25 julho 2024

Pensamentos dos dias que correm

 

Lua funchalense, 22 de Julho de 2024

A Felicidade vem da Monotonia

Em sua essência a vida é monótona. A felicidade consiste pois numa adaptação razoavelmente exacta à monotonia da vida. Tornarmo-nos monótonos é tornarmo-nos iguais à vida; é, em suma, viver plenamente. E viver plenamente é ser feliz.

Os ilógicos doentes riem - de mau grado, no fundo - da felicidade burguesa, da monotonia da vida do burguês que vive em regularidade quotidiana e, da mulher dele que se entretém no arranjo da casa e se distrai nas minúcias de cuidar dos filhos e fala dos vizinhos e dos conhecidos. Isto, porém, é que é a felicidade.

Parece, a princípio, que as cousas novas é que devem dar prazer ao espírito; mas as cousas novas são poucas e cada uma delas é nova só uma vez. Depois, a sensibilidade é limitada, e não vibra indefinidamente. Um excesso de cousas novas acabará por cansar, porque não há sensibilidade para acompanhar os estímulos dela.

Conformar-se com a monotonia é achar tudo novo sempre. A visão burguesa da vida é a visão científica; porque, com efeito, tudo é sempre novo, e antes de este hoje nunca houve este hoje.

É claro que ele não diria nada disto. Às minhas observações, limita-se a sorrir; e é o seu sorriso que me traz, pormenorizadas, as considerações que deixo escritas, por meditação dos pósteros. 

Fernando Pessoa, in 'Reflexões Pessoais'

24 julho 2024

Dos mistérios *



Volto ao tema e ao filme, pois sou um descrente da ideia de que não podemos voltar aos sítios onde fomos felizes. Sou feliz a ver o filme, não pelo filme em si, mas porque vejo a Gwyneth Paltrow e oiço, por duas vezes (para meu grande gáudio imerecido) a frase redentora que hoje aqui me traz. Neste trecho que aqui apresento, é aos 1'30". Mas já fora antes, numa situação igualmente bicuda: I don't know, it's a mistery. Mistério, essa palavra que para os gregos significava cerimónia secreta.

Llorca, o malogrado poeta espanhol, entrou-me esta semana em casa pela pena sempre inquietante (para adjectivar benevolamente) de António Lobo Antunes. E cita ele o poeta: solo el misterio nos hace vivir. Sólo el misterio. O bom senso mandará que não se ligue levianamente Llorca a Shakespeare, embora não consiga dizer exactamente porquê. Só que, neste caso, ligo Llorca a uma frase de um personagem, pelo que serei perdoado pela minha ligação aparentemente impossível, hábito que fui adquirindo e que foi apreciado por quem achava, ingenuamente, que ler-me era aprender. Talvez fosse apenas aprender-me, e mesmo isso foi chão que deu uvas. 

Volto ao tema.

Por duas vezes o personagem do filme se confronta com situações aparentemente irresolúveis. E pelas mesmas duas vezes responde quando lhe perguntam como tudo se resolverá: não sei, é um mistério. E este personagem - digo eu, que não sei exactamente se existiu - leria Llorca uns séculos mais à frente, percebendo que era o tal mistério, o que resolvia tudo, que justificava a vida. Melhor, que era a única motivação para a vida. 

A confiança no mistério da vida é o exercício da confiança na vida. A frase não é uma espécie de anagrama incompleto, apenas um jogo de palavras que exprime o essencial, aqui e agora. O personagem não sabe como tudo se resolve, mas o facto é que se resolve. Há peça, quando parecia não haver dinheiro, e há Julieta, não um canastrão com voz aflautada e barba disfarçada, mas a Gwyneth Paltrow, essa mulher cujo encanto é, para mim, uma cerimónia secreta. Se ela é muito bonita? Não sei - é melhor. 

A vida é um mistério - porque nos apaixonamos, porque nos desapaixonamos, como resolvemos alguns problemas complexos e bloqueamos a resolução de outros mais. Tuo aquilo porque vale a pena viver é esse mistério, e nada mais do que o mistério. Como qualquer mortal, há alturas em que o mistério é uma montanha inexpugnável, e o que eu queria, mesmo, era saber o caminho que me leva à glória. E não, não seria com a Gwyneth, entretida a ser odiada pela comunidade dos seus pares.

JdB  

* publicado originalmente a 9 de Fevereiro de 2018    

23 julho 2024

Pensamentos dos dias que correm

 A Dor Evitada 

É certo que a infelicidade não depende apenas da dor, mas a alegria, essa, só devia depender da ausência de dor física. Vinte séculos inteiros e completos não inventaram uma explicação do sofrimento; sofre-se em comparação com o que é não sofrer, e nenhum homem saudável quer ser educado previamente para aquilo que é mau. Já não se treina a resistência à dor: evita-se, sim, a mistura com essa 'coisa' repelente.

Gonçalo M. Tavares, in "A Máquina de Joseph Walser"

***

A Dor como Padrão para a Intensidade dos Sentidos

Normalmente, a ausência de dor é apenas a condição física necessária para que o indivíduo sinta o mundo; somente quando o corpo não está irritado, e devido à irritação voltado para dentro de si mesmo, podem os sentidos do corpo funcionar normalmente e receber o que lhes é oferecido. A ausência de dor geralmente só é «sentida» no breve intervalo entre a dor e a não-dor; mas a sensação que corresponde ao conceito de felicidade do sensualista é a libertação da dor, e não a sua ausência. A intensidade de tal sensação é indubitável; na verdade, só a sensação da própria dor pode igualá-la.

Hannah Arendt, in 'A Condição Humana'

***

O Homem não Foge da Dor

Não é verdade que o homem procure o prazer e fuja da dor. São de tomar em conta os preconceitos contra os quais invisto. O prazer e a dor são consequências, fenómenos concomitantes. O que o homem quer, o que a menor partícula de um organismo vivo quer, é o aumento de poder: é em consequência do esforço em consegui-lo que o prazer e a dor se efectivam; é por causa dessa mesma vontade que a resistência a ela é procurada, o que indica a busca de alguma coisa que manifeste oposição.
A dor, sendo entrave à vontade de poder do homem, é portanto um acontecimento normal - a componente normal de qualquer fenómeno orgânico. E o homem não procura evitá-la, pois tem necessidade dela, já que qualquer vitória implica uma resistência vencida.
Tome-se como exemplo o mais simples dos casos, o da nutrição de um organismo primário; quando o protoplasma estende os pseudópodes para encontrar resistências, não é impulsionado pela fome, mas pela vontade de poder; acima de tudo, ele intenta vencer, apropriar-se do vencido, incorporá-lo a si. O que se designa por nutrição é pois um fenómeno consecutivo, uma aplicação da vontade original de devir mais forte.
Em tudo isto, a dor não só tem por consequência necessária a diminuição da sensação de poder, como até serve, na maioria dos casos, como excitante da mesma sensação de poder, sendo o obstáculo um stimulus dessa vontade de poder.

Friedrich Nietzsche, in 'A Vontade de Poder'

21 julho 2024

XVI Domingo do Tempo Comum

EVANGELHO – Marcos 6,30-34

Naquele tempo,
os Apóstolos voltaram para junto de Jesus
e contaram-Lhe tudo o que tinham feito e ensinado.
Então Jesus disse-lhes:
«Vinde comigo para um lugar isolado
e descansai um pouco».
De facto, havia sempre tanta gente a chegar e a partir
que eles nem tinham tempo de comer.
Partiram, então, de barco
para um lugar isolado, sem mais ninguém.
Vendo-os afastar-se, muitos perceberam para onde iam;
e, de todas as cidades, acorreram a pé para aquele lugar
e chegaram lá primeiro que eles.
Ao desembarcar, Jesus viu uma grande multidão
e compadeceu-Se de toda aquela gente,
que eram como ovelhas sem pastor.
E começou a ensinar-lhes muitas coisas.

18 julho 2024

Crónica de férias no Funchal (I)

 

Para já, Funchal voltou ao seu melhor: uma temperatura amena, uma teor de humidade aceitável, um banho fantástico com amigos no Clube Naval, uma gente simpática onde quer que se vá, um peixe fresco e barato, uns bifes de atum no ponto certo. Vir ao Funchal é um gosto muito grande, e não só porque se tem a sensação de férias. Num certo sentido - e muito mal comparado - eu tenho o gosto de vir ao Funchal uma vez por ano como outros têm gosto na Ericeira, na Quinta do Lago, em S. Martinho ou em Moledo. Há um sentido de uma certa pertença, de familiaridade, da leveza que decorre de se saber onde se está.

O barco que se vê na fotografia é o barco que se vê da casa onde fico estes 10 dias - mar, muito mar, umas manhãs gloriosas, uns fins de tarde com uma luminosidade fantástica. O resto do tempo de mar será no Clube de Turismo onde não há areia nem muita gente, dois factores que me são menos favráveis no gosto que tenho pelos banhos de mar.

JdB  

17 julho 2024

Vai um gin do Peter’s ?

 CURTA-METRAGEM SOBRE O MELHOR DA HUMANIDADE  

Um filme circulado pela Sociedad Barcelona Videos, em 2019, convida as pessoas a interessar-se pelos mais chegados, começando pelos da proximidade geográfica. Ironicamente, esta interpelação foi lançada um ano antes da Covid-19, que nos obrigou à reclusão total, em casa (menos mau, o local do cativeiro) e a guardar a máxima distância de tutti quanti, começando pela vizinhança com quem há maior probabilidade de nos cruzarmos. Hoje, bem depois de a Organização Mundial de Saúde ter decretado o fim do risco pandémico, a maioria das pessoas retomou os encontros e o arejo dos bons tempos pré-covid, ‘quando éramos felizes e não sabíamos’. Por isso, o pequeno conto filmado volta a adequar-se ao actual status quo, sem restrições de convívio. 

O título «SOLO NECESSITAMOS DE UMA EXCUSA PARA SER AMIGOS» ecoa o apelo do Papa filósofo Bento XVI, quando alertou para os tremendos equívocos de um mundo supostamente transformado em aldeia, graças às ligações interplanetárias operadas pelos avanços nas telecomunicações, mas sem ter conseguido converter os vizinhos em ‘próximos’. Esse não é um avanço ao alcance de nenhum progresso tecnológico, pois continua a depender das opções do coração humano. Como bem observavam Llosa, Joyce, Faulkner, Tolstoi e outros grandes da literatura, o horizonte da humanidade esgrime-se no íntimo do ser humano e convoca a riqueza interior de cada um, exigindo uma consciência da realidade e uma capacidade afectiva aguçadas. Nada disto depende da tecnologia, cujas proezas podem antes ajudar a anestesiar e a entorpecer quem queira viver distraído, à deriva, tentando esquivar-se à tensão profunda que uma vida consciente e consequente implica:   


As novas plataformas sociais permitem o contacto com interlocutores no outro lado do planeta, mas raramente nos ajudam a reconhecer como ‘próximo’ quem está ao lado. Ao invés, têm exacerbado a estranheza social e tornado a realidade palpável mais distante e inacessível:
 

Imagens de visitas de estudo a museus, legendadas com «aborrecidos». Apesar de poder haver  algum episódio explicável por um pedido de pesquisa, in loco, por quem estivesse a orientar a visita guiada, a generalidade tem merecido a interpretação mais óbvia.
A fotografia à esq., com a tela de Rembrandt em fundo, é da autoria de Gijsbert van der Wal.

O vício da net e do telemóvel, a agravar-se com a idade, até ao final sarcástico, em que o vício persiste para lá da longevidade humana.

A banda sonora do filme acentua a mensagem visada, ao som de «What the world needs now is love». A ária de Burt Bacharach, com letra de Hal David(1), tem acumulado décadas de êxitos, desde o seu lançamento, em 1965, interpretada por Jackie DeShannon. Mais tarde, as vozes quentes de Dionne Warwick, de Tom Jones  e de tantos outros prolongaram-lhe o sucesso: 


Pelo caminho, em plena guerra do Vietnam (1971), a música adquiriu fortes conotações políticas através do remix feito pelo DJ Tom Clay, que a incorporou no single «What the World Needs Now is Love/Abraham, Martin and John». Ali emergiu como manifesto contra a dose de violência e de preconceitos na sociedade ocidental, sobretudo a norte-americana, que gera ódios, guerras e assassinatos em cadeia. Para ilustrar o ponto, o videoclip repassa os homicídios de grandes personalidades políticas do país, como o Presidente Lincoln, que pôs termo ao esclavagismo, o carismático opositor do racismo que foi Luther King, além dos manos Kennedy e de outros alvos eloquentes do lado (também) sangrento da história da superpotência atlântica. No rescaldo do bizarro e recentíssimo atentado contra Donald Trump, tudo volta a soar demasiado actual, demasiado familiar: 


Para além deste hit musical, Bacharach compôs outras baladas memoráveis, que se ouvem incansavelmente. Não sabem envelhecer. Aqui fica uma selecção feliz (creio), sustentada em excelentes intérpretes:  


Uma mensagem positiva da curta-metragem catalã e canadiana vem do facto de o gesto mais espontâneo e generoso provir da criança pequenina, ainda alheia ao individualismo extremo dos adultos. Cabe-lhe o papel central a reverter a actual obsessão pela produtividade, que apenas autoriza hobbies egocêntricos, condenando à solidão os ‘improdutivos’. Soma-se ainda um momento de suspense, que acentua o potencial da grandeza ao alcance do ser humano. 

A conclusão do conto tem muito a ver com as férias, pois desemboca no hashtag: #eatTogether. A tranquilidade das férias ajuda a retomar os bons hábitos da vida de família, do convívio. A possibilidade que oferece de saborearmos o tempo, também as converte no momento ideal para voltarmos a tocar e mergulhar, diretamente, na realidade, sem a intermediação dos algoritmos e de toda a parafernália informática que tende a ritmarmos o dia-a-dia. Boas férias a quem já esteja a gozá-las. 

Maria Zarco
(a preparar o próximo gin tónico, para daqui a 2 semanas)

______________
(1)  Letra de WHAT THE WORLD NEEDS NOW IS LOVE:

«What the world needs now is love sweet love
It's the only thing that there's just too little of
What the world needs now is love sweet love
No not just for some but for everyone

Lord we don't need another mountain
There are mountains and hillsides enough to climb
There are oceans and rivers enough to cross
Enough to last 'til the end of time

What the world needs now is love sweet love
It's the only thing that there's just too little of
What the world needs now is love sweet love
No not just for some but for everyone

Lord, we don't need another meadow
There are corn fields and wheat fields enough to grow
There are sunbeams and moonbeams enough to shine
Oh listen Lord, if you want to know

What the world needs now is love sweet love
It's the only thing that there's just too little of
What the world needs now is love sweet love
No not just for some but for everyone

What the world needs now is love sweet love
What the world needs now is love sweet love
What the world needs now is love sweet love

What the world needs now is love sweet love
What the world needs now is love sweet love»

15 julho 2024

Músicas dos dias que correm

Parto hoje para a minha estadia anual no Funchal. Durante 12 dias ouvirei o português com sotaque, reverei amigos recentes mas bons, comerei milho frito, espetadas e bodião. Durante estes dias tomarei banho num mar fantástico, cavado, com uma óptima temperatura. Darei mergulhos de um pontão, fingindo ser menino de novo, gozarei de uma temperatura que já foi mais amena, pois o ano passado bateu nos 30ºC. 

JdB 

14 julho 2024

XV Domingo do Tempo Comum

 EVANGELHO – Marcos 6,7-13

Naquele tempo,
Jesus chamou os doze Apóstolos
e começou a enviá-los dois a dois.
Deu-lhes poder sobre os espíritos impuros
e ordenou-lhes que nada levassem para o caminho,
a não ser o bastão:
nem pão, nem alforge, nem dinheiro;
que fossem calçados com sandálias,
e não levassem duas túnicas.
Disse-lhes também:
«Quando entrardes em alguma casa,
ficai nela até partirdes dali.
E se não fordes recebidos em alguma localidade,
se os habitantes não vos ouvirem,
ao sair de lá, sacudi o pó dos vossos pés
como testemunho contra eles».
Os Apóstolos partiram e pregaram o arrependimento,
expulsaram muitos demónios,
ungiram com óleo muitos doentes e curaram-nos.

11 julho 2024

Poemas dos dias que correm

Amador sem coisa amada

Resolvi andar na rua
com os olhos postos no chão.
Quem me quiser que me chame
ou que me toque com a mão.
 
Quando a angústia embaciar
de tédio os olhos vidrados,
olharei para os prédios altos,
para as telhas dos telhados.
 
Amador sem coisa amada,
aprendiz colegial.
Sou amador da existência,
não chego a profissional.  
 
antónio gedeão
poemas escolhidos
edições joão sá da costa
1999

10 julho 2024

Da ansiedade e da divina providência *

 Tudo isto me importa muito, porque o tema maior da minha reflexão é a ansiedade e julgo que a Divina Providência pode ser relacionada e ser, até, uma chave para a sua resolução.


***

Como relacionar ansiedade e divina providência? Como fazer com que esta resolva aquela? O meu primeiro ímpeto é da ordem da impossibilidade: não são relacionáveis duas coisas se uma delas não existir. Ora, na minha ideia, a divina providência - pelo menos no sentido que lhe é dado vulgarmente - não faz parte de nenhuma realidade material ou imaterial. Assim sendo, não posso relacionar algo que está no domínio da medicina com algo que está no domínio da fezada

O Salmo 65 (64), chamado muito a propósito Hino a Deus Providente,  é considerado um salmo colectivo de acção de graças: Deus acalma "o bramido dos mares, a fúria das ondas e o tumulto dos povos", cuida da terra e torna-a fértil, amolece as terras com chuvas abundantes e abençoa as sementeiras. "Os campos cobrem-se de rebanhos, e os vales enchem-se de trigais. Tudo acalma e grita de alegria." O salmista quis agradecer ao Criador as maravilhas que Ele lhe tinha dado.

O salmo é a visão de um mundo idílico oferecido por Deus, um paraíso onde não há culpa nem maldade, onde "brota a abundância", e o Homem vive uma riqueza sem par nem limite. É um mundo que não existe? Existe sim -  como concepção teórica da perfeição, não como realidade terrena atingível.

(E talvez também por isso utopia signifique lugar que não existe).

Deus deu-nos tudo, mas também nos deu a liberdade, o livre arbítrio, a humana imperfeição, com os quais destruímos a possibilidade de observar, na nossa caminhada na Terra, "as pastagens do deserto" que vicejam. O Deus providente é, portanto, o Deus que tudo nos disponibiliza, tudo nos oferece. É um Deus que dispõe e propõe, não que impõe ou garanta. 

"E Deus viu que isto era bom", diz o Livro do Génesis, que acrescenta: "Deus criou o ser humano à sua imagem, criou-o à imagem de Deus". Isto significa que Deus, de facto, criou um mundo bom ou, na expressão do meu interlocutor, um "Universo Simples, Próximo e Justo." A criação do mundo é uma bola que Deus põe em movimento para depois se afastar, deixando que o Homem tome conta de tudo. Deus não é mais (passe a ironia de um ser que é Tudo) do que um "prime mover".

A ideia que me é mais mais próxima da divina providência é a confiança que nos dá Jesus Cristo, tão bem retratada na parábola dos lírios do campo (Lc, 12, 22-31) que não fiam nem tecem, mas que nem Salomão, em todo o seu esplendor, os conseguiu imitar na vestimenta. "Não vos inquietais", diz ainda o evangelista.  Eu sei que haverá quem discorde, mas a divina providência é a confiança. Temos de fazer pela vida, mas há algo que nos transcende, que não dominamos: uma fracção da vida que está nas mãos do destino, de uma análise médica, de uma curva na estrada, de uma distracção ou de um azar, de um relance de olhos que define um futuro. Confiar e ter a preocupação a um nível equilibrado, é que nos é pedido. E não é pouco.    

***

Não sou especialista em ansiedade. Vou imaginar que ela existe como patologia ou como estado momentâneo, ou mesmo persistente, fruto de uma característica própria. Para a primeira haverá medicamentos, terapias ajustadas, ajuda profissional. Para a segunda, haverá a divina providência na forma da confiança no futuro, não num Deus que tudo resolve ou que impede que as maldades cresçam e as doenças matem.  Porque Deus, de facto, não actua assim.  Embora possa fazer tudo, permite que tudo aconteça.

"Agora vemos como num espelho, de maneira confusa; depois veremos face a face. Agora, conheço de modo imperfeito; depois conhecerei como sou conhecido" (Cor, 13, 12). Quando virmos face a face seremos então confrontados com o Universo Simples, Próximo e Justo. Até lá, resta-nos a confiança e os olhos postos num paraíso que conquistamos na Terra, mas que só viveremos no Céu.   

Relacionar o transtorno de ansiedade generalizada (considerada uma doença) com a divina providência é um desafio intelectual para o qual não tenho bagagem, não obstante saber que a confiança gera optimismo e que o optimismo é fundamental para a cura de qualquer doença. Embora também saiba que optimismo e ansiedade parecem ser contraditórios em termos... 

JdB

Nota (escrita no dia seguinte ao de elaboração deste texto, porque lido no evangelho de hoje): (...) "Mas eles convenceram-n’O a ficar, dizendo: «Ficai connosco, porque o dia está a terminar e vem caindo a noite». Jesus entrou e ficou com eles.". Este é o apelo à divina providência.   

* publicado originalmente a 30 de Março de 2016

09 julho 2024

Textos dos dias que correm

 Aprendiendo


Después de un tiempo, uno aprende la sutil diferencia entre sostener una mano y encadenar un alma, y uno aprende que el amor no significa acostarse y una compañía no significa seguridad, y uno empieza a aprender...

Que los besos no son contratos y los regalos no son promesas, y uno empieza a aceptar sus derrotas con la cabeza alta y los ojos abiertos, y uno aprende a construir todos sus caminos en el hoy, porque el terreno de mañana es demasiado inseguro para planes...y los futuros tienen una forma de caerse en la mitad. 

Y después de un tiempo uno aprende que si es demasiado, hasta el calor del sol quema. Así que uno planta su propio jardín y decora su propia alma, en lugar de esperar a que alguien le traiga flores. Y uno aprende que realmente puede aguantar, que uno realmente es fuerte, que uno realmente vale, y uno aprende y aprende... y con cada día uno aprende. Con el tiempo aprendes que estar con alguien porque te ofrece un buen futuro, significa que tarde o temprano querrás volver a tu pasado. 

Con el tiempo comprendes que sólo quien es capaz de amarte con tus defectos, sin pretender cambiarte, puede brindarte toda la felicidad que deseas. Con el tiempo te das cuenta de que si estás al lado de esa persona sólo por acompañar tu soledad, irremediablemente acabarás no deseando volver a verla. Con el tiempo entiendes que los verdaderos amigos son contados, y que el que no lucha por ellos tarde o temprano se verá rodeado sólo de amistades falsas.

Con el tiempo aprendes que las palabras dichas en un momento de ira pueden seguir lastimando a quien heriste, durante toda la vida. Con el tiempo aprendes que disculpar cualquiera lo hace, pero perdonar es sólo de almas grandes. Con el tiempo comprendes que si has herido a un amigo duramente, muy probablemente la amistad jamás volverá a ser igual. Con el tiempo te das cuenta que aunque seas feliz con tus amigos, algún día llorarás por aquellos! que dejaste ir. Con el tiempo te das cuenta de que cada experiencia vivida con cada persona es irrepetible.

Con el tiempo te das cuenta de que el que humilla o desprecia a un ser humano, tarde o temprano sufrirá las mismas humillaciones o desprecios multiplicados al cuadrado. Con el tiempo aprendes a construir todos tus caminos en el hoy, porque el terreno del mañana es demasiado incierto para hacer planes. Con el tiempo comprendes que apresurar las cosas o forzarlas a que pasen ocasionará que al final no sean como esperabas. Con el tiempo te das cuenta de que en realidad lo mejor no era el futuro, sino el momento que estabas viviendo justo en ese instante.

Con el tiempo verás que aunque seas feliz con los que están a tu lado, añorarás terriblemente a los que ayer estaban contigo y ahora se han marchado. Con el tiempo aprenderás que intentar perdonar o pedir perdón, decir que amas, decir que extrañas, decir que necesitas, decir que quieres ser amigo, ante una tumba, ya no tiene ningún sentido. Pero desafortunadamente, solo con el tiempo...”

― Jorge Luis Borges

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