Ramalho Ortigão, AS FARPAS
Hão-de chegar mais se Deus quiser. Aqueles que aqui sentem uma nova esperança, um “noves fora nada” que lhes desempate a vida. Aqueles, como estes, já encaixados na perfeição e que de cá só saem quando é imperativo. Casas de Além, assim lhes chamaram Rui e Paula, depois da madeira chegar, talhar-se e erguer-se à vista magnífica onde cabem os montes da Serra Amarela, as curvas do rio e a sua margem esquerda que o Sol inunda até cair. Criptoméria, o cedro do Japão, vindo dos Açores, madeira aromática, resistente e leve, clarinha, rosada, textura sem raios e grão uniforme é de péssima permeabilidade, como se deseja numa região húmida e chuvosa.
Pegasse a moda de construir em madeira o nosso amanhecer seria outro com certeza, porque nestas casas os nossos próprios sons têm uma ressonância diferente, um eco apaziguador, e o aroma é mesmo uma boa inspiração. Uma sala ampla, um quarto, outro quarto em mezzanine, várias camas, janelinhas para o céu, para a lua, para as luzes das aldeias espalhadas. Uma casa-de-banho tão risonha, um duche largo e confortável. Cada casa pode albergar seis pessoas, mas quatro é a justa medida. Prontas desde o Verão de 2005, as Casas de Além têm sido bem gozadas e pouco falta para que haja outras… umas outras, em Gração também.
Gração é aldeia dos Arcos de Valdevez. De pedra, só granito, arquitectura rural, disposta encosta arriba, bastante só: a escola primária conta apenas três meninos, e prepara-lhes transferência para outra freguesia. Sem concorrência, a merceeira tem de fechar a loja para ir ao café tirar bicas, ou fechar o café para vir aviar arroz e massa. E no entremeio desta vida parada, o casal feliz chegou do Porto, fez-se à obra da sua casa de pedras em ruína e deitou aos socalcos as ditas casas de madeira, tão alegres, tão purinhas dentro e fora, que ao segundo dia de lá se acordar há uma espécie de energia danada de boa que nos tira da cama e nos põe a correr lá para fora. É que aqueles alpendres são toda a história deste lugar, a que mais se quer ouvir.
Foram sim, dias que pareciam férias antigas. Que a cada hora a calma se instalava, que a cada dia eu morria e renascia, deixava para trás a vida imposta de adulta deitada à cidade e minguava até à infância que também se fez por ali, no mesmo Minho, nas quintas, nos campos, nos rios cristalinos. Leitores, venho profundamente esperançada que esta minha terra, como se fosse natal, este vale fértil, verde, vinhateiro e bonito que encaminha o Lima ao mar, há-de ver chegar em abundância, quem venha por bem. Há-de ter quem a salve quando os seus velhinhos não estiverem cá para granjear as serras, as leiras, as margens dos regatos.
Sim, está bom de ver que são estas almas resistentes quem lhe vai valendo. Roça-se o tojo nas matas, limpa-se as silvas dos caminhos, seguram-se os muros, abrem-se os carreiros, lavra-se e semeia-se, poda-se vinha e árvores de fruto, apanha-se a lenha, faz-se o que se vai podendo, como dizem. Ainda se sangra a lavoura, ainda se vê muita sachola às costas a caminho da lide, muito gado com dono, galinhas cacarejando atrás das redes. E cheira a broa, a chouriça na sopa, a fumo, a palha, a bosta. Há lenços à cabeça, peles trigueiras do sol, mãos e unhas moídas de trabalho e gente que esfola a concertina e dá voz a versos antigos em modinhas alegres.
Casas de Além
Gração
http://www.casasdealem.com/
DaLheGas
2 comentários:
que delícia este elogio do campo, da vida simples, do silêncio, do contacto com a natureza e com o nosso interior. é assim que eu quero vir a viver. obrigada. pcp
os meus pais moram em gração. é uma aldeia linda. vim de lá ontem e já tenho saudades :(
Enviar um comentário