Adeus, até ao meu regresso
As melhores viagens são, por vezes, aquelas em que partimos ontem e regressamos muitos anos antes
13 junho 2025
Dias de Santo António
Passeio de Santo António
Saíra Santo António do convento,
A dar o seu passeio costumado
E a decorar, num tom rezado e lento,
Um cândido sermão sobre o pecado.
Andando, andando sempre, repetia
O divino sermão piedoso e brando,
E nem notou que a tarde esmorecia,
Que vinha a noite plácida baixando…
E andando, andando, viu-se num outeiro,
Com árvores e casas espalhadas,
Que ficava distante do mosteiro
Uma légua das fartas, das puxadas.
Surpreendido por se ver tão longe,
E fraco por haver andado tanto,
Sentou-se a descansar o bom do monge,
Com a resignação de quem é santo…
O luar, um luar claríssimo nasceu.
Num raio dessa linda claridade,
O Menino Jesus baixou do céu,
Pôs-se a brincar com o capuz do frade.
Perto, uma bica de água murmurante
Juntava o seu murmúrio ao dos pinhais.
Os rouxinóis ouviam-se distante.
O luar, mais alto, iluminava mais.
.
De braço dado, para a fonte, vinha
Um par de noivos todo satisfeito.
Ela trazia ao ombro a cantarinha,
Ele trazia… o coração no peito.
Sem suspeitarem de que alguém os visse,
Trocaram beijos ao luar tranquilo.
O Menino, porém, ouviu e disse:
- Ó Frei António, o que foi aquilo?…
O Santo, erguendo a manga de burel
Para tapar o noivo e a namorada,
Mentiu numa voz doce como o mel:
- Não sei o que fosse. Eu cá não ouvi nada…
Uma risada límpida, sonora,
Vibrou em notas de oiro no caminho.
- Ouviste, Frei António? Ouviste agora?
- Ouvi, Senhor, ouvi. É um passarinho.
.
- Tu não estás com a cabeça boa…
Um passarinho a cantar assim!…
E o pobre Santo António de Lisboa
Calou-se embaraçado, mas por fim,
Corado como as vestes dos cardeais,
Achou esta saída redentora:
- Se o Menino Jesus pergunta mais,
… Queixo-me à sua mãe, Nossa Senhora!
Voltando-lhe a carinha contra a luz
E contra aquele amor sem casamento,
Pegou-lhe ao colo e acrescentou: - Jesus,
São horas… e abalaram pró convento.
Augusto Gil
12 junho 2025
Dos ventos Algarvios
Estou a banhos no Algarve. Felizmente estou sóbrio e a senilidade ainda não me bateu totalmente à porta, porque senão imaginar-me-ia no Guincho, tal a ventania. Cheguei à praia pouco passava das 5 da tarde - praia vazia... Ao longo dos alguns quilómetros que palmilhei na maré baixa, uma pessoa a tomar banho. Há uma esperança que mude, para que não corramos de dizer eh pá! Mais valia ficares no Guincho: tem ondas e é mais perto... Uma praia vazia tem encantos e estar a 10 minutos a pé do mar encantos ainda maiores, onde quer que seja.
JdB
11 junho 2025
do teu amor *
numas águas furtadas perdidas,
a cidade branca lá fora,e nós, poetas e poema 'in motion',
entretidos a ser felizes.
disse um poeta russo
que nada do que excluía a alegria lhe interessava.
dias houve, minha querida,
em que tudo o que te excluía me dizia nada vezes nada.
como disse outro poeta, daqueles a sério,
um mundo que te inclui não pode ser um mau mundo.
mas agora, em que restamos já só de memória,
isso vale um avo de mel coado - moeda fraca e incolor.
sobeja-nos o mistério - e a 'feérie' -
de um dia, num vão de escada, termos sido capazes
de reinventar (sujeito, complemento e predicado)
essa coisa do amor.
(e tudo isso e o seu contrário:
o que a vida tem de pior e de melhor)
incluo aqui os beatles, kafka, ruy belo,
mais os cinco violinos do sporting,
toda a música sacra,
nova iorque e a matemática,
o dia mais perfeito,
daqueles que fazem rimar agosto e calor.
nada, minha menina, nada de nada,
chega ao sabor da tua pele,
essa ideia desvairada e luzidia
de matar fome e sede e mágoa
com as migalhas do teu amor.
gi.
10 junho 2025
10 de Junho
O INFANTE
Deus quer, o homem sonha, a obra nasce.
Deus quis que a terra fosse toda uma,
Que o mar unisse, já não separasse.
Sagrou-te, e foste desvendando a espuma.
E a orla branca foi de ilha em continente,
Clareou, correndo, até ao fim do mundo,
E viu-se a terra inteira, de repente,
Surgir, redonda, do azul profundo.
Quem te sagrou criou-te português.
Do mar e nós em ti nos deu sinal.
Cumpriu-se o Mar, e o Império se desfez.
Senhor, falta cumprir-se Portugal!
s.d.
Mensagem. Fernando Pessoa. Lisboa: Parceria António Maria Pereira, 1934 (Lisboa: Ática, 10ª ed. 1972). - 57.
***
Poema e imagem tirados daqui
09 junho 2025
08 junho 2025
Solenidade do Pentecostes
EVANGELHO – João 20,19-23
Na tarde daquele dia, o primeiro da semana,
estando fechadas as portas da casa
onde os discípulos se encontravam,
com medo dos judeus,
veio Jesus, apresentou-Se no meio deles e disse-lhes:
«A paz esteja convosco».
Dito isto, mostrou-lhes as mãos e o lado.
Os discípulos ficaram cheios de alegria ao verem o Senhor.
Jesus disse-lhes de novo:
«A paz esteja convosco.
Assim como o Pai Me enviou,
também Eu vos envio a vós».
Dito isto, soprou sobre eles e disse lhes:
«Recebei o Espírito Santo:
àqueles a quem perdoardes os pecados ser-lhes-ão perdoados;
e àqueles a quem os retiverdes ser-lhes-ão retidos».
06 junho 2025
05 junho 2025
04 junho 2025
Vai um gin do Peter’s
CAMÕES POETA-FILÓSOFO-CIENTISTA
O magno poeta da história de Portugal foi também um filósofo, conhecedor de astronomia, física, geografia, história e artes náuticas. A comemoração dos 500 anos do seu nascimento (entre 1524 e 1525) têm proporcionado alguma divulgação sobre o génio enciclopedista de Camões, que se estende muito para além da literatura.
O poeta viveu num século pujante para Portugal – líder dos mares com a descoberta do caminho marítimo para a Índia e de toda a costa africana, ao longo do Atlântico e do Índico, a chegada ao hemisfério sul ancorando no Brasil (Terra de Vera Cruz, à época), o domínio das rotas comerciais mais valiosas do Oriente para a Europa com o monopólio das preciosidades indianas, a vanguarda dos conhecimentos tecnológicos. Como reconhece o jornalista historiador britânico, Martin Page, no seu livro «The First Global Village: How Portugal Changed the World» (a 1ª edição data de 2002), Portugal foi o precursor da primeira vaga da globalização, dando a conhecer novos mundos ao mundo.
Outro britânico, Roger Crowley, escreveu sobre o impacto dos avanços portugueses para o rumo da história, sob o título: «Conquerors: How Portugal Forged the First Global Empire» (2015). Sinopse: «In Conquerors, New York Times bestselling author Roger Crowley gives us the epic story of the emergence of Portugal, a small, poor nation that enjoyed a century of maritime supremacy thanks to the daring and navigational skill of its explorers—a tactical advantage no other country could match. Portugal’s discovery of a sea route to India, campaign of imperial conquest over Muslim rulers, and domination of the spice trade would forever disrupt the Mediterranean and build the first global economy.»
Numa conferência épica, decorrida a 26 de Junho de 2024, um grupo de cientistas, dos quais vários com especialidade em matemática (Carlos Pereira dos Santos, Henrique Leitão, Joana Lima de Oliveira, Telmo Santos), exemplificaram as incontáveis referências científicas presentes nos Lusíadas, que fluem com enorme beleza sob uma musicalidade poética exímia. As menções à abóboda celeste do hemisfério Sul, numa narrativa que acompanha as diferentes constelações estelares visíveis ao longo do caminho, são de tal rigor astronómico, que é possível localizar todo o itinerário percorrido pelos navegadores portugueses, apenas com base nessas referências poéticas de triplo sentido – literário, histórico e astronómico –, até as naus aportarem na Índia, onde a estrela polar não é visível!
A abertura dos Lusíadas – «… por mares nunca antes navegados…» – dá o mote sobre a maior proeza dos Portugueses, ao tornarem navegáveis oceanos antes intransponíveis. As naus portuguesas transfiguraram o alto-mar, antes finis terra, e depois acesso a novos mundos, antes barreira e depois elo entre civilizações e potências terrestres desconhecidas entre si. Camões está bem ciente do mérito dessa novidade revolucionária, dedicando-lhe dez cantos líricos, que enaltecem o novo paradigma interplanetário introduzido pelos Descobrimentos portugueses.
Também as remissivas geográficas camonianas, as suas alusões à cultura mitológica da Antiguidade clássica, as evocações de períodos antanhos, acrescentam densidade histórica e científica à sua lírica. Note-se que Camões também fez a mítica travessia até à Índia, com o continente africano a bombordo (na ida), anos depois da viagem de Vasco da Gama. Essa experiência, permitiu-lhe acompanhar ao detalhe as peripécias daquele itinerário nunca antes percorrido em toda a sua extensão, recriando com factualidade o heroísmo do percurso inaugural.
Nos perfis ricos das personagens maiores da história portuguesa, Camões revelou especiais dotes de psicologia e também de sociologia, desenhando não apenas os líderes, mas a gesta de um povo mobilizado para um grande empreendimento nacional. Teceu ainda lúdicos considerandos sobre o rumo de um país capaz de uma empresa maior, mas avesso a valorizar quem narra e quem contribui por sua livre iniciativa, sem o respaldo, nem a chancela das corporações e demais suspeitos do costume, que persistem teimosamente num país ainda aperreado.
Antecipando-se às comemorações de 2024/25, o autor ilustrador José Ruy aventurou-se na transposição do conteúdo integral de «Os Lusíadas» para banda desenhada. Tendo iniciado a sua carreira aos 14 anos, José Ruy é o autor português de BD com maior número de títulos publicados, traduzidos para 11 línguas e sucesso reconhecido além-fronteiras, em vários países europeus, no Brasil, na China e no Japão. O autor, que tem privilegiado figuras e temas históricos, foi o primeiro a ter a audácia de trabalhar um poema épico em BD.
Na Fundação Medeiros e Almeida abundam as peças alusivas ao poeta-cientista-historiador-filósofo, que têm merecido destaque em exposições temporárias comemorativas dos 500 anos de Camões:
![]() |
Desenhado pelo artista plástico Lima de Freitas (1927-1998), um conjunto de pratos de porcelana da Fábrica Vista Alegre, encomendado em 1980, aquando do 4º centenário da morte do poeta |
![]() |
Leque plissado em papel e marfim, com vistas de Lisboa, entre elas da Praça Luís de Camões, provavelmente copiadas de postais da época. |
![]() |
Igualmente da fábrica Vista Alegre, da sua manufactura inicial, sobressaem os copos de vidro lapidado e facetado, com a efígie de Luís de Camões, datados entre 1837 e 1846. |
No Pavilhão de Portugal na Expo está patente, até 27 de Julho, a mostra «Meu matalote e amigo Luís de Camões», onde Os Lusíadas dialogam com as artes visuais. Sinopse: Assume-se como conceito orientador a lição a D. Sebastião que é Os Lusíadas. Nessa medida, o percurso expositivo, composto por 12 núcleos temáticos, cruza a narrativa do poema com a autobiografia do poeta, tanto na épica como na lírica. (…) Integra várias obras de arte, entre texto e imagens, entre Camões e outros autores, com esculturas de Simões de Almeida e Canto da Maya, pinturas de José Malhoa, Columbano, Géricault, Veloso Salgado, Cristóvão de Morais, Lourdes Castro, James Ward a partir de Ticiano. Nos desenhos, contam-se obras de Domingos António de Sequeira, Luca Cambiaso e Abraham Bloemaert. Nas fotografias constam obras de Candida Hoefer, Thomas Ruff, Jorge Molder, Hiroshi Sugimoto, Luís Pavão. Algumas das instituições que emprestam obras originais são: o Museu Nacional de Arte Antiga, o Museu Nacional de Arqueologia, o Museu Calouste Gulbenkian, a Academia das Ciências de Lisboa, o Palácio Nacional da Ajuda, o Museu Nacional Soares dos Reis, o Museu Nacional Grão Vasco, o Centro de Arte Moderna da Fundação Calouste Gulbenkian, a Coleção de Fotografia novobanco e alguns colecionadores privados. HORÁRIO: 10h00-18h00, de Terça-feira a Domingo. Entrada livre. VISITAS GUIADAS todos os Sáb. e Dom., nos seguintes horários: 10h | 12h | 14h | 16h.
Na contagem decrescente para os Santos Populares, valerá a pena descobrir folgas na agenda para aproveitar os festejos de Camões, que pululam por todo o país. Aqui ficou apenas um brevíssimo aperitivo do que corre em Lisboa.
(a preparar o próximo gin tónico, para daqui a 2 semanas)
03 junho 2025
Da oncologia pediátrica e das adjectivações
Começo este texto sob o signo do receio: conseguirei transmitir o que quero sem ser desagradável ou injusto? Talvez não, mas não serei acusado de não tentar.
***
Há cerca de 12 anos escrevi um pequeno ensaio para um curso que estava a tirar. O título era A Santidade, ou da perfeição das vidas quotidianas e eu escrevia a um dado momento:
Enquanto houver alguém que se disponha a lutar pela reposição da justiça, que perdoe ofensas, que rasgue um pouco do seu manto para cobrir a nudez do próximo, que se sinta desafiado à entrega gratuita e voluntária aos outros, que não desvie o olhar perante a miséria que confrange, que chore com a morte injusta, então o milagre conviverá connosco de mãos dadas.
Enquanto houver alguém ao nosso lado que teime levantar o céu, no significado feliz que lhe dá o Prof. José Mattoso, que encontre no seu sofrimento um sentido para a vida, que saiba oferecer uma palavra a um velho abandonado ou uma mão a uma criança doente, que arrisque a sua vida pela vida dos outros, então a esperança de um mundo melhor mantém-se viva.
Enquanto houver alguém assim, por menor que seja o número desses alguéns na multidão anónima de egoísmos, prepotências, comodismos, indiferenças, não perderemos a esperança, e assumiremos a santidade - ou a perfeição dos dias quotidianos - como uma possibilidade ao virar de uma esquina, numa fábrica, numa vizinhança, num escritório, num hospital, numa escola, numa família. Negar este caminho é trocar uma vida grande por um mundo pequeno - um mundo que será sempre pequeno de mais.
O objectivo do texto era, acima de tudo, valorizar a santidade do quotidiano, a santidade dos pequenos gestos, mais do que a santidade proveniente dos milagres (o que quer que isso signifique para cada um de nós) que impressionam pela ausência de uma explicação lógica ou científica.
***
Vem isto a propósito do que se tem vindo a escrever sobre Luis Enrique, treinador do PSG (clube que ganhou muito recentemente a Liga dos Campeões) e sobre o facto de a sua filha Xana ter morrido com um cancro em 2019, tinha ela 9 anos.
Por motivos óbvios, tenho uma solidariedade dupla para com Luis Enrique: sei o que é perder uma filha pequena e sei o que é perder uma filha pequena para um cancro. E o que eu sei saberão também os cerca de 15 Pais que entrevistei nos últimos meses, e que perderam filhos para um cancro.
Gostei da homenagem que os adeptos do PSG fizeram ao treinador, exibindo nas bancadas uma imagem que se tornou de certa forma icónica: pai e filha no centro do campo a cravarem uma bandeira do clube - há 6 anos do Barcelona, se não me engano, agora do PSG. É uma homenagem bonita que, estou certo, se exibiria se o clube francês tivesse perdido por 5-0. De outra forma não faria sentido. Onde reside o meu desconforto? No que tenho lido (Linkedin, pois não estou em mais rede nenhuma) acerca de Luis Enrique, que é quase retratado com um herói porque, tendo-lhe acontecido o que aconteceu, conseguiu chegar onde chegou.
Para todos estes Pais, a morte dos filhos é um ponto de viragem; nada será como dantes ou, para citar a frase de uma mãe a uma filha que perdera a sua própria filha, tu nunca mais vais ser inteira (Público, 31 de Maio de 2025). Todos eles (mães e pais) tiverem de reinventar-se, fossem gestores, advogados, funcionários de uma autarquia ou empregados de limpeza. Ou mesmo treinadores de futebol. Todos eles tiveram de lutar para manter o equilíbrio mental, para aguentar relações, para suportar as saudades ou para combater a ideia de que não se aguenta uma dor destas.
Repito: tenho o maior respeito humano pelo Luis Enrique, pois da sua vida profissional sei quase nada. Mas o homem que ele é não me merece mais respeito pelo facto de, 6 anos após o drama que lhe assaltou a vida, ter conseguido um troféu importante ou por, no momento em que soube do drama, ter suspendido a sua vida profissional. Esta é a vida dele, igual a quem, nos confins da Madeira, passa os dias numa repartição. O que me merece respeito é a dor das pessoas, mais do que aquilo que cada um faz com o que lhe acontece, porque há gente a quem falta ânimo, ou que gastam o pouco que têm a sobreviver.
***
Os grandes heróis, os grandes santos, nem sempre são os que se evidenciam pela visibilidade dos grandes gestos, mas pela perfeição do quotidiano - ou por uma tentativa, nunca desistida, de perfeição do quotidiano.
JdB
02 junho 2025
01 junho 2025
Solenidade da Ascensão
EVANGELHO – Lucas 24,46-53
Naquele tempo,
disse Jesus aos seus discípulos:
«Está escrito que o Messias havia de sofrer
e de ressuscitar dos mortos ao terceiro dia
e que havia de ser pregado em seu nome
o arrependimento e o perdão dos pecados
a todas as nações, começando por Jerusalém.
Vós sois testemunhas disso.
Eu vos enviarei Aquele que foi prometido por meu Pai.
Por isso, permanecei na cidade,
até que sejais revestidos com a força do alto».
Depois Jesus levou os discípulos até junto de Betânia
e, erguendo as mãos, abençoou-os.
Enquanto os abençoava,
afastou-Se deles e foi elevado ao Céu.
Eles prostraram-se diante de Jesus,
e depois voltaram para Jerusalém com grande alegria.
E estavam continuamente no templo, bendizendo a Deus.
30 maio 2025
Do (sor)riso *
![]() |
De uma entrevista a Umberto Eco |
Desde sempre que conheço
Porque a vida me ensinou
Que o riso é sempre o começo
Do sorriso que findou
Sorrir, como dançar ou amar, requer a existência de um outro. Quando já só rimos é porque algo se acabou. O sorriso, neste caso. Ou talvez o outro.
29 maio 2025
Músicas dos dias que correm
(Announced plans to build a nuclear fallout shelter at Peterborough in Cambridgeshire)
(Three high court judges have cleared the way)
(It was announced today, that the replacement for the Atlantic Conveyor
The container ship lost in the Falklands conflict would be built in Japan, a spokesman for)
(Moving in. They say the third world countries, like Bolivia
Which produce the drug are suffering from rising violence)
Tell me true, tell me why, was Jesus crucified
Was it for this that Daddy died?
Was it for you? Was it me?
Did I watch too much TV?
Is that a hint of accusation in your eyes?
If it wasn't for the Nips
Being so good at building ships
The yards would still be open on the Clyde
And that can't be much fun for them
Beneath the rising sun
With all their kids committing suicide
What have we done, Maggie, what have we done?
What have we done to England?
Should we shout, should we scream
"What happened to the post war dream?"
Oh Maggie, Maggie what did we do?
28 maio 2025
Poemas dos dias que correm
Não há mais metafísica no mundo senão chocolates
O mundo é para quem nasce para o conquistar
E não para quem sonha que pode conquistá-lo, ainda que tenha razão.
Tenho sonhado mais que o que Napoleão fez.
Tenho apertado ao peito hipotético mais humanidades do que Cristo,
Tenho feito filosofias em segredo que nenhum Kant escreveu.
Mas sou, e talvez serei sempre, o da mansarda,
Ainda que não more nela;
Serei sempre o que não nasceu para isso;
Serei sempre só o que tinha qualidades;
Serei sempre o que esperou que lhe abrissem a porta ao pé de uma parede sem porta
E cantou a cantiga do Infinito numa capoeira,
E ouviu a voz de Deus num poço tapado.
Crer em mim? Não, nem em nada.
Derrame-me a Natureza sobre a cabeça ardente
O seu sol, a sua chuva, o vento que me acha o cabelo,
E o resto que venha se vier, ou tiver que vir, ou não venha.
Escravos cardíacos das estrelas,
Conquistámos todo o mundo antes de nos levantar da cama;
Mas acordámos e ele é opaco,
Levantamo-nos e ele é alheio,
Saímos de casa e ele é a terra inteira,
Mais o sistema solar e a Via Láctea e o Indefinido.
(Come chocolates, pequena;
Come chocolates!
Olha que não há mais metafísica no mundo senão chocolates.
Olha que as religiões todas não ensinam mais que a confeitaria.
Come, pequena suja, come!
Pudesse eu comer chocolates com a mesma verdade com que comes!
Mas eu penso e, ao tirar o papel de prata, que é de folhas de estanho,
Deito tudo para o chão, como tenho deitado a vida.)
Mas ao menos fica da amargura do que nunca serei
A caligrafia rápida destes versos,
Pórtico partido para o Impossível.
Mas ao menos consagro a mim mesmo um desprezo sem lágrimas,
Nobre ao menos no gesto largo com que atiro
A roupa suja que sou, sem rol, pra o decurso das coisas,
E fico em casa sem camisa.
Fernando Pessoa
Acerca de mim
- JdB
- Estoril, Portugal
Arquivo do blogue
-
▼
2025
(144)
-
▼
junho
(12)
- Dias de Santo António
- Dos ventos Algarvios
- do teu amor *
- 10 de Junho
- Para um começo de semana sereno (VI)
- Solenidade do Pentecostes
- Em memória de Eduardo Gageiro (1935 - 2025)
- Humor(es) dos dias que correm
- Vai um gin do Peter’s
- Da oncologia pediátrica e das adjectivações
- Para um começo de semana sereno (V)
- Solenidade da Ascensão
-
▼
junho
(12)