16 julho 2025

Vai um gin do Peter’s ? 

 VAN GOGH ETERNIZOU MOMENTOS FUGAZES 

Sabemos que até à invenção da fotografia cabia à pintura o registo de episódios relevantes para a posteridade, fosse por homenagem, fosse para memória histórica, fosse por motivos pedagógicos, entre outros. Mas claro que nunca se esgotou apenas nestas finalidades, impondo-se também por uma imagética comunicada com mestria artística, eloquência e beleza (até ao séc. XIX). Porém, a partir do século XIX, quer por força dos avanços tecnológicos (como o cinema e a fotografia), quer pelas alterações de paradigma da expressão artística, a arte revolucionou-se, emancipando-se da evolução mais contida e gradual da tradição clássica. 

Van Gogh (1853-1890) alinhou pelo vanguardismo dos impressionistas, e pela novidade da arte japonesa, criando composições inovadoras, para serem observadas à distância, como um todo riquíssimo, sabiamente formado por mesclas de pinceladas que, ao perto, se assemelham a traços ininteligíveis. Embora sem pretender reproduzir a realidade de forma directa, a arte do holandês partiu da observação intensa, quase laboratorial (para alguns, obsessiva) do mundo natural, que perscrutava incansavelmente, preferindo pintar ao ar livre. Estava fascinado com a natureza, pelo que se ambientou rapidamente à sua nova vida no Sul de França, depois de se mudar de Paris para Arles.

Em Junho de 1888, na nova morada, viveu uma fase muito prolífica da sua produção artística, pintando sofregamente 10 óleos e 5 desenhos, numa semana. Essa série, intitulada «Colheita», capta a fertilidade do campo gaulês, mas também a precariedade daquela paisagem imponente. Nesses dias, sob um calor escaldante, o holandês inundou as telas dos dourados e dos azuis que, poeticamente, descobriu nas pujantes searas do Sul de França. O sol abrasador daquela semana apenas se adivinha pela prevalência dos amarelos torrados, que Vincent enriqueceu com tonalidades de ouro e fez sobressair sob a frescura e a magnificência de uma linha de horizonte em gradações de azul. 

Curiosamente, a pacífica tela «A Colheita» resulta, pela sua génese, num expoente da fragilidade do dia-a-dia, da voragem do tempo, do vertiginoso ciclo nascimento-morte, a que está sujeita toda a natureza, seres humanos incluídos. De facto, a paz e a harmonia na paisagem pintada esvaíram-se em horas, depois de os campos serem devastados por uma tempestade violenta. Aquele esplendor da fecundidade dos cereais do vale de La Crau, prontos a ser colhidos, não passou de um momento, apenas eternizado na composição de Vincent. Faz pensar como uma realidade bela e opulenta pode ser tão efémera. 

De algum modo, é o inverso da biografia do holandês. Marcada pela instabilidade e dor, pelos reveses e um dia-a-dia fugidio, embora intenso, apagando-se aos 37 anos, contrasta com a imponência da sua arte, a profundidade do seu olhar de pintor, a positividade da sua leitura sobre a realidade. As suas telas estão impregnadas de uma luz inspiradora, fervilhante e incrivelmente criativa.         

«A Colheita», de Vincent Van Gogh, de Junho de 1888; óleo sobre tela de linho.
Do acervo do Museu Van Gogh, em Amsterdam

Não é novidade que a vida é fugaz e o tempo valiosíssimo. A arte de Van Gogh tem “só” o mérito de o lembrar da melhor maneira. 

Maria Zarco

(a preparar o próximo gin tónico, para daqui a 2 semanas)


1 comentário:

Anónimo disse...

Fabuloso quadro.

Obg
fq

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