22 dezembro 2014

Das teorias sobre os amigos

Gostava de elaborar uma teoria. O que mo impede? A certeza, à partida, de que a teoria só por mero acaso estará certa: o interesse que manifestamos pelas vidas dos nossos amigos está directamente relacionado, através de um algoritmo por descobrir, com o interesse que temos pela infinitude de aspectos da vida. Isto é, que os amigos são, de uma forma que não se pretende diminuidora, tão importantes como a história da I Guerra Mundial, a física quântica, a pintura flamenga do século XVIII, a realpolitik ou as belezas do lundum.

Imaginemos que eu me interesso por pintura casaque, cinema turco dos anos 70, ensaios de Montaigne. O que faço com este interesse? Leio, pesquiso, indago, pergunto, debato. É assim que manifesto a minha vontade de saber mais destes temas tão fundamentais para a salvação das almas. Ao meu lado, um manuel qualquer pretende cultivar-se sobre a influência dos raios gama no comportamento das margaridas, sobre a vantagem das energias alternativas ou sobre a genealogia de Florence Nightingale - lê, pesquisa, indaga, pergunta, debate. Poupo-me a exemplos semelhantes que se replicariam até à eternidade.

Ora, interessamo-nos por tudo - da alimentação do homem primitivo ao bosão de Higgs - e sobre esse tudo fazemos perguntas. Nenhum destes temas, no entanto, reage ao nosso interesse. São temas mortos, genericamente impessoais, não relacionados com ninguém vivo que se compraza com a curiosidade que lhe devotamos. E se ninguém se interessar pela origem do chorinho ou pelo confessionalismo no fado, não há mortal que lamente esse desinteresse.  

Acontece que pelas várias facetas da vida dos nossos próximos não familiares nos interessamos bastante menos. Impressiona-me sempre ver que, numa roda de amigos, há gente que não faz uma única pergunta sobre a vida da pessoa que está ao seu lado, que sobre a entrada de uma pessoa num círculo social novo muito pouca gente manifeste curiosidade continuada. Curiosamente, como se o acolhimento e a amizade militada fossem bem menos interessantes do que evolução da inflação na Islândia dos anos 90, ou a origem das lojas maçónicas a norte do paralelo 16.

Gostava de inventar um algoritmo que ligasse o desinteresse pela vida ao desinteresse pelos outros. Não há, seguramente, muito embora isso facilitasse as relações entre as pessoas. Fulano não se interessa por mim? É uma meia verdade... Em bom rigor ele não tem muitos interesses na vida. Não é  assim, contudo. Há o medo de perguntar mas, acima de tudo, há um desinteresse humano grande, um olhar desatento sobre o próximo, uma vontade seguramente diminuta de ter mais informação num mundo que nos invade com imagens e notícias. 

Os meus lanches de fim de tarde e almoços regulares com interlocutores certos são bálsamos que acrescem a outras manifestações que me enriquecem. Sou um privilegiado, que valho tanto com o resíduo industrial ou como basileia ii. Quem me lê sabe do que falo - e percebe a metáfora.

JdB


1 comentário:

ACC disse...

Na mosca!
E quando fazem perguntas, nem esperam pelo fim das respostas. A minha sorte é que tenho uma memória fraquíssima, porque senão perceberia quão desinteressados estão que repetem a mesma pergunta no encontro seguinte.
Façamos o exercício inverso.
E se a responsabilidade for nossa, porque impomos o ritmo da relação:
- Puxando para o nosso lado o papel de perguntador.
- Sendo o cúmulo da transparência que ninguém sequer percebe que respiramos.
- Somos destituídos de eloquência e glamour.
Se assim for, podemos exigir que alguém se interesse pela nossa vida?
Pois, pode não ser desinteresse dos outros, mas sim e apenas porque somos efectivamente desinteressantes.

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