13 outubro 2023

Crónica de um viajante no Canadá (I) - os abraços

Entro no stand do CCI, no recinto da conferência onde me encontro, onde estão amigos. Vejo uma cara que me é familiar, mas que não colo a um nome. Pergunto discretamente e identifico-a. Num minuto estava a abraçar longa e apertadamente uma médica alemã com quem tive reuniões virtuais sobre a Ucrânua. Tinha-me cruzado com ela, em formato presencial, duas ou três vezes.

Dei por mim a pensar na motivação para abraçar pessoas ou para ser abraçado por algumas pessoas. Estou num congresso onde abracei longamente várias pessoas - umas de quem sou amigo há anos, outras que conheci durante a pandemia, em reuniões virtuais. Percebi que não abraço a pessoa, mas o que a pessoa representa. Não abraço um corpo conhecido, um rosto conhecido, uma ligeira assimetria nos dentes que já detectei há anos. Não. O que abraço é o que a pessoa representa para mim, mesmo que essa representação assente numa relação de voluntariado durante a qual não trocámos uma única informação profissional. 

Da Alexandra, médica alemã com a qual troquei um longo e apertado abraço, não sei nada: se é casada, se vive com gatos, se gosta de vinho ou de música colombiana. Não sei se tem filhos e se vota nos Verdes almeães. O que sei é que vivemos tempos virtuais de grnde intensidade por causa da evacuação de crianças ucranianas.  

O caso da Alexandra não é único; aconteceu-me com outras pessoas sobre as quais pouco sei, a não ser o que fazem na, ou pela, comunidade da oncologia pediátrica. Abraçar e ser abraçado, dizer e ouvir palavras simpáticas, elogiosas e reconfortantes é um boost de energia. São abraços dados genuína e gratuitamente, sem qualquer interesse para além do mais simples gesto humano. 

Poderia deambular se a idade e a fase da vida em que estamos joga um papela determinante neste gosto por estes abraços que enchem um coração, mais do que satisfazem um ego. O meu grau de apreciação varia de que forma. Gostaria de ter estes abraços há 30 anos, com uma vida feita de empregos certos, vidas burguesas sem desaparecimentos precoces? 

Eu tenho a minha resposta.

JdB 

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