numa só?  Em miúda, costumava brincar com a Santíssima Trindade, imaginando-a num corpo com 3 cabeças. Depois, à medida que crescia e olhava os temas da Igreja com mais seriedade, achava que a Santíssima Trindade era uma espécie de ‘bancada’, com 3 níveis, em que o primeiro nível era ocupado pelo Pai, o chefe supremo, no segundo encontrava-se o Filho, o mensageiro da palavra do Pai e no nível mais inferior estava o Espírito Santo, que cuidava dos dois. 

Como se nas ‘coisas’ de Deus houvessem níveis!!  Mais tarde, já naquela fase em que a vida nos torna mais sábios e maduros, comecei a olhar e a entender a Santíssima Trindade de outra forma, a qual mantenho até hoje.

O Pai representa o poder do livre arbítrio que é dado a cada um de nós, individualmente; o Filho representa o amor nos nossos corações e o Espírito Santo representa a sabedoria da nossa alma e da nossa mente.

Descobri, principalmente, o poder e a importância do Espírito Santo (o tal nível que eu julgava inferior). Descobri um Espírito Santo vivo a quem se pode, e deve, recorrer quando precisamos de discernimento ou sabedoria para tomar uma decisão, para decidir sobre esta ou aquela opção, este ou aquele caminho.

Domingo, se fores à Missa ….Invoca a Santíssima Trindade!

MAF



Evangelho de Nosso Senhor Jesus Cristo segundo São João

Naquele tempo, disse Jesus aos seus discípulos: «Tenho ainda muitas coisas para vos dizer, mas não as podeis compreender agora. Quando vier o Espírito da verdade, Ele vos guiará para a verdade plena; porque não falará de Si mesmo, mas dirá tudo o que tiver ouvido e vos anunciará o que está para vir. Ele Me glorificará, porque receberá do que é meu e vo-lo anunciará. Tudo o que o Pai tem é meu. Por isso vos disse que Ele receberá do que é meu e vo-lo anunciará».

Palavra da salvação.

25 maio 2013

Pensamentos impensados


Charada
Carlos Cruz, Rito, Bibi e outros, quando ouviram a sentença, não perceberam nada daquela linguagem e disseram troquem-me isso por miudos.
 
Virtude
Enfezado - diz-se de pessoas com muita Fé.
 
Vontades
A gente, de propósito, até faz coisas sem querer.
 
Nautas
Portugal já teve uma marinha marcante; agora; nem mercante.
 
Negócios
Roupas em segunda mão? Em segunda mão só se forem luvas.
 
Longevidade
Descobri que já não posso morrer de repente; já cá ando há mais de 80 anos.

SdB (I)

24 maio 2013

Músicas dos dias que correm

O despojamento radical na Literatura*

O essencial é saber ver (Alberto Caeiro, in O Guardador de Rebanhos)

O despojamento radical e A Terceira Margem do Rio  

Um certo dia, um escultor “agarrou” num bloco de mármore puro do Carrara. Durante dois anos trabalhou afincadamente naquela massa de pedra, envolvendo-se em grande profundidade no tema que estava representar, até então pouco conhecido da maior parte das pessoas. Quando acabou, e teria, ao que se sabe, 25 anos, tinha esculpido uma das mais bonitas, se não a mais bonita, escultura de todos os tempos: a Pietà.

Chamava-se Miguel Ângelo Buonarroti e terá sido dele a frase:

Em cada bloco de mármore vejo uma estátua; vejo-a tão claramente como se estivesse na minha frente, moldada e perfeita na pose e no efeito. Tenho apenas de desbastar as paredes brutas que aprisionam a adorável aparição para revelá-la a outros olhos como os meus já a vêem.

O pensamento talvez se pudesse resumir numa frase mais simples, muito próximo de uma que ele terá proferido: uma escultura não é mais do que um bloco de pedra ao qual se retirou tudo o que era acessório.

Durante dois anos foi isso que Miguel Ângelo fez: retirou do bloco de mármore tudo o que estava a mais, tudo o que era acessório, tudo o que, do seu ponto de vista não acrescentava valor à obra. Nesta escultura, de 1,74m por 1,95 cm, não há nada a mais, nada a menos. As proporções estão perfeitas, artisticamente perfeitas; até o corpo de Jesus Cristo está propositadamente mais pequeno do que o de Nossa Senhora, para não o esmagar. Miguel Ângelo não acrescentou nada ao bloco de mármore; não lhe colou peças, não lhe juntou materiais. O que o artista fez foi despojar o bloco de mármore  do dispensável.

Os dicionários lembram que despojar significa privar da posse de; desapossar, tirar; despir, roubar, deixar, largar; renunciar, despir-se.

Ainda que aplicado à literatura, Milan Kundera usou, no seu livro A Arte do Romance, uma expressão particularmente feliz: clareza arquitectónica – um castelo não pode ser tão grandioso que não possamos abarcá-lo com a vista, um quatuor não pode durar nove horas, um livro não pode ser tão grande que nos esqueçamos do início.

Atentemos na Pietà: a estátua poderia ter o dobro da altura? Claro que poderia, o desafio não seria hercúleo para Miguel Ângelo. Mas conseguiríamos ver o encanto da escultura, a sua força, a sua beleza? Conseguiríamos ver o drama pungente de uma Mãe que carrega o Filho morto nos braços? Provavelmente não. Com mais de três metros de altura a estátua seria mais imponente, mas perderia a dimensão de clareza arquitectónica

Na mesma linha, Leos Janacek, compositor checoslovaco citado por Kundera, afirma: só a nota que diz algo de essencial tem o direito de existir. Regressamos, assim, à ideia referida acima para a Pietà: falamos do despojamento de tudo o que é acessório. Podíamos ainda falar no despojamento representado na arquitectura minimalista, de que um grande expoente foi Mies Van der Rohe: less is more

O despojamento – que também significa deixar, largar, renunciar – é uma prática antiga, talvez iniciada pelo monges. Cito José Mattoso, um professor desta casa: de facto, os monges não abandonaram a vida normal, não mergulharam no deserto, não procuraram o despojamento total de si mesmos senão para contemplarem a Deus e se unirem com Ele.

O despojamento pessoal não é mais do que a procura de uma vida mais simples, afastada da profusão de sensações, informações, notícias, ruído, desejos consumistas, que nos afastam do essencial, do que é importante, do que é belo.

A terceira margem do rio conta a história de um homem que se evade de toda e qualquer convivência com a família e com a sociedade, preferindo a completa solidão do rio, dentro de uma canoa. Por contradizer os padrões normais de comportamento, é considerado um desequilibrado. 

O narrador-personagem é seu filho, e relata todas as tentativas infrutíferas da família, vizinhos e conhecidos, de estabelecer algum tipo de comunicação com o solitário remador, que recusa qualquer contacto.

A família, inicialmente aturdida com a atitude do pai, vai-se acostumando ao seu abandono. Com o tempo, mudam-se da fazenda onde residiam. Só o narrador permanece, mas sua vida torna-se sem sentido, a não ser pelo desejo obstinado de entender os motivos da ausência do pai. Um dia, dirige-se ao rio, grita pelo pai e propõe tomar o seu lugar na canoa. A aperceber-se da concordância dele, o filho foge apavorado, desistindo da ideia.

O narrador-personagem dá-nos a conhecer um ser humano cujos ideais de vida divergem dos padrões aceites como normais. O único a persistir na busca de entendimento da opção do pai é o narrador, que não o deixa, e chega a desejar substituí-lo. A escolha do isolamento no rio instiga permanentemente o filho.

Qual o significado deste conto, apesar das várias interpretações? Considerando que o rio só tem duas margens, a busca de uma terceira margem poderá ter um significado metafísico. A viagem, no plano meramente material, seria sem destino e sem sentido. O homem foge de uma vida apagada, medíocre, em busca de respostas que não encontrou nas limitações e na superficialidade do senso comum. A terceira margem representa o subjectivo – o que não se vê, não se toca, não se conhece. Eternidade? Utopia?

Assim, ao partir em busca da terceira margem do rio, o homem vai à procura do desconhecido dentro de si, do sentido da vida. O homem toma a decisão de existir. O isolamento a que se entrega – uma forma de despojamento – é a única forma de ele entender os mistérios da alma, o que não é compreensível na vida.

O narrador-personagem, filho do homem da canoa, ao ser confrontado com a possibilidade de se despojar de tudo e ir procurar o essencial, desiste e vive amargurado.

O que é o despojamento radical na literatura? Será assim tão diferente dos vários despojamentos de que aqui falei? Do acessório que Miguel Ângelo retira do seu bloco de mármore, dos monges que abandonam a vida dita normal e mergulham no deserto, do less is more da arquitectura minimalista, do direito a existir das notas musicais apenas que dizem coisas essenciais, ou da evasão do homem do Sertão que vai viver para uma canoa no rio, à procura do que não encontra na vida real. Poderia ainda falar na metáfora mecânica de Gonçalo M Tavares: uma máquina só deve ter as peças que cumprem alguma missão. Na literatura aplica-se o mesmo princípio.

Para que serve o despojamento radical na literatura? Para que se consiga a clareza arquitectónica. Para que todas as palavras sejam imprescindíveis e cumpram o objectivo de Hermann Broch, ainda citado por Kundera: descobrir aquilo que só um romance pode descobrir é a única razão de ser de um romance. O romance que não descobre uma porção até então desconhecida da existência é imoral. O conhecimento é a única moral do romance.  

* dissertação apresentada na disciplina Tópicos de Teoria da Literatura, que servirá de base ao trabalho final

JdB

23 maio 2013

Fotografias dos dias que correm

Gentilmente oferecida pelo homem de Azeitão

Cartas dos dias que correram...

Meu querido Amigo,

Começo por não saber quem é o emissor e o destinatário desta carta. Sou eu para ti, ou eu para mim próprio? Talvez haja aqui uma dimensão de irrelevância, pois o importante é que se fale, se interiorize, se questione. Atente-se, por isso, no teor da mensagem, que tudo o resto é acessório.

Há larguíssimos meses jantámos em casa de amigos comuns, daqueles que partilham connosco visões, princípios e opções de vida intrinsecamente semelhantes. Havia, à volta daquela mesa, um menor múltiplo comum que nos unia a todos: família, ética, valores morais, a honestidade que não se negoceia. 

A dada altura falámos, no domínio das hipóteses académicas - e talvez ligado a um filme que surgiu na altura - sobre o que faríamos se a vida nos desse um prazo de validade de seis meses deixando-nos, no entanto, a saúde o o dinheiro para gozarmos o que restaria desta existência terrena. Estarás recordado que, de início, muitos de nós mencionavam o gozo das viagens que não tinham sido feitas, a leitura dos livros que tinham escapado, o aforro de divertimentos para futuro nenhum. Depois, pouco a pouco, talvez a nossa condição de crentes tivesse falado mais alto e o gozo, tão desmedido quanto possível, tivesse dado lugar a uma preocupação mais espiritual, de preparação para a eternidade em que todos, cada um à sua maneira, acredita. Talvez resumisse a minha posição, face à eventualidade de viver apenas seis meses, numa frase que me disse pessoa que estimo, ainda que os sentidos possam ser vários e as interpretações múltiplas: tentava deixar a casa arrumada.

Gosto da frase porque encerra, em meia dúzia de palavras, uma posição muito abrangente. Na realidade, o que é arrumar a casa? Deixar garantido o futuro dos filhos? Precaver-se da existência de dívidas? Gizar investimentos de médio/longo prazo? Beneficiar os que cá ficam com um recuerdo da nossa passagem pelas suas vidas? Arrumar a casa é, seguramente, tudo isso. Mas, atrevo-me a dizê-lo, é regularizar, também, a nossa relação com os que nos rodeiam, não deixar um ficheiro repleto de créditos mal parados na relações sociais e familiares, sentir que partimos ao cair do último dia do sexto mês e que, à volta do corpo inerte que é o nosso, estão todos os que passaram pela nossa existência: os que nos amaram e os que nos odiaram, aqueles para quem fomos um vestígio de indiferença ou uma lufada de amizade militante, aqueles que se cruzaram connosco e que remetemos para um olvido tingido de desprezo. 

Talvez a nossa verdadeira luta, aquela que tem os olhos postos em algo maior, seja, realmente, a arrumação da nossa casa: ir fechando gavetas de incompatibilidades, de caras que se voltam, de ruas que se atravessam num repente de disfarce, de ódios que nos corroem as entranhas, de raivas que sempre nos azedam, de faltas de paciência que diminuem o próximo, de mágoas que sentimos por quem pensamos que nos prejudicou, não esquecendo nunca que talvez tenhamos estado na génese de tudo.

Vem esta longa e maçadora carta a propósito, também, do livro de uma enfermeira australiana que passou vários anos à cabeceira de doentes terminais. Para que o livro não se tornasse num amontoado de depoimentos, organizou-os em pequenos grupos, aos quais chamou: Os cinco maiores arrependimentos à beira da morte. São eles:

- eu gostaria de ter tido a coragem de viver a vida que eu quisesse e não a vida que os outros esperavam que eu vivesse;
- eu gostaria de não ter trabalhado tanto;
- eu queria ter tido a coragem de expressar os meus sentimentos;
- eu gostaria de ter tido mais tempo para os meus amigos
- eu gostaria de ter-me permitido ser mais feliz. 

Percebe-se que a autora, propositadamente ou não, não entrou no campo espiritual, pelo que estas ideias poderão estar incompletas. Mas, não obstante, dão-nos algumas pistas. 

E nós, se estivessemos amanhã no leito onde se apagarão todas as máquinas, de que nos arrependeríamos?

Um grande abraço,

JdB  

22 maio 2013

Diário de uma astróloga – [52] – 22 de Maio de 2013


O homem em Bogotá e as quadraturas Úrano - Plutão

Recentemente li um conto da escritora americana Amy Hempel chamado “O Homem em Bogotá”. Aqui está a tradução da parte que mais me impressionou como astróloga: 

“Ele era um homem rico, um industrial que foi raptado e pedido um resgate...  A sua mulher não podia ligar para o banco e, em vinte e quatro horas, não conseguiu um milhão de dólares. Demorou meses. O homem tinha um problema no coração, e os sequestradores tinham de manter o homem vivo… Os seus captores fizeram-no parar de fumar. Mudaram a sua dieta e obrigaram-no a fazer exercício todos os dias. Mantiveram-no dessa forma durante três meses. Quando o resgate foi pago e o homem foi libertado, o médico examinou-o. Encontrou o homem de excelente saúde. … O médico disse que o rapto foi a melhor coisa que aconteceu ao homem em Bogotá. Ele pergunta-se como sabemos nós que o que nos acontece não é bom?”

O panorama astrológico de longo prazo tem sido dominado pelo quadratura entre Úrano e Plutão. Estes dois planetas encontraram-se pela terceira vez anteontem, precisamente a 90° um do outro.  Por questões de mecânica celeste, este encontro angular ainda se repete mais quatro vezes, sendo a última quadratura em Março de 2015. Estes dois personagens estiveram muito próximos em Agosto de 2011 e voltarão a avizinhar-se a 1° de distância no princípio de 2016. Por isso, podemos considerar um espaço de 6 anos em que este aspecto está operativo.


Sabemos que estamos a viver uma época tensa da história da humanidade a nível político e económico: Urano em Carneiro aponta para uma mudança activa, para a capacidade de lutar por um mundo mais justo,  igualitário, onde as pessoas têm maior possibilidade de viver livremente. Plutão em Capricórnio aponta para completa transformações dos sistemas económicos, políticos, sobretudo aqueles que não nos são úteis, que já não servem. Com a quadratura, estas duas energias entram em conflito e os governos e o grande capital agarram-se ao poder e o povo sofre e revolta-se.

Este acontecimento astronómico  excepcionalmente longo vai afectando durante seis anos os graus 5 a 17 dos Carneiro e Capricórnio, signos onde se encontram Urano e Plutão. Por oposição, toca também os mesmos graus de Balança e Caranguejo. A nível colectivo muitos países estão a ser afectados, mas deixo esses comentários para os meus colegas da astrologia politica.

A nível pessoal, a quadratura de Urano e Plutão afecta sobretudo quem tem o Sol, Lua ou ascendente na zona do Zodíaco onde estes dois planetas se cruzam. De uma forma menor, mas em certos casos não menos intensa, afecta também as pessoas que têm outros planetas do seu tema nestes graus e signos críticos.

É muita gente a sentir o tsunami de mudança (Urano)  e transformação (Plutão) na sua vida emocional, relacional, laboral. Muita gente está a sofrer com o estado da economia, com as medidas de austeridade, com o desemprego. Mudança e transformação, como palavras, podem meter medo, ou fazer prever uma vida melhor mas, enquanto vivemos os processos de mudança e, sobretudo, de transformação, descemos ao inferno. 

Na mitologia, Plutão rapta Perséfone e arrasta-a para o seu submundo. Não foi com certeza uma experiência agradável, nem para Perséfone, nem para o homem em Bogotá quando foi raptado. Ambos voltaram à superfície, livres mas mudados, transformados.

O rapto de Perséfone (pormenor) de Bernini (1598 – 1680) Galleria Borghese, Roma

Tal como os raptores do homem em Bogotá o obrigaram a deixar de fumar, a mudar a dieta, a fazer exercício, a energia da quadratura de Urano / Plutão está a obrigar-nos a viver de forma diferente. 

Não tenho palavras de alívio, somente tenho simpatia e empatia pelos que passam mal devido aos efeitos desta quadratura. Sei que vão sofrer perdas, ficar despojados de muitas coisas que julgavam essenciais, nalguns casos passar as penas do inferno, mas com alguma esperança pergunto: como sabemos nós que o que nos acontece não é bom?

Luiza Azancot

21 maio 2013

Moleskine

Coincidências. Na semana passada vendi o meu último carro profissional, com que tinha ficado quando saí da Lever. Depois de peripécias várias, que ainda persistem, acordei o valor com o comprador. Eram 13.30h do dia 16 de Maio quando o olhei pela última vez, passados quase 11 anos. Os meus filhos perguntaram-me se não tinha tido nostalgia. A resposta foi rápida: nenhuma! Não tenho qualquer afeição a carros, pouco mais são do que objectos que cumprem a missão de me transportar do lugar A para o lugar B. Nesse dia à tarde soube que àquela exacta hora e dia (13.30h, 16 de Maio) era comunicado aos trabalhadores da fábrica Lever, na cantina onde almocei milhares de vezes, que a fábrica ia fechar. Isso sim, foi nostalgia, porque iria desaparecer o local onde aprendi (quase) tudo o que sou profissionalmente. Curiosamente, no dia em que despachei o carro que utilizei durante quatro anos ao serviço de mais uma indústria que desaparece. Ele há coincidências...

Confiança. Fizemos o paredão na semana passada, como fazemos tantas vezes. Falámos de fulana, uma amiga comum, mas a quem nos liga uma militância de intensidade desigual. Fulana tem um filho muito adulto que é, pelas suas limitações físicas e mentais, fortemente dependente. Da vida profissional de fulana e do marido não pode dizer-se que seja difícil, porque isso seria um exagero elogioso. De facto, na maior parte das vezes será inexistente. Terão uma vida financeira que se classificaria de milagre económico, porque os rendimentos estão numa escala muito abaixo do reduzido. Não são vidas difíceis. São vidas muito difíceis, a roçar o quase impossível. 
No entanto, de fulana não se vê nem se ouve um queixume, uma revolta, uma apatia depressiva. Vejo-a raramente, mas avança sempre com um sorriso franco, aberto - e continuado. A persistência, garantem-me, mantém-se ao longo dos anos, porque a situação nunca foi particularmente melhor do que é agora. Um filho fortemente deficiente e muito pouco dinheiro é uma mistura que não desejamos a um inimigo. De onde lhe vem, perguntamos então, este sorriso? Vem da Fé? Vem da Confiança? E, se sim, em quê e em quê, uma pessoa que olha para o futuro e não vê o sorriso que ela própria tem permanente?
Não sei, de facto. Talvez seja Fé na vida, no que faz sentido (que é diferente do que tem de ser), em Deus, na inevitabilidade das coisas, em Nossa Senhora, na presença dos amigos. Talvez seja a Confiança que advém da aceitação da injustiça terrena, do fatalismo dos desequilíbrios mas, também, a confiança que lhe vem da energia da alma, da força inquebrantável com que vive, da convicção que Deus às vezes dá o frio conforme a roupa. 
Podemos viver sem Fé (no sentido religioso da palavra) mas não podemos viver sem confiança, sob risco do edifício que nos sustenta ruir por excesso de tensão interna. Talvez fulana tenha sido agraciada com tudo - aquilo que é desejável e aquilo que é imprescindível -, e viva nesta certeza sossegada de que há caminhadas agrestes mas que, apesar disso, pode confiar no sentido das coisas, no mistério que é existir, nos olhos que não se desviam, na esperança de mais um emprego temporário, nas cruzes injustas que a levam ao Céu, no amor retribuído de um filho adulto a quem ela faz a barba com desvelo. 
Confiar é acreditar que na vida tudo tem uma solução. Confiar é saber que precisamos de procurar e construir o nosso caminho, mas que há alturas em que devemos fechar os olhos, descansar a alma e os braços, e acreditar que a nossa existência é um puzzle cujas peças tendem para o encaixe. É ter, tantas vezes, o olhar simples de uma criança que acha que ser pequeno e ter esperança no destino são coisas boas. Confiar, confiar, confiar. Estará aí a solução para muitos problemas?


Fotografia que o homem de Azeitão me mandou quando lhe pedi algo relacionado com confiança...

Textos (enviado por mão amiga). Alguém dizia: "quando começamos a ter todas as respostas, a vida vem e troca-nos as perguntas". E é bem verdade: seja pela idade, que vai trazendo novidades; seja pelos tempos, que trazem novas relações, novas situações, novas tensões; estamos sujeitos a uma constante metamorfose interior e exterior. Com isso, a vida vai pedindo que não fiquemos satisfeitos com os passos dados; a vida exige que não nos fechemos nas respostas alcançadas. Nascemos peregrinos e sê-lo-emos até ao fim. Ou seja, até ao regresso definitivo a Casa (João Delicado, sj).  

JdB  

20 maio 2013

Pensamentos


Para que não te RECORDES
 
Ao Benfica, para entrar para o Guinness, só lhe falta perder a Taça de Portugal.

SdB (I)

Vai um gin do Peter’s?


Num gin anterior (22 de Abril), a exposição «360º Ciência Descoberta»(1) teve uma primeira abordagem, valendo a pena retomar o tema, numa outra perspectiva: a da revolução de mentalidades despoletada pelos Descobrimentos, que se repercutiu na ciência. Esta mostra resulta numa reposição justa e extraordinária da história portuguesa, ao revelar a achega dada pelos Descobrimentos marítimos dos séculos XV e XVI para a evolução da ciência moderna. Este reconhecimento, hoje aceite pela historiografia actual, data apenas de há uns 12 anos, tendo começado com historiadores espanhóis conceituados e logo contagiado os especialistas norte-americanos.
De todos os feitos associados à maior gesta da história pátria, o contributo para o saber costuma ser ignorado, embora naquele tempo tenha sido diferente. Só que não deixou rasto. Exemplo disso é o comentário de Kepler ao ímpeto revolucionário dado à ciência por Galileu, considerando-o o «Colombo» (sic) do século XVII. 

Um parêntesis curioso: nesta exposição encontra-se matéria de sobra para romances históricos empolgantes, envolvendo as intrigas do poder; ou os inúmeros segredos de estado relacionados com mapas, técnicas náuticas, instrumentos marítimos inovadores, etc.; ou a guerra de espionagem à volta dos segredos cobiçadíssimos pelas potências estrangeiras; ou as peripécias ligadas à conquista de um planeta desconhecido, que passou a ser mapeado a 360º; ou o entusiasmo com as novas propriedades da fauna e flora exóticas, assim como o modus vivendi tão original de civilizações longínquas ou ainda o fascínio com as paisagens inimagináveis para um europeu; ou toda a aventura humana impulsionada pelos fluxos migratórios no seio de um império nascente, onde o sol não se punha, do Extremo Oriente à América do Sul.

Sobre as façanhas e roubos dos espiões, a exposição (e catálogo) alude ao célebre desvio do Planisfério de Cantino (1502), levado para Itália por um agente do Duque de Ferrara – Alberto Cantino – que o adquiriu ao arrepio das ordens régias, especialmente restritivas neste campo. Além de decorativo, era muitíssimo informativo, com o continente americano e a Ásia devidamente cartografados, o meridiano de Tordesilhas, a indicação de portos e pontos de apoio para a navegação.
   

Dimensões confortáveis para a consulta, com óptima legibilidade: 22ocm X 105cm.

Será exagero afirmar que um novo mundo originou uma nova ciência, como sugere a exposição?

Na exposição, vê-se o salto qualitativo dos mapas, operado em poucas décadas, passando-se de uma focagem centrada na bacia mediterrânica para a cartografia total do planeta. Finalmente, a terra toda, como se afirma na Gulbenkian. 
Se as mudanças ao nível da quantidade inusitada de novos dados foram, só por si, impressionantes (geografia, ciências naturais, astronomia, cosmografia, matemática, medicina, economia, etc.), não foi menos relevante o avanço nas mentalidades, como talvez nunca antes a humanidade terá vivido, em tão curto espaço de tempo. Nunca como agora se provava o alcance vital do conhecimento, conforme Platão precocemente descortinara (aludindo ao auto-conhecimento mas extensível a todo o saber): «A coisa mais indispensável a um homem é reconhecer o uso que deve fazer do seu próprio conhecimento». O alargamento da Terra conhecida e agora integralmente traçada nos planisférios reflecte-se no alargamento das ideias. O espaço globaliza-se, o tempo ganha uma escala inédita, os povos das proveniências mais remotas começam a aproximar-se. O mundo lança-se num processo de globalização sem precedentes e sem retorno.
Do saber certificado pela autoridade das figuras incontestadas do antigamente, com escritos que sustentavam toda a base do conhecimento, passa-se ao saber comprovado através da experiência e pelo olhar presencial, que põe em causa as fontes antigas. Acresce ainda que os novos observadores não possuem estatuto especial, valendo apenas por serem as testemunhas das novidades achadas. Novidades essas, que emprestavam poder a homens comuns, agora capazes de desafiar referências até ali consagradas. Por isso, acabaram por ser gentes anónimas a denunciar o limite gritante do saber milenar, afinal tão parco. No fundo, o próprio poder começava a estender-se a mais actores, descentralizando-se sub-repticiamente, num contínuo firme e galopante.   

O estudo e o registo enciclopédico, carburados nos gabinetes de outrora, dão lugar ao contacto directo com a realidade – um novo procedimento que marcará a postura do cientista moderno. Aquela circulação intensa de conhecimentos, além de criar uma perspectiva global do saber, gerou um novo olhar sobre a realidade, emergindo a relevância da curiosidade aplicada, baseada na observação in loco. Uma curiosidade que conseguiu contagiar toda a sociedade, ávida de também ver a avalanche de seres bizarros que os viajantes dos galeões descreviam. Os canais do saber começavam a atingir capilarmente todo o tecido social, deixando de se confinar a um número ínfimo de privilegiados.

Da pequena elite de sábios que perdurara até ao final da Idade Média, o saber passa a disseminar-se por uma classe imensa de artesãos, marinheiros quase analfabetos, favorecendo ainda o aparecimento de grupos de técnicos, intervenientes na ocupação de lugares recônditos e no movimento comercial de escala planetária. Assiste-se a uma democratização gradual (e embrionária) do conhecimento, também apoiada pela eclosão de uma nova literatura editada em vernáculo, mais acessível à maioria.  

É bem expressivo, como mostra «360º», a mudança dos objectos ora valorizados: do pequeno escritório atulhado de livros e onde reinava o silêncio, passa-se aos gabinetes de curiosidades, repletos de espécimen de outras latitudes, instrumentos náuticos, portulanos e globos, um surto colorido de colecções, artefactos de lugares remotos, amigos e admiradores, algazarra e animação, a par de um ou outro livro:

Um universo livresco, austero e solitário.
 TELA: «A Philosopher in his Study», de Gerrit Van Honthorst b. 1590. 


Nos antípodas: um universo faustoso onde se ostenta a máxima diversidade. 
TELA: «The Archdukes Albert and Isabella (of Habsburg) Visiting a Collector's Cabinet»,
de Jan Brueghel the Elder(1568–1625), no Walters Museum of Art – Baltimore.

De uma minoria com acesso aos raros (e caríssimos) instrumentos técnicos existentes, passa-se ao domínio de instrumentos sofisticados (mas feitos em materiais comuns) pelo pessoal de bordo das naus portuguesas, que ganharam destreza a manusear o quadrante, a balestilha, o astrolábio, o anel náutico (de Pedro Nunes), completando a determinação das latitudes, em pleno oceano, com cálculos matemáticos até ali circunscritos aos estudiosos. A simples bússola, adequada ao Mediterrâneo, torna-se obsoleta. Regista-se, então, um crescimento exponencial do público destinatário dos saberes, conferindo estatuto a uma classe de profissionais intermédios, capazes de estabelecer a ponte entre os artesãos e os académicos, que até ali coabitavam em mundos paralelos e apartados um do outro.


Um instrumento de uso difícil, em mar alto, como puderam
comprovar os convidados da Gulbenkian na expedição náutica
a bordo do veleiro «Polar», realizada no âmbito desta exposição. 

Do conceito algo abstracto, mas aceite em todo o Ocidente, de que o planeta era esférico (só na China se considerava que seria quadrado), passa-se à evidência concreta e palpável desse facto, atestado pelas multidões envolvidas nos Descobrimentos, que até ali nunca tinham sido audíveis no segmento selectivo dos sábios. Afinal, coube aos marinheiros dos reinos peninsulares o mérito de ter dado substância a um dado até ali excessivamente conceptualizado.

Após as sangrentas ofensivas no Norte de África e à dureza dos anos de guerra civil e profundas convulsões sociais em Portugal (fim do século XIV, culminando com o início da dinastia da Casa de Avis), passa-se a um período de optimismo e festividade, pouco comum na história nacional. O matemático aclamado além-fronteiras – Pedro Nunes – é disso porta-voz, confiando no ritmo deslumbrante e aparentemente imparável dos novos conhecimentos detidos pelos Portugueses: «As navegações deste reino, de cem anos a esta parte, são as maiores, as mais maravilhosas, de mais altas e mais discretas conjunturas, que as de nenhuma outra gente do mundo. Os portugueses ousaram cometer o grande mar aceano (...). Descobriram novas ilhas, novas terras, novos mares, novos povos e, o que mais é, novo céu e novas estrelas.» (1537)


Matemático português (1502-1578) célebre na Europa do seu tempo,
que desenvolveu as técnicas de navegação e inventou ferramentas de medida
como o anel náutico, o instrumento de sombras e o nónio. 

No mural ao fundo da exposição, deparamo-nos com um vasto elenco de nomes praticamente incógnitos, a confirmar o papel crucial de tantos valorosos omissos (a maioria) nos manuais de história, mas a quem os grandes cientistas dos séculos seguintes ficaram altamente devedores, como Copérnico, Galileu, Kepler, mais tarde Newton e muitos outros.  
Entre as perguntas que nos assaltam e nos fazem procurar as causas do desenvolvimento lusitano tão pujante quanto precário, «360º» (mais ainda, o catálogo) ajuda-nos a reflectir sobre a relação directa entre o domínio técnico-científico e os recursos financeiros. Indissociáveis, revelam-nos a História. Como assinala o catálogo: «E voltaram (os historiadores clássicos) à antiga e sempre relevante questão da relação entre actividade económica e produção científica, notando, em particular, como as linhas de comércio haviam funcionado historicamente como canais de comunicação científica.» (p.95)
Cabe ainda uma menção final a alguma sedimentação bem eficaz do saber feita em Portugal, quer através dos «Armazéns da Índia» que, ao serviço da coroa, inventariavam e geriam os dados recolhidos a bordo, quer do ensino jesuíta, em especial da matemática, com a célebre «Aula da Esfera», no Colégio de Sto. Antão (actual Hospital de S.José). Ali se preparavam os mais jovens para a missionação junto da corte do Império do Meio, onde a presença da Companhia foi preponderante até à deposição do último imperador chinês, em 1912(2). Isso permitiu que, até à extinção da Ordem no nosso país, pelo Marquês de Pombal, matemáticos de renome internacional leccionassem em Lisboa, ao serviço dos jesuítas.
Convenhamos que os Descobrimentos foram uma iniciativa algo atípica entre nós, pensada com boa antecedência e implementada com enorme rigor, organização, além de sentido prático. Segundo o testemunho directo de Pedro Nunes: «Ora manifesto é que estes descobrimentos de costas, ilhas e terras firmes não se fizeram indo a acertar, mas partiam os nossos mareantes mui ensinados e providos de instrumentos e regras de astrologia e geometria. Levavam cartas muito particularmente rumadas e não já as de que os Antigos usavam (...).»
Além da Feira do Livro (de 23 a 10 de Junho), até 2 de Junho pode gozar-se esta exposição bem interessante, que se clarifica melhor com o catálogo. «360º» tem a vantagem adicional de nos transmitir alguma da esperança que perpassa no Portugal do século XVI, ali representado. Garcia de Orta condensa-o espantosamente, com a autoridade de ter sido dos principais descobridores, precisamente no campo científico: «O QUE HOJE NÃO SABEMOS, AMANHà SABEREMOS» (1563). Só para interiorizarmos esta convicção bem positiva (naturalmente, a partir de motivos inspiradores), já vale a pena rumar até à Fundação na av. de  Berna…  Programas não faltam, em Lisboa.  

Maria Zarco
(a  preparar o próximo gin tónico, para daqui a 2 semanas)
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 (1) http://www.gulbenkian.pt/object160article_id4101langId1.html Comissário: Henrique Leitão. De 2 mar a 2 jun 2013  |  10:00 - 18:00  |  Encerra às segundas.                                          
A exposição reparte-se por seis grupos temáticos:
I – O SABER PELA PALABRA
II – O ESPANTO DA NOVIDADE
III – DO MEDITERRÂNEO AO MUNDO TODO
IV – CADA ESTRELA É UM NÚMERO
V – PLANEAR: A GESTÃO DO SABER
VI – DO MUNDO NOVO UMA CIÊNCIA NOVA.
(2) Propriamente, a saída definitiva da Companhia de Jesus dá-se mais tarde, a 8 de Setembro de 1955, quando o governo comunista prende o Bispo de Xangai e toda a comunidade católica que sobrevivera às várias reviravoltas políticas. Mas a partir do afastamento do último imperador, a presença daqueles missionários no país torna-se problemática e arriscada.     



As maravilhas do mundo natural exibidas na Gulbenkian voltam a encantar o
Velho Continente. A vitrina linda, onde estão expostas, ajuda a valorizar as peças.

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