À semelhança do meu querido amigo JdC, que também partilha este espaço comigo, odeio o culto da nostalgia - desde que seja a nostalgia dos outros. Fraquezas ou egoísmos que, estou certo, me serão perdoados aquando do ajuste de contas divino. De uma infinitude de itens que seria crueldade descriminar, escolhamos alguns que suportam o culto da minha nostalgia.
A carta. Se bem que sorria à tecnologia que me facilita os dias, é com pesar que votei uma generosa caneta de tinta permanente (se fosse permanente haveria tinteiros à venda?) a uma utilização mais do que parca. Falece-me a oportunidade de exercitar o meu cursivo de canhoto aleijão, de usar papel de carta com gramagem generosa, de enviar cartões de visita (sobram-me uns de 1986) com a fórmula ensinada: muito agradeço o convite que aceito com o maior gosto. O telemóvel serve para tudo, das condolências às boas festas, da pergunta (jantas hoje lá em casa?) à resposta (levo ostras e lingerie de arrasar).
A dança. Em linguagem académica talvez me dessem um satisfaz no rodopiar dos salões. Ao contrário de muita gente, nenhuma molécula que me habita pede uma agitação furiosa que elimine as toxinas da mente. Tenho da dança uma visão afectiva: não a pratico com qualquer mulher, mas com quem me está próximo; não gosto desta visão moderna e grupal de uma quantidade indefinida de gente que se abana ao som de uma batida taquicárdica, zurzindo as ilhargas vizinhas com uns cotovelos frenéticos. Sinto saudades de uma dança individualizada a dois, uma modalidade apreciada apenas pelos gerontes de hoje - e que lhes é praticamente vedada.
A simplicidade. O evoluir da nossa vida afectiva corre o risco da complicação. Há os sinais, tantas e tantas vezes contraditórios ou ininteligíveis; há os jogos de sedução e de poder, os preconceitos, a imagem que se quer manter; há o discernimento que vem da experiência, a estratégia provinda, por vezes, de uma mentalidade de mestre de xadrez: se eu fizer isto ela faz aquilo e eu depois faço mais não sei o quê para ver se ela reage sei lá eu como. Tenho saudades, no fundo, no fundo, da transparência das coisas: de uma carta que se escreve, de um casal que dança ao ritmo de uma música lenta, de uma vida que se decide na simplicidade das palavras contadas aos amigos: Sabes, perguntei-lhe se ela queria. E ela disse que sim...
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Oiçamos o homem que não precisou de apelido para singrar na música. Carlos Fausto Bordalo Gomes Dias, simplesmente Fausto. Fala de cartas, de rumbas e de respostas simples. A nostalgia, digo eu...
JdB
* publicado originalmente a 8 de Março de 2011
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