As melhores viagens são, por vezes, aquelas em que partimos ontem e regressamos muitos anos antes
26 julho 2024
25 julho 2024
Pensamentos dos dias que correm
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Lua funchalense, 22 de Julho de 2024 |
A Felicidade vem da Monotonia
Em sua essência a vida é monótona. A felicidade consiste pois numa adaptação razoavelmente exacta à monotonia da vida. Tornarmo-nos monótonos é tornarmo-nos iguais à vida; é, em suma, viver plenamente. E viver plenamente é ser feliz.
Os ilógicos doentes riem - de mau grado, no fundo - da felicidade burguesa, da monotonia da vida do burguês que vive em regularidade quotidiana e, da mulher dele que se entretém no arranjo da casa e se distrai nas minúcias de cuidar dos filhos e fala dos vizinhos e dos conhecidos. Isto, porém, é que é a felicidade.
Parece, a princípio, que as cousas novas é que devem dar prazer ao espírito; mas as cousas novas são poucas e cada uma delas é nova só uma vez. Depois, a sensibilidade é limitada, e não vibra indefinidamente. Um excesso de cousas novas acabará por cansar, porque não há sensibilidade para acompanhar os estímulos dela.
Conformar-se com a monotonia é achar tudo novo sempre. A visão burguesa da vida é a visão científica; porque, com efeito, tudo é sempre novo, e antes de este hoje nunca houve este hoje.
É claro que ele não diria nada disto. Às minhas observações, limita-se a sorrir; e é o seu sorriso que me traz, pormenorizadas, as considerações que deixo escritas, por meditação dos pósteros.
Fernando Pessoa, in 'Reflexões Pessoais'
24 julho 2024
Dos mistérios *
23 julho 2024
Pensamentos dos dias que correm
A Dor Evitada
É certo que a infelicidade não depende apenas da dor, mas a alegria, essa, só devia depender da ausência de dor física. Vinte séculos inteiros e completos não inventaram uma explicação do sofrimento; sofre-se em comparação com o que é não sofrer, e nenhum homem saudável quer ser educado previamente para aquilo que é mau. Já não se treina a resistência à dor: evita-se, sim, a mistura com essa 'coisa' repelente.Gonçalo M. Tavares, in "A Máquina de Joseph Walser"
A Dor como Padrão para a Intensidade dos Sentidos
Normalmente, a ausência de dor é apenas a condição física necessária para que o indivíduo sinta o mundo; somente quando o corpo não está irritado, e devido à irritação voltado para dentro de si mesmo, podem os sentidos do corpo funcionar normalmente e receber o que lhes é oferecido. A ausência de dor geralmente só é «sentida» no breve intervalo entre a dor e a não-dor; mas a sensação que corresponde ao conceito de felicidade do sensualista é a libertação da dor, e não a sua ausência. A intensidade de tal sensação é indubitável; na verdade, só a sensação da própria dor pode igualá-la.
Hannah Arendt, in 'A Condição Humana'
O Homem não Foge da Dor
Não é verdade que o homem procure o prazer e fuja da dor. São de tomar em conta os preconceitos contra os quais invisto. O prazer e a dor são consequências, fenómenos concomitantes. O que o homem quer, o que a menor partícula de um organismo vivo quer, é o aumento de poder: é em consequência do esforço em consegui-lo que o prazer e a dor se efectivam; é por causa dessa mesma vontade que a resistência a ela é procurada, o que indica a busca de alguma coisa que manifeste oposição.
A dor, sendo entrave à vontade de poder do homem, é portanto um acontecimento normal - a componente normal de qualquer fenómeno orgânico. E o homem não procura evitá-la, pois tem necessidade dela, já que qualquer vitória implica uma resistência vencida.
Tome-se como exemplo o mais simples dos casos, o da nutrição de um organismo primário; quando o protoplasma estende os pseudópodes para encontrar resistências, não é impulsionado pela fome, mas pela vontade de poder; acima de tudo, ele intenta vencer, apropriar-se do vencido, incorporá-lo a si. O que se designa por nutrição é pois um fenómeno consecutivo, uma aplicação da vontade original de devir mais forte.
Em tudo isto, a dor não só tem por consequência necessária a diminuição da sensação de poder, como até serve, na maioria dos casos, como excitante da mesma sensação de poder, sendo o obstáculo um stimulus dessa vontade de poder.
Friedrich Nietzsche, in 'A Vontade de Poder'
22 julho 2024
Músicas dos dias que correm *
21 julho 2024
XVI Domingo do Tempo Comum
EVANGELHO – Marcos 6,30-34
Naquele tempo,
os Apóstolos voltaram para junto de Jesus
e contaram-Lhe tudo o que tinham feito e ensinado.
Então Jesus disse-lhes:
«Vinde comigo para um lugar isolado
e descansai um pouco».
De facto, havia sempre tanta gente a chegar e a partir
que eles nem tinham tempo de comer.
Partiram, então, de barco
para um lugar isolado, sem mais ninguém.
Vendo-os afastar-se, muitos perceberam para onde iam;
e, de todas as cidades, acorreram a pé para aquele lugar
e chegaram lá primeiro que eles.
Ao desembarcar, Jesus viu uma grande multidão
e compadeceu-Se de toda aquela gente,
que eram como ovelhas sem pastor.
E começou a ensinar-lhes muitas coisas.
19 julho 2024
18 julho 2024
Crónica de férias no Funchal (I)
Para já, Funchal voltou ao seu melhor: uma temperatura amena, uma teor de humidade aceitável, um banho fantástico com amigos no Clube Naval, uma gente simpática onde quer que se vá, um peixe fresco e barato, uns bifes de atum no ponto certo. Vir ao Funchal é um gosto muito grande, e não só porque se tem a sensação de férias. Num certo sentido - e muito mal comparado - eu tenho o gosto de vir ao Funchal uma vez por ano como outros têm gosto na Ericeira, na Quinta do Lago, em S. Martinho ou em Moledo. Há um sentido de uma certa pertença, de familiaridade, da leveza que decorre de se saber onde se está.
O barco que se vê na fotografia é o barco que se vê da casa onde fico estes 10 dias - mar, muito mar, umas manhãs gloriosas, uns fins de tarde com uma luminosidade fantástica. O resto do tempo de mar será no Clube de Turismo onde não há areia nem muita gente, dois factores que me são menos favráveis no gosto que tenho pelos banhos de mar.
JdB
17 julho 2024
Vai um gin do Peter’s ?
CURTA-METRAGEM SOBRE O MELHOR DA HUMANIDADE
Um filme circulado pela Sociedad Barcelona Videos, em 2019, convida as pessoas a interessar-se pelos mais chegados, começando pelos da proximidade geográfica. Ironicamente, esta interpelação foi lançada um ano antes da Covid-19, que nos obrigou à reclusão total, em casa (menos mau, o local do cativeiro) e a guardar a máxima distância de tutti quanti, começando pela vizinhança com quem há maior probabilidade de nos cruzarmos. Hoje, bem depois de a Organização Mundial de Saúde ter decretado o fim do risco pandémico, a maioria das pessoas retomou os encontros e o arejo dos bons tempos pré-covid, ‘quando éramos felizes e não sabíamos’. Por isso, o pequeno conto filmado volta a adequar-se ao actual status quo, sem restrições de convívio.
O título «SOLO NECESSITAMOS DE UMA EXCUSA PARA SER AMIGOS» ecoa o apelo do Papa filósofo Bento XVI, quando alertou para os tremendos equívocos de um mundo supostamente transformado em aldeia, graças às ligações interplanetárias operadas pelos avanços nas telecomunicações, mas sem ter conseguido converter os vizinhos em ‘próximos’. Esse não é um avanço ao alcance de nenhum progresso tecnológico, pois continua a depender das opções do coração humano. Como bem observavam Llosa, Joyce, Faulkner, Tolstoi e outros grandes da literatura, o horizonte da humanidade esgrime-se no íntimo do ser humano e convoca a riqueza interior de cada um, exigindo uma consciência da realidade e uma capacidade afectiva aguçadas. Nada disto depende da tecnologia, cujas proezas podem antes ajudar a anestesiar e a entorpecer quem queira viver distraído, à deriva, tentando esquivar-se à tensão profunda que uma vida consciente e consequente implica:
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O vício da net e do telemóvel, a agravar-se com a idade, até ao final sarcástico, em que o vício persiste para lá da longevidade humana. |
15 julho 2024
Músicas dos dias que correm
Parto hoje para a minha estadia anual no Funchal. Durante 12 dias ouvirei o português com sotaque, reverei amigos recentes mas bons, comerei milho frito, espetadas e bodião. Durante estes dias tomarei banho num mar fantástico, cavado, com uma óptima temperatura. Darei mergulhos de um pontão, fingindo ser menino de novo, gozarei de uma temperatura que já foi mais amena, pois o ano passado bateu nos 30ºC.
JdB
14 julho 2024
XV Domingo do Tempo Comum
EVANGELHO – Marcos 6,7-13
Naquele tempo,
Jesus chamou os doze Apóstolos
e começou a enviá-los dois a dois.
Deu-lhes poder sobre os espíritos impuros
e ordenou-lhes que nada levassem para o caminho,
a não ser o bastão:
nem pão, nem alforge, nem dinheiro;
que fossem calçados com sandálias,
e não levassem duas túnicas.
Disse-lhes também:
«Quando entrardes em alguma casa,
ficai nela até partirdes dali.
E se não fordes recebidos em alguma localidade,
se os habitantes não vos ouvirem,
ao sair de lá, sacudi o pó dos vossos pés
como testemunho contra eles».
Os Apóstolos partiram e pregaram o arrependimento,
expulsaram muitos demónios,
ungiram com óleo muitos doentes e curaram-nos.
12 julho 2024
11 julho 2024
Poemas dos dias que correm
Amador sem coisa amada
Resolvi andar na rua
com os olhos postos no chão.
Quem me quiser que me chame
ou que me toque com a mão.
de tédio os olhos vidrados,
olharei para os prédios altos,
para as telhas dos telhados.
aprendiz colegial.
Sou amador da existência,
não chego a profissional.
poemas escolhidos
edições joão sá da costa
1999
10 julho 2024
Da ansiedade e da divina providência *
Tudo isto me importa muito, porque o tema maior da minha reflexão é a ansiedade e julgo que a Divina Providência pode ser relacionada e ser, até, uma chave para a sua resolução.
(E talvez também por isso utopia signifique lugar que não existe).
Deus deu-nos tudo, mas também nos deu a liberdade, o livre arbítrio, a humana imperfeição, com os quais destruímos a possibilidade de observar, na nossa caminhada na Terra, "as pastagens do deserto" que vicejam. O Deus providente é, portanto, o Deus que tudo nos disponibiliza, tudo nos oferece. É um Deus que dispõe e propõe, não que impõe ou garanta.
Nota (escrita no dia seguinte ao de elaboração deste texto, porque lido no evangelho de hoje): (...) "Mas eles convenceram-n’O a ficar, dizendo: «Ficai connosco, porque o dia está a terminar e vem caindo a noite». Jesus entrou e ficou com eles.". Este é o apelo à divina providência.
09 julho 2024
Textos dos dias que correm
Aprendiendo
08 julho 2024
07 julho 2024
XIV 14º Domingo do Tempo Comum
Evangelho de Nosso Senhor Jesus Cristo segundo São Marcos
Naquele tempo,
Jesus dirigiu-Se à sua terra
e os discípulos acompanharam-n'O.
Quando chegou o sábado, começou a ensinar na sinagoga.
Os numerosos ouvintes estavam admirados e diziam:
«De onde Lhe vem tudo isto?
Que sabedoria é esta que Lhe foi dada
e os prodigiosos milagres feitos por suas mãos?
Não é ele o carpinteiro, Filho de Maria,
e irmão de Tiago, de José, de Judas e de Simão?
E não estão as suas irmãs aqui entre nós?»
E ficavam perplexos a seu respeito.
Jesus disse-lhes:
«Um profeta só é desprezado na sua terra,
entre os seus parentes e em sua casa».
E não podia ali fazer qualquer milagre;
apenas curou alguns doentes, impondo-lhes as mãos.
Estava admirado com a falta de fé daquela gente.
E percorria as aldeias dos arredores, ensinando.
06 julho 2024
Carta a um anjo
Nasceste hoje, mas há 30 anos.
***
O meu percurso académico leva-me a entrevistar Pais de crianças que foram diagnosticadas com cancro e que estão globalmente fora de tratamento há 5 anos ou mais. Um dia mais tarde entrevistarei Pais cujos filhos foram diagnosticados mais recentemente e que, por isso, ainda estão em tratamento. E entrevistarei Pais cujos filhos - na generalidade muito novos, demasiadamente novos - morreram de cancro. Em todos eles ouvirei o mesmo, entre outros aspectos mais individuais: tive pouca gente com quem conversar sobre o tema; muitos dos meus amigos desapareceram.
Se, por um lado, é a vulnerabilidade que une os seres humanos, por outro lado - ironicamente - é essa mesma vulnerabilidade que cria um espaço, tantas vezes intransponível, entre o eu que sofre e o outro que escuta. Ou, porque tudo isto é biunívoco, entre o outro que sofre e o eu que escuta. O desaparecimento de amigos é um problema que afecta estes Pais; é um problema real, mas assente num equívoco. Ninguém desaparece por desinteresse, mas por desacerto. Ninguém desaparece porque não tem interesse em ouvir um Pai a falar de um filho com cancro, mas porque não sabe o que dizer a um Pai que tem um filho com cancro. Somos todos tentados a apresentar uma saída para o sofrimento dos outros, a sugerir ferramentas para que a pessoa siga em frente, tenha pensamentos positivos, procure a sua felicidade. Somos tentados a oferecer soluções, quando os outros talvez queiram dar-nos uma angústia. Estamos menos preparados para escutar, porque o mundo nos impele a resolver. Escutar é uma arte - e não é uma arte fácil.
***
Duas décadas de actividade no mundo da oncologia pediátrica ensinou-me quase tudo o que eu quereria - ou precisaria - saber para ser, se o conseguir, um pouco melhor. Ensinou-me que somos todos diferentes, e que isso faz de nós todos iguais. Ensinou-me a importância das histórias, da escuta, da solidão das pessoas, da destruição de relações, do fortalecimento de relações. Ensinou-me a fragilidade de tantos profissionais de saúde, treinados para curar e dar boas notícias, não para serem confrontados com a morte. Ensinou-me o desacerto desses mesmo profissionais de saúde, que não foram ensinados a olhar para esta comunidade de Pais e doentes com um olhar atento, desprovido da ciência que atenta nos números que se leem, não nas palavras que (não) se ouvem. Ensinou-me a generosidade humana, a vulnerabilidade que liga, a emoção que enriquece, as lágrimas que não se contêm.
***
O meu texto de há um ano acabava com uma frase que me apetece repescar, não como um mantra que nos faz lembrar algo, mas como uma certeza que nos enriquece e que conta a nossa história dos últimos 23 anos: não somos os mesmos, não seremos os mesmos.
JdB, em nome de todos os que te lembram.
05 julho 2024
Poemas dos dias que correm
FILHA
04 julho 2024
Textos dos dias que correm
A Casa do Homem
Imagine uma pessoa que não tem lugar. Anda perdido, desorientado. E imagine outra pessoa que é filho de família, tem os pais, os irmãos, a casa. A casa é muito importante. Vai sempre seguro de si porque tem um sítio de acolhimento se as coisas lhe falharem. Digamos a casa, digamos o lugar, digamos o sítio. Tal como o Ulisses volta a casa. Ele quer voltar ao recolhimento, à segurança, ao aconchego. O aconchego do ventre da mãe. A casa do homem é o ventre da mãe. Onde ele está e não precisa de fazer nada, tem tudo. E é feliz. E quando o Ulisses vem moribundo e fala na morte, surge a ideia de túnel que é o nascimento do feto, uma reminiscência. Por exemplo, o filme falado termina com o comandante que vê a casa a destruir-se, porque a casa dele é o navio. Mas há o lado ético: o capitão deve ser o último a deixar o barco, e ele tem um passageiro e não pode ir lá substitui-lo. Este é o grande drama. Ele vê arruinar todo o sistema, toda a sua vida, que está concentrada na sua casa. É essa a tragédia que o mundo sofre agora. É que a gente não dá conta, mas no fundo a Terra é a nossa casa. Portanto, já vê o mérito da arquitetura e a ligação que a casa tem ao ventre da mãe.
Manoel de Oliveira, in 'Vitruvius (Entrevista), 2004
03 julho 2024
Vai um gin do Peter’s ?
IA E HUMANOS – COOPERAÇÃO OU DESPIQUE?
Há quatro décadas, o mundo esteve por um fio para o deflagrar da Terceira Guerra Mundial, logo após a mensagem emitida pelo computador soviético Krokus a indicar o lançamento de um míssil contra a Rússia, disparado da base norte-americana de Montana. Nessa madrugada de 26 de Setembro de 1983, a equipa militar a trabalhar no bunker russo ‘Serpukhov 15’, responsável por vigiar qualquer movimentação suspeita no arsenal militar norte-americano, registou na sua máquina mais sofisticada aquela agressão semi expectável por parte da potência arquirrival.
Além de a máquina Krokus ser considerada infalível, a tensão política da época não destoava do ataque, com a bem sucedida sabotagem norte-americana aos avanços das tropas soviéticas no Afeganistão (por recurso a Osama bin Laden e a outros líderes guerrilheiros anti invasão russa), a declaração pública do Presidente Ronald Reagan a acusar a União Soviética de personificar o «Império do Mal», o investimento substancial dos EUA em defesa, a somar aos exercícios da NATO na simulação de cenários de conflito nuclear. Por seu turno, o Presidente russo Jurij Andropov denunciara o que considerava ser a escalada, sem precedentes, da maior crise entre as duas superpotências da Guerra Fria. Os serviços secretos do Pacto de Varsóvia continuavam a influenciar os grupos pacifistas ocidentais híper críticos do Ocidente (apenas!, como lembrava Miterrand) na corrida às armas nucleares, além de desferirem outros golpes corrosivos para a economia e a coesão social das democracias ocidentais, sobretudo via braços sindicais extremistas e partidos políticos de extrema esquerda (à época). No dia 1 de Setembro desse ano de 1983, os soviéticos chegaram a alvejar um avião comercial das Korean Air Lines, quando sobrevoava a península de Kamchatka, vitimando os 269 passageiros.
Foi nesse ambiente internacional de hostilidade acintosa que o chefe de turno do bunker russo – o tenente-coronel Stanislav Evgrafovich Petrov – detectou a mensagem de disparo do míssil norte-americano. Em vez de cumprir o protocolo e dar o alerta imediato aos superiores para o lançamento de mísseis contra os EUA, Petrov preferiu esperar, admitindo a probabilidade de ser um falso alarme, até pela alta improbabilidade de um ataque através de um míssil isolado, de reduzido efeito bélico. Porém, a máquina informou do lançamento de mais quatro mísseis mortíferos. Já não era um disparo solitário, embora em número ainda insuficiente para uma ofensiva eficiente. Percebendo o risco de estar a desencadear um confronto destrutivo para o planeta com base em possíveis erros electrónicos, Petrov voltou a ignorar os alertas surgidos no seu monitor, para espanto e enorme desconforto dos outros oficiais russos. Decidiu não dar o alarme antes de os radares terrestres corroborarem a aproximação das armas, pois continuavam sem sequer as detectar. Como os mísseis intercontinentais atingem o alvo em menos de meia hora, passado esse tempo mínimo ficou evidente para todos a inexistência dos disparos indicados pelo potente aparelho Krokus. Apurou-se, mais tarde, que o erro se devia a um fenómeno raro de refração da luz solar, que incidira sobre nuvens a alta altitude. Em conclusão: só a inteligência humana tinha sido capaz de ver para além da máquina, apercebendo-se do provável ferro mecânico e assim poupando o mundo a uma catástrofe nuclear. Só o sábio escrutínio humano ao automatismo electrónico pudera salvar a humanidade!
Este episódio só veio a público no início da década de 1990, depois da implosão da URSS. Petrov, que viveu até 2017, comentava com enorme humildade o seu papel naquela noite histórica, no bunker soviético: «o que eu fiz? Nada de especial, apenas o meu trabalho. Eu fui o homem certo, no lugar certo, à hora certa».
A necessidade da supervisão humana à máquina, comprovada na arrojada decisão de Petrov, aplicam-se em cheio à IA, capaz de produzir conteúdos interessantes e cumprir tarefas utilíssimas, mas também de errar clamorosamente. Como recomendam filósofos, sociólogos e o próprio Papa: a IA precisa do factor humano. Na mensagem para o Dia Mundial da Paz (em 2024), Francisco frisou o papel insubstituível de uns e de outros, em especial em contexto militar: «A exclusiva capacidade humana de julgamento moral e de decisão ética é mais do que um conjunto complexo de algoritmos, e tal capacidade não pode ser reduzida à programação de uma máquina que, por mais «inteligente» que seja, permanece sempre uma máquina. Por esta razão, é imperioso garantir uma supervisão humana adequada, significativa e coerente dos sistemas de armas [e de outros automatismos]. (…) Fazer a guerra escondendo-se atrás de algoritmos, confiando na inteligência artificial para determinar os alvos e como atingi-los e, assim, limpar a consciência porque, no final, a máquina escolheu, é ainda mais grave. Não vamos esquecer-nos de Stanislav Evgrafovich Petrov.»
A curta-metragem «O OUTRO PAR» (The Other Pair, de 2013-14) realizada pela egípcia Sarah Rosik, aos 20 anos de idade, tem somado galardões, precisamente pela riqueza humana da trama. O volte-face generoso, que altera radicalmente o rumo inicial, é estranho e sem sentido para a lógica dos algoritmos. Só o coração humano o percebe, pois sustenta-se em razões que, frequentemente, a razão desconhece:
02 julho 2024
Em memória de Fausto Bordalo Dias (1948 - 2024)
Fausto Bordalo Dias é, para usar uma expressão antiga, um artista muito cá de casa. Tanto eu como o meu querido amigo fq o trouxemos várias vezes a este estabelecimento, seja para falar de poluição, por causa do seu Se tu fores ver o mar (Rosalinda), para falar de danças e cartas, por causa do seu Namoro, ou de programas de família, a propósito do seu Todo este Céu. Ou para celebrar o aniversário de um disco, por causa do seu Por este rio acima. Soube ontem que tinha morrido em casa, vítima dessa enfermidade que se chama doença prolongada.
Estou muito longe de dominar a discografia de Fausto, que era extensa e de qualidade. As músicas de que me lembro - ou as que estão mais à tona do meu cérebro - são as que aqui foram postadas ao longo dos anos. Vejo-me, por isso, em terreno de alternativa difícil: ou vou à procura de uma originalidade ou aposto na repetição, para meu deleite.
Deixo-vos, por isso, com um tema que ainda não passou neste estabelecimento: Lembra-me um sonho lindo. O título suscita-me dúvidas: há algo que o lembra de um sonho lindo ou ele pede a alguém que o lembre de um sonho lindo? O que quer que seja, que o título da música seja um bom mote para os dias que correm: a importância dos sonhos lindos.
JdB
Lembra-me um sonho lindo
Lembra-me um céu aberto, outro fechado
Estala-me a veia em sangue, estrangulada
Afaga-me o corpo todo, se te pertenço
Rasga-me o ventre ardendo em fumo de incenso
Lembra-me um céu aberto, outro fechado
Estala-me a veia em sangue, estrangulada
Estoira no peito um grito, à desfilada
Ai! Alma da terra! Ai! Linda, assim deitada!
Ai! Como eu te amo! Ai! Tão sossegada!
Ai! Beijo-te o corpo! Ai! Seara tão desejada!
01 julho 2024
Músicas dos dias que correm *
30 junho 2024
XIII Domingo do Tempo Comum
EVANGELHO – Marcos 5, 21-43
Naquele tempo,
depois de Jesus ter atravessado de barco
para a outra margem do lago,
reuniu-se grande multidão à sua volta,
e Ele deteve-Se à beira-mar.
Chegou então um dos chefes da sinagoga, chamado Jairo.
Ao ver Jesus, caiu a seus pés
e suplicou-Lhe com insistência:
«A minha filha está a morrer.
Vem impor-lhe as mãos,
para que se salve e viva».
Jesus foi com ele,
seguido por grande multidão,
que O apertava de todos os lados.
Ora, certa mulher
que tinha um fluxo de sangue havia doze anos,
que sofrera muito nas mãos de vários médicos
e gastara todos os seus bens,
sem ter obtido qualquer resultado,
antes piorava cada vez mais,
tendo ouvido falar de Jesus,
veio por entre a multidão
e tocou-Lhe por detrás no manto,
dizendo consigo:
«Se eu, ao menos, tocar nas suas vestes, ficarei curada».
No mesmo instante estancou o fluxo de sangue
e sentiu no seu corpo que estava curada da doença.
Jesus notou logo que saíra uma força de Si mesmo.
Voltou-Se para a multidão e perguntou:
«Quem tocou nas minhas vestes?»
Os discípulos responderam-Lhe:
«Vês a multidão que Te aperta
e perguntas: ‘Quem Me tocou?’»
Mas Jesus olhou em volta,
para ver quem O tinha tocado.
A mulher, assustada e a tremer,
por saber o que lhe tinha acontecido,
veio prostrar-se diante de Jesus e disse-Lhe a verdade.
Jesus respondeu-lhe:
«Minha filha, a tua fé te salvou».
Ainda Ele falava,
quando vieram dizer da casa do chefe da sinagoga:
«A tua filha morreu.
Porque estás ainda a importunar o Mestre?»
Mas Jesus, ouvindo estas palavras,
disse ao chefe da sinagoga:
«Não temas; basta que tenhas fé».
E não deixou que ninguém O acompanhasse,
a não ser Pedro, Tiago e João, irmão de Tiago.
Quando chegaram a casa do chefe da sinagoga,
Jesus encontrou grande alvoroço,
com gente que chorava e gritava.
Ao entrar, perguntou-lhes:
«Porquê todo este alarido e tantas lamentações?
A menina não morreu; está a dormir».
Riram-se d’Ele.
Jesus, depois de os ter mandado sair a todos,
levando consigo apenas o pai da menina
e os que vinham com Ele,
entrou no local onde jazia a menina,
pegou-lhe na mão e disse:
«Talitha Kum»,
que significa: «Menina, Eu te ordeno: levanta-te».
Ela ergueu-se imediatamente e começou a andar,
pois já tinha doze anos.
Ficaram todos muito maravilhados.
Jesus recomendou-lhes insistentemente
e mandou dar de comer à menina.
28 junho 2024
Crónica de um viajante à África do Sul (V)
Viajo para o Kruger com colegas de voluntariado internacional. É gente que vem da Malásia, Nova Zelândia, Austrália, Índia, Chile, Grécia, Inglaterra. Acabamos os safaris e algumas pessoas dizem entusiasmadas: this is life changing. A primeira reacção é achar que life changing são outras coisas, bem mais importantes do que ver o elefante ou o rinoceronte. Talvez eu também o tivesse pensado, porque em 2008, quando estive no Zimbabwe por dois meses, também fiz isto, e também vi o elefante ou o rinoceronte. Fui revisitar o que então escrevi:
Fazer um game viewing é muito mais do que ver a girafa, o mocho, o ginete ou o hipopótamo. É estar ali, onde tudo se passa, ver o mato e a savana, o espaço e a cor (sempre as mesmas referências), o cheiro e a luz, o sol a pôr-se por trás das acácias, a brisa do fim da tarde a agitar as folhas do mopane, o calor confortável do meio do dia a contrastar com o frio tremendo da noite, a paisagem verdejante ou desoladoramente lunar. Fazer um game viewing é sentir, também, a frustração de não ter visto o leopardo, o único dos big five que não se quis mostrar… O que fizemos foi mais do que encontrar bicharada escondida numa ramagem, a assomar por detrás de uma árvore, a escapulir-se na margem de um rio seco.
E terminava com uma realidade que não encontrei no Kruger, e que tantas saudades me fez.
Por último, mas não menos importante, fazer um game viewing também é sair do jipe e, na orla de um charco, à vista de uma bola amarela que se põe no fio do horizonte, beber um gin and tonic, e realizar que nem tudo se perdeu neste país que já se chamou Rodésia.
Percebo bem o que disseram as minhas amigas da Austrália ou do Chile: this is life changing.
JdB
27 junho 2024
Adélia Prado - Prémio Camões 2024
Casamento
Meu marido, se quiser pescar, pesque
mas que limpe os peixes.
Eu não. A qualquer hora da noite me levanto,
ajudo a escamar, abrir, retalhar e salgar.
É tão bom, só a gente sozinhos na cozinha,
de vez em quando os cotovelos se esbarram,
ele fala coisas como 'este foi difícil'
'prateou no ar dando rabanadas'
e faz o gesto com a mão.
O silêncio de quando nos vimos a primeira vez
atravessa a cozinha como um rio profundo.
Por fim, os peixes na travessa,
vamos dormir.
Coisas prateadas espocam:
somos noivo e noiva.
Adélia Prado, in 'Terra de Santa Cruz'
26 junho 2024
25 junho 2024
Dos verbos *
Percebo bem o que está por trás da frase mais vale ser do que ter mas, confesso, acho-a estafada, por ser usada a torto e a direito por quem anda torto e anda direito... Por outro lado, o povo diz que mais vale sê-lo do que parecê-lo. Nesse sentido, ter e parecer são dois verbos que retratam posições perante a vida e que parecem gozar do mesmo estatuto algo depreciativo. Devemos ser mais do que ter e ser mais do que parecer. Ser é tudo, e talvez o pior seja parecer ter... Por outro lado, há gente que gosta de por a mão na massa e que sobre isso se regozija. Sou mais pessoa de fazer, por oposição aos que não fazem ou, sendo mais de pensar, não geram resultados práticos e visíveis. Ou ainda que dizem eu é mais educar, sendo que isso significa dar instruções, palmadas, incutir rotina e disciplina, já que o oposto de educar parece ser deixar os filhos à rédea solta.
Num âmbito algo diferente, os meus setembros adolescentes foram passados numa quinta de primos e amigos onde durante muitos anos não havia luz eléctrica e, por isso, não víamos televisão. Além do mais nem sabíamos que um dia surgiriam os computadores ou as redes sociais ou os telemóveis. Quando nos perguntavam o que lá fazíamos durante um mês inteiro, respondíamos com uma filosofia antes do tempo: não se faz nada, e isso é que é bom. Está-se, é-se, fica-se. Pretendíamos ter graça mas, sem o sabermos, três verbos reproduziam com fidelidade o que eram aqueles fins de verão à sombra dos plátano e de um carteiro que trazia cartas escritas em letra jovem e, quiçá, apaixonada.
Não sei - porque ando moído dos neurónios e a lucidez já teve melhores dias - se estamos habituados a caracterizar o que somos ou o que são os outros através de verbos. Nem sequer sei qual a vantagem por trás deste exercício. Em vez de dizer que fulano é gordo, afirmar que fulano é mais de comer. Ou caracterizar alguém preguiçoso como beltrano é mais de se encostar. Não usar adjectivos que são uma arma potencialmente letal.
Gosto das pessoas que dizem ser, orgulhosamente, pessoas de fazer. O verbo fazer é moderno, traduz um desejo de eficiência, de optimização dos recursos, de estudo da árvore de perdas ou de análise de uma estrutura de custos. O oposto de fazer é não fazer, e não, como se poderia invocar positivamente, fazer outro tipo de coisas. Quem faz produz e quem não faz não produz. Porque quem faz usa os braços que são a extensão de um cérebro em torvelinho. Quem não faz pode usar a cabeça, mas é apenas uma vénus de milo dos tempo modernos.
Hoje, à hora a que escrevo este texto, sou mais pessoa de me apatetar.
JdB
24 junho 2024
Pensamentos dos dias que correm
A Influência das Ilusões nas Nossas Vidas
As ilusões intelectuais são relativamente raras; as ilusões afectivas são quotidianas. Crescem sempre porque persistimos em querer interpretar racionalmente sentimentos muitas vezes ainda envoltos nas trevas do inconsciente. A ilusão afectiva persuade, por vezes, que entes e coisas nos aprazem, quando, na realidade, nos são indiferentes. Faz também acreditar na perpetuidade de sentimentos que a evolução da nossa personalidade condena a desaparecer com a maior brevidade.
Todas essas ilusões fazem viver e aformoseiam a estrada que conduz ao eterno abismo. Não lamentemos que tão raramente sejam submetidas à análise. A razão só consegue dissolvê-las paralisando, ao mesmo tempo, importantes móbeis de acção. Para agir, cumpre não saber demasiado. A vida é repleta de ilusões necessárias.
Os motivos para não querer multiplicam-se com as discussões das coisas do querer. Flutua-se então na incoerência e na hesitação. «Tudo ver e tudo compreender», escrevia Mme. de Stael, «é uma grande razão de incerteza». Uma inteligência que possui o poder atribuído aos deuses de abranger, num golpe de vista, o presente e o futuro, a nada mais se interessaria e os seus móbeis de acção ficariam paralisados para sempre.
Assim considerada, a ilusão aparece como o verdadeiro sustentáculo da existência dos indivíduos e dos povos, o único com que se possa sempre contar. Os livros de filosofia esquecem-no por vezes.
Gustave Le Bon, in 'As Opiniões e as Crenças'
23 junho 2024
XII Domingo do Tempo Comum
EVANGELHO – Marcos 4,35-41
Naquele dia, ao cair da tarde,
Jesus disse aos seus discípulos:
«Passemos à outra margem do lago».
Eles deixaram a multidão
e levaram Jesus consigo na barca em que estava sentado.
Iam com Ele outras embarcações.
Levantou-se então uma grande tormenta
e as ondas eram tão altas que enchiam a barca de água.
Jesus, à popa, dormia com a cabeça numa almofada.
Eles acordaram-n’O e disseram:
«Mestre, não Te importas que pereçamos?»
Jesus levantou-Se,
falou ao vento imperiosamente e disse ao mar:
«Cala-te e está quieto».
O vento cessou e fez-se grande bonança.
Depois disse aos discípulos:
«Porque estais tão assustados? Ainda não tendes fé?»
Eles ficaram cheios de temor e diziam uns para os outros:
«Quem é este homem,
que até o vento e o mar Lhe obedecem?»
21 junho 2024
20 junho 2024
Poemas dos dias que correm
A Avaria
Dar amor, já sei.
Mas não funciona.
Mas não funciona.
Mas não funciona.
já sei.
Mas não funciona.
a outra face,
já sei.
Mas não funciona.
nem o passado), já sei.
Mas não funciona.
Não sei.
E não funciona.
fazer o trabalho sujo
tradução de luís pedroso
língua morta
2020
19 junho 2024
Vai um gin do Peter’s ?
SOS BOM HUMOR PRECISA-SE
Em 2024, ano do 150º aniversário do nascimento de um dos escritores-jornalista mais divertidos e famosos do seu tempo, vale a pena revisitar um par de reflexões antológicas de Gilbert Keith Chesterton (1874-1936). Embora algumas tenham uma aparência banal, contêm uma profundidade e lucidez únicas, que interpelam pelo raciocínio cristalino e por boa dose de humor. Através dos escritos (80 livros e infindáveis artigos de imprensa) e saídas lapidares, o inglês influenciou Gandhi e muitos outros da sua geração. Os seus paradoxos mordazes e certeiros lembram Oscar Wilde em versão mais solar. Exemplos (citados no original):
«Without education, we are in a horrible and deadly danger of taking educated people seriously.
The devotee is entirely free to criticise; the fanatic can safely be a sceptic. Love is not blind; that is the last thing that it is. Love is bound; and the more it is bound the less it is blind.
I am not absentminded. It is the presence of mind that takes me unaware of everything else. [em resposta às suas famosas e frequentes distracções]
Angels can fly because they take themselves lightly.
I’ve searched all the parks in all the cities and found no statues of committees.
The poets have been mysteriously silent on the subject of cheese.
An adventure is only an inconvenience rightly considered. An inconvenience is only an adventure wrongly considered.
The Bible tells us to love our neighbours and also to love our enemies; probably because they are generally the same people.
To have a right to do a thing is not at all the same as to be right in doing it.
Literature is a luxury; fiction is a necessity.
A good novel tells us the truth about its hero; but a bad novel tells us the truth about its author.
Fairy tales do not tell children that dragons exist. Children already know that dragons exist. Fairy tales tell children that dragons can be killed.
Do not be so open-minded that your brains fall out.
Drink because you are happy, but never because you are miserable.
If there were no God, there would be no atheists.
Art, like morality, consists of drawing the line somewhere.
Fallacies do not cease to be fallacies because they become fashions.
The Christian ideal has not been tried and found wanting. It has been found difficult: and left untried.
It is absurd for the Evolutionist to complain that it is unthinkable for an admittedly unthinkable God to make everything out of nothing, and then pretend that it is more thinkable that nothing should turn itself into everything.
The thing I mean can be seen, for instance, in children, when they find some game or joke that they specially enjoy. A child kicks his legs rhythmically through excess, not absence, of life. Because children have abounding vitality, because they are in spirit fierce and free, therefore they want things repeated and unchanged. They always say, “Do it again”; and the grown-up person does it again until he is nearly dead. For grown-up people are not strong enough to exult in monotony. But perhaps God is strong enough to exult in monotony. It is possible that God says every morning, “Do it again” to the sun; and every evening, “Do it again” to the moon. It may not be automatic necessity that makes all daisies alike; it may be that God makes every daisy separately, but has never got tired of making them. It may be that He has the eternal appetite of infancy; for we have sinned and grown old, and our Father is younger than we.»
Para incutir esperança num mundo atribulado por guerras ferozes e ameaças de ataques nucleares à Europa, Francisco convocou os humoristas para um brainstorming no Vaticano, confiando nos seus talentos para descobrirem brechas de luz nos contextos mais sombrios e espalharem ânimo, alegria: «vocês têm o poder de espalhar a serenidade e o sorriso. Vocês estão entre os poucos que têm a capacidade de falar com pessoas muito diferentes, de diferentes gerações e origens culturais. (…) À sua maneira, vocês unem as pessoas, porque o riso é contagioso. É mais fácil rir juntos do que sozinhos: a alegria permite a partilha e é o melhor antídoto contra o egoísmo e o individualismo. Rir também ajuda a quebrar as barreiras sociais, a criar conexões entre as pessoas. Permite-nos expressar emoções e pensamentos, ajudando a construir uma cultura partilhada e a criar espaços de liberdade. Vocês lembram-nos que o homo sapiens também é homo ludens; que a diversão e o riso são fundamentais para a vida humana, para nos expressarmos, aprendermos e darmos significado às situações (do dia-a-dia)… Continuem a animar as pessoas, especialmente as que têm mais dificuldade em encarar a vida com esperança. Ajudem-nas, com o sorriso, a ver a realidade com as suas contradições e a sonhar com um mundo melhor. É mais fácil ser trágico do que cómico. Obrigado por fazerem as pessoas rirem e também por rir de coração… Quando fazem alguém sorrir, Deus também sorri.»
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Whoopi Goldberg à esq. e Luciana Littizzetto à esquerda. |
Nesse encontro, coube à comediante italiana Luciana Littizzetto proferir a chamada ‘oração do bom humor’, redigida pelo autor da Utopia, no recuado século XVI:
Oração do bom humor
mas também algo para digerir.
Dai-me a saúde do corpo,
com o bom humor necessário para mantê-la.
Dai-me, Senhor, uma alma santa,
que saiba aproveitar tudo o que é bom e puro,
e não se assuste diante do pecado,
mas encontre o modo de colocar de novo as coisas em ordem.
Dai-me uma alma que não conheça o tédio,
as murmurações, suspiros e lamentos,
e não permitais que sofra excessivamente
por essa realidade tão dominadora que se chama “Eu”.
Dai-me, Senhor, sentido de humor!
Dai-me a graça de entender as piadas,
para que conheça na vida um pouco de alegria
e possa comunicá-la aos outros.
Assim seja.»
Sir Thomas More
Quantos comediantes são exímios a revelar a perspectiva mais desintoxicante da realidade, que escapa à maioria dos olhares. Quantos conseguem mostrar o ângulo de onde melhor se confirma existir um ‘copo meio cheio’. Quantos correspondem ao retrato benigno descrito pelo Papa, como semeadores de esperança. Quantos ajudam a acordar nos outros o sentido mais profundo do amor, do perdão, da fé, da esperança segundo a definição lapidar de Chesterton: «To love means loving the unlovable. To forgive means pardoning the unpardonable. Faith means believing the unbelievable. Hope means hoping when everything seems hopeless.»
(a preparar o próximo gin tónico, para daqui a 2 semanas)
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