Mão amiga mandou-me ontem esta fotografia (parece-me que tirada do Expresso) com a seguinte legenda: não é necessário nenhum comentário. Com amor tudo se vence, mesmo o perdido.
A fotografia - ou o seu envio - é um sortilégio. Um destes dias, não pensando ainda que o escreveria para amanhã, o tema saiu-me à mente num repente. Ontem, no decorrer de um almoço de que falarei, ocorreu-me a segunda parte do post por escrever. A fotografia remata e fecha com chave de ouro.
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Um destes dias tive de escrever um trabalho final para o doutoramento. O tema era essencialmente viagens e eu, pressionado com falta de tempo e de inspiração, encontrei nos quatro livros que abordaria, e de que já falei aqui (A Time of Gifts, O Enigma da Chegada, Tristes Trópicos e South) um menor múltiplo comum - o do regresso a casa. Não o regresso ao edifício de alvenaria ou ao terceiro esquerdo de um prédio de apartamentos, mas o regresso àquilo que é o último refúgio de um Homem. E acredito que a equipa de Shackleton, ao tentar voltar a casa com o essencial (comida, combustível, armas, duas folhas da bíblia e fotografias) quis voltar para casa andando sempre com a casa junto ao coração, como se a transportasse. Uma fotografia pode ser o regresso a casa, como a chegada a Inglaterra pode ser o regresso a casa.
Ontem fui ao almoço de Natal da Acreditar. À mesa, ao meu lado, uma querida amiga; à frente, colaboradoras / voluntárias por quem tenho ternura e respeito. Noutra mesa, gente que me é próxima, que me merece amizade e consideração. Espalhados pela sala de jantar, um ou outro casal de pais com crianças que brincam por ali, ou que podem estar internadas. À minha frente acaba por sentar-se um casal jovem da zona centro. Com eles o filho de 3 anos, que tem uma doença rara que não consegui perceber o que era, e que o obrigou a um transplante. Tal como o casal da ilha Terceira que conheci na cozinha e com quem conversei, passarão o primeiro Natal em Lisboa, na casa da Acreditar. A uns falta-lhes o mar, a outros falta-lhes a neve da Serra da Estrela, mesmo que ao de longe.
Comovi-me com a criança, com os pais novos, desgarrados da serrania onde se sentem bem, nesta guerra desde que o miúdo tem seis meses. Ninguém merece isto, que remete tudo o que são as nossas queixas para um caixote de lixo onde estão as inutilidades e desimportâncias. Comovi-me muito, não sei se pelo ambiente, pela quadra, pelo erro de dar importância ao que não tem. Talvez ande mais sensível e isso seja sinal de fragilidade, ou de uma atenção excessiva a alguns temas, como o de perceber o que é isso do regresso a casa.
A casa do jovem casal será a casa da Acreditar, onde todos falam a linguagem comum do cancro infantil. Talvez para este casal, tal como o casal da fotografia, a casa não seja uma terra agreste onde a urze não cresce ou uma habitação social comprada com esforço e amor. Talvez a casa não seja sequer o prédio destruído ou a metáfora de uma ruína vivida desde os seis meses com um miúdo atacado por uma raridade. Talvez a casa deles seja - e Deus queira que o seja - duas mãos dadas e um amor com que tudo se vence, mesmo o perdido.
JdB
3 comentários:
http://www.google.pt/url?sa=i&rct=j&q=&esrc=s&source=images&cd=&cad=rja&uact=8&ved=0ahUKEwiSxqn-vvjQAhXBXRQKHVIbDRQQjRwIBw&url=http%3A%2F%2Fwww.musee-rodin.fr%2Fen%2Fcollections%2Fsculptures%2Fcathedral&psig=AFQjCNFQHOYCcedlUD0U2Ixc1GZF8aWXPQ&ust=1481970099339211
ESTA ESCULTURA TEM TAMBÉM O NOME DE CATEDRAL OU SEJA NADA MAIS E MAIOR PODE O HOMEM CONSEGUIR
Nas situações como a da fotografia e dos que procuram Cura, resta o Silêncio Interior, o que nos coloca em contacto com o Regresso a Casa.
E por vezes tb ajuda outro silêncio,
https://www.youtube.com/watch?v=39DNaNAMKAU - Beethoven.
Agradeço o post, é na manifestação da(s) fragilidad(s)e que a grandeza humana emerge...
Obrigada por não ser indiferente e por dar esse testemunho...
Beijinhos
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