29 junho 2025

XIII Domingo do Tempo Comum

EVANGELHO – Lucas 9,51-62

Aproximando-se os dias de Jesus ser levado deste mundo,
Ele tomou a decisão de Se dirigir a Jerusalém
e mandou mensageiros à sua frente.
Estes puseram-se a caminho
e entraram numa povoação de samaritanos,
a fim de Lhe prepararem hospedagem.
Mas aquela gente não O quis receber,
porque ia a caminho de Jerusalém.
Vendo isto, os discípulos Tiago e João disseram a Jesus:
«Senhor,
queres que mandemos descer fogo do céu que os destrua?».
Mas Jesus voltou-Se e repreendeu-os.
E seguiram para outra povoação.
Pelo caminho, alguém disse a Jesus:
«Seguir-Te-ei para onde quer que fores».
Jesus respondeu-lhe:
«As raposas têm as suas tocas,
e as aves do céu os seus ninhos;
mas o Filho do homem não tem onde reclinar a cabeça».
Depois disse a outro: «Segue-Me».
Ele respondeu:
«Senhor, deixa-me ir primeiro sepultar meu pai».
Disse-lhe Jesus:
«Deixa que os mortos sepultem os seus mortos;
tu, vai anunciar o reino de Deus».
Disse-Lhe ainda outro:
«Seguir-Te-ei, Senhor;
mas deixa-me ir primeiro despedir-me da minha família».
Jesus respondeu-lhe:
«Quem tiver lançado as mãos ao arado e olhar para trás
não serve para o reino de Deus».

27 junho 2025

Textos dos dias que correm

 O Homem Perfeito 

A virtude subdivide-se em quatro aspectos: refrear os desejos, dominar o medo, tomar as decisões adequadas, dar a cada um o que lhe é devido. Concebemos assim as noções de temperança, de coragem, de prudência e de justiça, cada qual comportando os seus deveres específicos. A partir de quê, então, concebemos nós a virtude? O que no-la revela é a ordem por ela própria estabelecida, o decoro, a firmeza de princípios, a total harmonia de todos os seus actos, a grandeza que a eleva acima de todas as contingências. A partir daqui concebemos o ideal de uma vida feliz, fluindo segundo um curso inalterável, com total domínio sobre si mesma. E como é que este ideal aparece aos nossos olhos? Vou dizer-te.

O homem perfeito, possuidor da virtude, nunca se queixa da fortuna, nunca aceita os acontecimentos de mau humor, pelo contrário, convicto de ser um cidadão do universo, um soldado pronto a tudo, aceita as dificuldades como uma missão que lhes é confiada. Não se revolta ante as desgraças como se elas fossem um mal originado pelo azar, mas como uma tarefa de que ele é encarregado. «Suceda o que suceder», — diz ele — «o caso é comigo; por muito áspera e dura que seja a situação, tenho de dar o meu melhor!» Um homem que nunca se queixa dos seus males nem se lamenta do destino, temos forçosamente de julgá-lo um grande homem! Tal homem dá a conhecer a muitos outros a massa de que é feito, brilha tal como um archote no meio das trevas, atrai para junto de si todas as almas, dada a sua impassível tranquilidade, a sua completa equanimidade para com o divino e o humano. Tal homem possui uma alma perfeita, levada ao máximo das suas potencialidades, tal que acima dela nada há senão a inteligência divina, uma parte da qual, aliás, transitou até este peito mortal. E nada há de mais divino para o homem do que meditar na sua mortalidade, consciencializar-se de que o homem nasce para ao fim de algum tempo deixar esta vida, perceber que o nosso corpo não é uma morada fixa, mas uma estalagem onde só se pode permanecer por breve tempo, uma estalagem de que é preciso sair quando percebemos que estamos a ser pesados ao estalajadeiro.

Séneca, in "Cartas a Lucílio"

25 junho 2025

Histórias dos dias que correm *

“Se a Vida são Dois Dias o que Raios me Acontece Quando Saio à Noite?”

Vítor Sertório tem 35 anos. É alto e magro debaixo de um longo cabelo encaracolado que lhe cobre as orelhas e grande parte da testa. Tem o nariz equilibrado a despontar entre dois olhos escuros e tristes, uma boca bem desenhada que revela, dizem-lhe, “uma sensualidade perturbante”. As maçãs do rosto salientam-se numa pele pouco mais do que imberbe.  Tem umas mãos finas e compridas, numa expectativa de pianista que não houve. 

Há nele um apego às rotinas: o banho quente e poupado, a escolha criteriosa da roupa, o pequeno almoço rápido num desinteresse de fastio repetido, o beijo ao que sobra da família, o afago na cabeça fugidia do gato. Sofre o caos do trânsito e a alegria radiofónica de gente que se identifica pela voz, como se fossemos todos cegos, tacteando com os ouvidos. Trabalha: repreende e é repreendido, manda e é mandado, motiva e qualquer coisa por aí. Retorna a casa no silêncio do fim de dia, porque cavalo que sente cocheira não carece de estímulo para lá regressar. Saúda o que sobra da família e bichana ao Eros, que foge para cantos onde só o espanador chega. Depenica um jantar porque há a estética, a roupa que não estica, um enjoo constante aos condimentos, um certo asco aos odores.

Na contabilidade de alegrias e frustrações, Vítor Sertório equilibra-se nas contas finais. Conhece vidas felizes plenas de viagens, carros novos, rostos sorridentes; identifica as muitas outras que deprimem e convidam ao desespero. Tem 35 anos, e quando olha em frente o sorriso não lhe esmorece na face.

À quinta e à sexta-feira sai pela noite, integrado num grupo que se movimenta ruidoso pela capital, gargalhando e soltando piropos provocatórios. Cantam, acenam, empurram-se, contam histórias brejeiras que fazem rir e corar. Nesses dois dias Vítor Sertório é Anabela: encheu um soutien de algodão, pintou os lábios de um vermelho que torna a sensualidade desesperante, tingiu de carmim umas maçãs do rosto que sobressaem imberbes. O cabelo que agora lhe destapa as orelhas de onde pendem brincos provocantes, e a elegância nos saltos altos, suscitam inveja e admiração.

Para Vítor Sertório, que também é Anabela (embora não se saiba quem nasceu primeiro) a vida são estes dois dias. Quando lhe perguntam o que faz quando sai à noite, denuncia uma possível timidez num trejeito feito de vida escondida e responde, afagando um brinco: “sonho com os próximos dois dias”.  

JdB

* publicado originalmente a 7 de Janeiro de 2014  


24 junho 2025

Poemas dos dias que correm

 A Força Exacta é Violência


a Força Exacta é violência. 
a Força em espirro, ao acaso, não é violência, é existência. 
O mal é Fixar a Força (direccioná-la) porque a natureza espontânea não o FAZ. 
Natural é ser FORTE, isto é, avançar. 
Violento é o Percurso que antecede o viajante. Antes dos pés: 
Sapatos; a estrada. 
A Força Exacta é violência. 
A natureza não tem, nunca teve, Forças EXACTAS. 
E tudo o que o homem faz é tornar exacta a FORÇA. 
Ser violento é construir; todo o Edifício é violência. 
O homem é o Exacto da Natureza; a falha NATURAL; o Erro. 
Deus errou: 
fez o homem EXACTO. 

Gonçalo M. Tavares, in "Investigações. Novalis"

***

Em Plena Vida e Violência

Em plena vida e violência 
De desejo e ambição, 
De repente uma sonolência 
Cai sobre a minha ausência. 
Desce ao meu próprio coração. 

Será que a mente, já desperta 
Da noção falsa de viver, 
Vê que, pela janela aberta, 
Há uma paisagem toda incerta 
E um sonho todo a apetecer ? 

Fernando Pessoa, in "Cancioneiro" 

***

Da Violência

A violência que trazemos no sangue 
ninguém a sabe e todos (casas 
desmoronadas) a exaltam e todos 
a descombinamos 
gota a gota 
em nossos movimentos de cinza 
transitória — esta violência 
residual 
tem do corpo a secura a configuração 
cavada no sono na fogueira sem cor 
de cidades levantadas sobre a doença sobre 
a simulação 
de fogo suspenso 
no arame dos ossos — 

Casimiro de Brito, in "Negação da Morte" 

22 junho 2025

XII Domingo do Tempo Comum

 EVANGELHO – Lucas 9,18-24

Um dia, Jesus orava sozinho,
estando com Ele apenas os discípulos.
Então perguntou-lhes:
«Quem dizem as multidões que Eu sou?»
Eles responderam:
«Uns, João Baptista; outros, que és Elias;
e outros, que és um dos antigos
profetas que ressuscitou».
Disse-lhes Jesus:
«E vós, quem dizeis que Eu sou?»
Pedro tomou a palavra e respondeu:
«És o Messias de Deus».
Ele, porém, proibiu-lhes severamente
de o dizerem fosse a quem fosse
e acrescentou:
«O Filho do homem tem de sofrer muito,
ser rejeitado pelos anciãos,
pelos príncipes dos sacerdotes e pelos escribas;
tem de ser morto e ressuscitar ao terceiro dia».
Depois, dirigindo-Se a todos, disse:
«Se alguém quiser vir comigo,
renuncie a si mesmo,
tome a sua cruz todos os dias e siga-Me.
Pois quem quiser salvar a sua vida, há de perdê-la;
mas quem perder a sua vida por minha causa,
salvá-la-á».

20 junho 2025

Duas Últimas

 

Eglise Saint-Gervais-Saint-Protais (Paris)

Ontem postei esta fotografia num grupo de família com a seguinte pergunta: quem adivinha a musica para esta fotografia? As respostas foram diferentes:

The bells of notre dame
Knocking on heavens door
Stairway to Heaven
Highway to Hell

A resposta está abaixo, curiosamente uma música de um grupo de que nunca gostei muito: 


Fui à procura de uma explicação para a letra / música. Encontrei um site em que alguém perguntava isso mesmo e gostei de uma resposta: Estamos falando do Led Zep aqui. Ou é sobre sexo ou sobre O Senhor dos Anéis.

JdB

19 junho 2025

Solenidade do Santíssimo Corpo e Sangue de Cristo

EVANGELHO – Lucas 9, 11b-17

Naquele tempo,
estava Jesus a falar à multidão sobre o reino de Deus
e a curar aqueles que necessitavam.
O dia começava a declinar.
Então os Doze aproximaram-se e disseram-Lhe:
«Manda embora a multidão
para ir procurar pousada e alimento
às aldeias e casais mais próximos,
pois aqui estamos num local deserto».
Disse-lhes Jesus:
«Dai-lhes vós de comer».
Mas eles responderam:
«Não temos senão cinco pães e dois peixes…
Só se formos nós mesmos
comprar comida para todo este povo».
Eram de facto uns cinco mil homens.
Disse Jesus aos discípulos:
«Mandai-os sentar por grupos de cinquenta».
Assim fizeram e todos se sentaram.
Então Jesus tomou os cinco pães e os dois peixes,
ergueu os olhos ao Céu
e pronunciou sobre eles a bênção.
Depois partiu-os e deu-os aos discípulos,
para eles os distribuírem pela multidão.
Todos comeram e ficaram saciados;
e ainda recolheram doze cestos dos pedaços que sobraram.

 

"We'll always have Paris..." *

 





* Paris, 18 de Junho de 2025

18 junho 2025

Vai um gin do Peter’s ? 

 CAMÕES EM NOVA IORQUE 

Graças à Fundação portuguesa «Gaudium Magnum» foi constituída uma parceria artística com o Museu nova-orquino Hispanic Society Museum & Library para divulgar Camões no coração de Manhattan. A iniciativa conta também com o apoio da Embaixada de Portugal em Washington e do Instituto Camões. Começou, logo em Outubro de 2024, com uma conferência internacional sobre o poeta português, a que se seguirá a exposição «The Legacy of Luís de Camões: Portugal’s Greatest Poet | Hispanic Society of America», cuja inauguração decorrerá no próximo dia 26 de Junho terá inaugurada. Ficará patente até 3 de Setembro, no Terraço Audubon daquele museu da Broadway (between 155th and 156th Streets).    


«LUÍS DE CAMÕES: UMA ODISSEIA DE PALAVRAS E MUNDOS
Hispanic Society Museum & Library, Terraço inferior Audubon (Nova Iorque)

Quem és tu, Camões?”  Esta pergunta, feita ao lendário poeta português, convida-nos a reflectir sobre identidade, curiosidade e a busca pelo conhecimento. Para encerrar o programa desenvolvido pela Fundação e pela HSM&L de celebração dos 500 do nascimento de Camões, Isabel Almeida traz-nos uma exposição que investiga a vida, as viagens e o legado literário de Camões, um explorador tanto na poesia quanto na realidade.

O século XVI foi um período de transformações, uma era de Descobrimentos. Enquanto Portugal expandia a sua influência marítima, cartógrafos redesenhavam os mapas do mundo e a ciência florescia. Camões viveu essa época, capturando o espírito deste período em «Os Lusíadas», onde narra a viagem de Vasco da Gama à Índia. Inspirada na literatura clássica, mas profundamente moderna na sua visão, a sua obra épica expressa as tensões entre passado e presente, mito e realidade, exploração e introspecção.

Esta exposição ilustra como o mundo foi re-imaginado: como os continentes evoluíram na sua representação e como a cartografia influenciou as descrições poéticas dos mares de Camões. Quem é o verdadeiro herói de Os Lusíadas? Seria Vasco da Gama, a nação portuguesa ou o próprio Camões? Por meio de uma narrativa envolvente, a exposição examina a sua visão do heroísmo, desde o mítico Adamastor até às suas reflexões sobre destino, justiça e ambição humana.

Trata-se de uma obra que mistura a epopeia clássica com tradições ibéricas e sonetos líricos com uma crítica social afiada. Descubra como a sua poesia entrelaçou influências diversas, para criar um legado intemporal. Os visitantes são convidados a interagir de novas maneiras com as palavras e ideias camonianas, oferecendo uma nova perspectiva sobre o seu legado. 

Junte-se a nós nesta viagem literária—onde as palavras se tornam mapas, a poesia encontra a história e a voz de Camões ecoa através do tempo.» 

Sinopse da exposição no portal da Fundação Gaudium e Magnum

* * * 

«THE LEGACY OF LUÍS DE CAMÕES: PORTUGAL’S GREATEST POET PORTUGAL’S GREATEST POET

At the close of the European Renaissance, when intellectual curiosity and scientific inquiry were flourishing, Luís de Camões, Portugal’s most celebrated poet, lived a life marked by travel and exploration.

To commemorate the 500th anniversary of Camões’ birth, the Gaudium Magnum Foundation and the Hispanic Society Museum and Library are strengthening their partnership through a public program of events. It comprises an exhibition featuring a selection of rare books related to Luís de Camões and a symposium highlighting the major contributions of European humanists and artists to the cultural dynamics of the sixteenth century.

His writings were deeply influenced by his experiences as a navigator for the Portuguese empire. Camões’ most renowned work, the epic poem “Os Lusiadas”, published in 1572, immortalizes Vasco da Gama’s historic discovery of the sea route to India. This seminal text, considered the most important work in Portuguese literature, masterfully recounts the journeys of Vasco da Gama, as well as those of Pero da Covilha and Afonso de Paiva.» 

Sinopse da exposição no portal do Museu 
nova-iorquino – Hispanic Society Museum & Library 

Numa curta-metragem, a curadora da exposição em Nova Iorque antecipa uma visita guiada ao seu conteúdo, maioritariamente constituído por monografias antigas, exibidas num Museu onde os Descobrimentos das duas potências da Península Ibérica merecem lugar de honra: 


Aqui chegados, impõe-se desbravar um pouco da história da Fundação Gaudium Magnum, contada pela cofundadora Maria Cortez de Lobão, que recua à última década do século XX. Hoje, o acervo já abrange mais de uma centena de obras-primas, sobretudo pictóricas e de autores portugueses, que ombreiam com peças de escultura e de mobiliário, tapeçarias, ourivesaria e instalações diversas. O próprio nome da fundação diz muito sobre o espírito que a inspirou e continua a guiar – Grande Alegria (explicado a partir do min. 3:03 do seguinte vídeo) – cunhado na expressão latina «Gaudium Magnum». Trata-se da expressão vaticana, proferida pelo Cardeal Camerlengo, para anunciar a magna notícia da escolha do novo Papa: «Annuntio vobis gaudium magnum! Habemus Papam!”» (anuncio-vos uma grande alegria – temos Papa), como aconteceu há um mês (8 de Maio), quando Leão XIV assumiu a Cátedra de Pedro. Na analogia de M. Cortez de Lobão: corresponde à boa nova, que ecoa nas famílias, quando nasce um bebé:


Se esta aventura de colecionismo começou há perto de 30 anos, a Fundação só foi criada em 2018, com o objectivo de «enaltecer Portugal, a língua portuguesa, a sua cultura e as suas gentes. Pretende ser uma instituição aberta ao mundo, promover o Bem Comum e contribuir para uma sociedade mais justa, à luz dos valores cristãos e da missão de Portugal no mundo. Para isso, aposta em quatro eixos estratégicos: Cultura, Educação, Beneficência e Investigação. No campo cultural e, em particular, na sua coleção de arte, reúne um valioso espólio de peças centradas em Old Masters, com uma forte componente de autores portugueses.» [in https://www.gaudiummagnum.org/].

Em tempo de Santos Populares, onde até os manjericos servem de pedestal verde a versos divertidos e informais, percebe-se como a cultura nacional está eivada de poesia, em todos os formatos e gostos literários. Ainda bem que Portugal teve o privilégio de um dos seus compatriotas ser dos maiores poetas de todos os tempos. Até naqueles pequenos retângulos hasteados na ‘erva dos apaixonados’, típica desta quadra festiva caberiam, na perfeição, excertos de sonetos camonianos: «Busque Amor novas artes, novo engenho,/ Que dias há que n'alma me tem posto /um não sei quê, que nasce não sei onde,/ vem não sei como, e dói não sei porquê.»; «Mudam-se os tempos, mudam-se as vontades, /Muda-se o ser, muda-se a confiança; /Todo o mundo é composto de mudança,/ Tomando sempre novas qualidades»; «(Amor) É um não querer mais que bem querer/ É um andar solitário entre a gente /É nunca contentar-se de contente /É um cuidar que se ganha em se perder», já para não falar da célebre abertura do seu soneto mais célebre: «Amor é fogo que arde sem se ver».  


Ainda bem que Amália cantou Camões no maravilhoso fado musicado por Alain Oulman: 


Maria Zarco
(a preparar o próximo gin tónico, para daqui a 2 semanas)

17 junho 2025

Poemas dos dias que correm

 Vivo na esperança de um gesto


Vivo na esperança de um gesto
Que hás-de fazer.
Gesto, claro, é maneira de dizer,
Pois o que importa é o resto
Que esse gesto tem de ter.
Tem que ter sinceridade
Sem parecer premeditado;
E tem que ser convincente,
Mas de maneira diferente
Do discurso preparado.
Sem me alargar, não resisto
À tentação de dizer
Que o gesto não é só isto...
Quando tu, em confusão,
Sabendo que estou à espera,
Me mostras que só hesitas
Por não saber começar,
Que tentações de falar!
Porque enfim, como adivinhas,
Esse gesto eu sei qual é,
Mas se o disser, já não é...

Reinaldo Ferreira (Livro I - Um voo cego a nada)

***

Ela, a Poesia de hoje

Ela, a Poesia de hoje,
Como que foge
De si mesma e se dói
De ter sido algum dia
Meramente poesia.

Erra,
Solitária e solene,
Nos caminhos da terra,
E vitupera o céu
E o que ele encerra:
- Ah! morra! Ah! esqueça Orfeu!

Canta a grilheta, a enxada
E a madrugada
Dos dias que hão-de-vir,
E como frutos, cair
Em nossas mãos...

Fala no imperativo,
E tem por vocativo
- Irmão! Irmãos!

Mas longe,
E perto, porque em nós,
Onde uma fonte canta
Uma toada clara,
Um fauno sabe e ri,
Na pedra gasta e escura,
Um fim de riso
De ironia rara...

Reinaldo Ferreira (Livro I - Um voo cego a nada)

16 junho 2025

Da redenção pela dança

 

O que há de comum entre Namoro, uma música interpretada por Fausto Bordalo Dias (muito cá de casa, como se dizia dantes) e Bela Portuguesa, uma música interpretada por Marante, um cançonetista que nunca havia passado por este estabelecimento? E não, a resposta não é são ambas músicas...

Fausto canta a desdita de Benjamim na sua paixão por uma rapariga cujo nome nunca vem a saber-se. Benjamim manda-lhe uma carta em papel perfumado e ela diz que não; manda-lhe um cartão que o amigo Maninho tipografou e ela diz que não; manda-lhe um recado pela Zefa do sete e ela diz que não; pede um feitiço forte e seguro, e o feitiço falhou; oferece-lhe jóias, paga-lhe doces, afaga-lhe as mãos e fala-lhe de amor, e ela diz que não.

Já Marante assenta toda a sua canção num refrão forte, poderoso e ritmado:

Eu sei, eu sei
És a linda portuguesa, com quem eu quero casar
Já corri mundo e não encontro outra igual com quem eu queira ficar
A mais formosa, mais gostosa das mulheres que Deus pode criar 
 

A resposta à pergunta o que há de comum em ambas as músicas? poderia ser, então, esta ideia de procura da mulher desejada. A resposta não me satisfaria, gostava de atirar-me mais para fora de pé.

***

Passei a noite de Sábado em Vila Real de Santo António, onde já tinha estado, por duas vezes, em 2007. Celebram-se, um pouco por toda a parte, aquilo a que no Brasil se chamam as festas juninas e aqui não foi excepção: um dueto composto por um cançonetista e um tocador de acordeão (com a prestimosa colaboração de um gingarelho que marca batidas diversas) animou, de cima de um palco, as largas dezenas de pessoas que se reuniram na bonita praça Marquês de Pombal e a dúzia de casais que se atiraram ao espaço para dançar.

Metade dos casais que bailaram eram compostos por duas mulheres: duas raparigas novas, duas senhoras mais de idade, algumas talvez irmãs, outras apenas amigas. Nalguns aspectos, o mundo está igual: como há 50 anos ou mais, as senhoras, à falta de parceiro masculino, atiram-se à pista, sem vergonha nem pudor, para dançar uma valsa, uma marcha, um arremedo de tango ou de de kudoro. É, no fundo, o que sempre foi nestes espectáculos mais populares onde o preconceito não entra. 

***

Volto à pergunta inicial: o que há de comum entre Namoro e a Bela Portuguesa? A resposta é simples: a redenção pela dança. A pista - ou o espaço indefinido onde se dançou - encheu-se com Marante a cantar a linda portuguesa com quem quer casar. Já Fausto termina de forma positiva a música que interpreta com maestria:

Tocaram uma rumba e dancei com ela
E num passo maluco voamos na sala
Qual uma estrela riscando o céu
E a malta gritou: Aí Benjamim!

Olhei-a nos olhos, sorriu para mim
Pedi-lhe um beijo
Lá-lá-láiá, ará-rá-lá
E ela disse que sim

Quando tudo o resto parece falhar, a dança redime-nos, seja para conquistar a rapariga com uma rumba, seja para dançar com quem nos dá mais gosto - ou que diz que sim. 

JdB 

15 junho 2025

Solenidade da Santíssima Trindade

 EVANGELHO – Jo 16,12-15

Evangelho de Nosso Senhor Jesus Cristo segundo São João

Naquele tempo,
disse Jesus aos seus discípulos:
«Tenho ainda muitas coisas para vos dizer,
mas não as podeis compreender agora.
Quando vier o Espírito da verdade,
Ele vos guiará para a verdade plena;
porque não falará de Si mesmo,
mas dirá tudo o que tiver ouvido
e vos anunciará o que está para vir.
Ele Me glorificará,
porque receberá do que é meu
e vo-lo anunciará.
Tudo o que o Pai tem é meu.
Por isso vos disse
que Ele receberá do que é meu
e vo-lo anunciará».

13 junho 2025

Dia de Santo António



Passeio de Santo António

Saíra Santo António do convento,
A dar o seu passeio costumado
E a decorar, num tom rezado e lento,
Um cândido sermão sobre o pecado.

Andando, andando sempre, repetia
O divino sermão piedoso e brando,
E nem notou que a tarde esmorecia,
Que vinha a noite plácida baixando…

E andando, andando, viu-se num outeiro,
Com árvores e casas espalhadas,
Que ficava distante do mosteiro
Uma légua das fartas, das puxadas.

Surpreendido por se ver tão longe,
E fraco por haver andado tanto,
Sentou-se a descansar o bom do monge,
Com a resignação de quem é santo…

O luar, um luar claríssimo nasceu.
Num raio dessa linda claridade,
O Menino Jesus baixou do céu,
Pôs-se a brincar com o capuz do frade.

Perto, uma bica de água murmurante
Juntava o seu murmúrio ao dos pinhais.
Os rouxinóis ouviam-se distante.
O luar, mais alto, iluminava mais.
.
De braço dado, para a fonte, vinha
Um par de noivos todo satisfeito.
Ela trazia ao ombro a cantarinha,
Ele trazia… o coração no peito.

Sem suspeitarem de que alguém os visse,
Trocaram beijos ao luar tranquilo.
O Menino, porém, ouviu e disse:
- Ó Frei António, o que foi aquilo?…

O Santo, erguendo a manga de burel
Para tapar o noivo e a namorada,
Mentiu numa voz doce como o mel:
- Não sei o que fosse. Eu cá não ouvi nada…

Uma risada límpida, sonora,
Vibrou em notas de oiro no caminho.
- Ouviste, Frei António? Ouviste agora?
- Ouvi, Senhor, ouvi. É um passarinho.
.
- Tu não estás com a cabeça boa…
Um passarinho a cantar assim!…
E o pobre Santo António de Lisboa
Calou-se embaraçado, mas por fim,

Corado como as vestes dos cardeais,
Achou esta saída redentora:
- Se o Menino Jesus pergunta mais,
… Queixo-me à sua mãe, Nossa Senhora!

Voltando-lhe a carinha contra a luz
E contra aquele amor sem casamento,
Pegou-lhe ao colo e acrescentou: - Jesus,
São horas… e abalaram pró convento.

Augusto Gil

12 junho 2025

Dos ventos Algarvios

 



Estou a banhos no Algarve. Felizmente estou sóbrio e a senilidade ainda não me bateu totalmente à porta, porque senão imaginar-me-ia no Guincho, tal a ventania. Cheguei à praia pouco passava das 5 da tarde - praia vazia... Ao longo dos alguns quilómetros que palmilhei na maré baixa, uma pessoa a tomar banho. Há uma esperança que mude, para que não corramos de dizer eh pá! Mais valia ficares no Guincho: tem ondas e é mais perto... Uma praia vazia tem encantos e estar a 10 minutos a pé do mar encantos ainda maiores, onde quer que seja.

JdB 

11 junho 2025

do teu amor *

 numas águas furtadas perdidas,

a cidade branca lá fora,
e nós, poetas e poema 'in motion',
entretidos a ser felizes.

disse um poeta russo
que nada do que excluía a alegria lhe interessava.
dias houve, minha querida,
em que tudo o que te excluía me dizia nada vezes nada.

como disse outro poeta, daqueles a sério,
um mundo que te inclui não pode ser um mau mundo.
mas agora, em que restamos já só de memória,
isso vale um avo de mel coado - moeda fraca e incolor.

sobeja-nos o mistério - e a 'feérie' -
de um dia, num vão de escada, termos sido capazes
de reinventar (sujeito, complemento e predicado)
essa coisa do amor.

(e tudo isso e o seu contrário:
o que a vida tem de pior e de melhor)

incluo aqui os beatles, kafka, ruy belo,
mais os cinco violinos do sporting,
toda a música sacra,
nova iorque e a matemática,
o dia mais perfeito,
daqueles que fazem rimar agosto e calor.

nada, minha menina, nada de nada,
chega ao sabor da tua pele,
essa ideia desvairada e luzidia
de matar fome e sede e mágoa
com as migalhas do teu amor.


gi.

* publicado originalmente a 22 de Janeiro de 2010

10 junho 2025

10 de Junho

 O INFANTE


Deus quer, o homem sonha, a obra nasce.
Deus quis que a terra fosse toda uma,
Que o mar unisse, já não separasse.
Sagrou-te, e foste desvendando a espuma.

E a orla branca foi de ilha em continente,
Clareou, correndo, até ao fim do mundo,
E viu-se a terra inteira, de repente,
Surgir, redonda, do azul profundo.

Quem te sagrou criou-te português.
Do mar e nós em ti nos deu sinal.
Cumpriu-se o Mar, e o Império se desfez.
Senhor, falta cumprir-se Portugal!

s.d.
Mensagem. Fernando Pessoa. Lisboa: Parceria António Maria Pereira, 1934 (Lisboa: Ática, 10ª ed. 1972).  - 57.

***


Poema e imagem tirados daqui 

08 junho 2025

Solenidade do Pentecostes

 EVANGELHO – João 20,19-23

Na tarde daquele dia, o primeiro da semana,
estando fechadas as portas da casa
onde os discípulos se encontravam,
com medo dos judeus,
veio Jesus, apresentou-Se no meio deles e disse-lhes:
«A paz esteja convosco».
Dito isto, mostrou-lhes as mãos e o lado.
Os discípulos ficaram cheios de alegria ao verem o Senhor.
Jesus disse-lhes de novo:
«A paz esteja convosco.
Assim como o Pai Me enviou,
também Eu vos envio a vós».
Dito isto, soprou sobre eles e disse lhes:
«Recebei o Espírito Santo:
àqueles a quem perdoardes os pecados ser-lhes-ão perdoados;
e àqueles a quem os retiverdes ser-lhes-ão retidos».

04 junho 2025

Vai um gin do Peter’s

 CAMÕES POETA-FILÓSOFO-CIENTISTA 

O magno poeta da história de Portugal foi também um filósofo, conhecedor de astronomia, física, geografia, história e artes náuticas. A comemoração dos 500 anos do seu nascimento (entre 1524 e 1525) têm proporcionado alguma divulgação sobre o génio enciclopedista de Camões, que se estende muito para além da literatura. 

O poeta viveu num século pujante para Portugal – líder dos mares com a descoberta do caminho marítimo para a Índia e de toda a costa africana, ao longo do Atlântico e do Índico, a chegada ao hemisfério sul ancorando no Brasil (Terra de Vera Cruz, à época), o domínio das rotas comerciais mais valiosas do Oriente para a Europa com o monopólio das preciosidades indianas, a vanguarda dos conhecimentos tecnológicos. Como reconhece o jornalista historiador britânico, Martin Page, no seu livro «The First Global Village: How Portugal Changed the World» (a 1ª edição data de 2002), Portugal foi o precursor da primeira vaga da globalização, dando a conhecer novos mundos ao mundo. 

Outro britânico, Roger Crowley, escreveu sobre o impacto dos avanços portugueses para o rumo da história, sob o título: «Conquerors: How Portugal Forged the First Global Empire» (2015). Sinopse: «In Conquerors, New York Times bestselling author Roger Crowley gives us the epic story of the emergence of Portugal, a small, poor nation that enjoyed a century of maritime supremacy thanks to the daring and navigational skill of its explorers—a tactical advantage no other country could match. Portugal’s discovery of a sea route to India, campaign of imperial conquest over Muslim rulers, and domination of the spice trade would forever disrupt the Mediterranean and build the first global economy.»

Numa conferência épica, decorrida a 26 de Junho de 2024, um grupo de cientistas, dos quais vários com especialidade em matemática (Carlos Pereira dos Santos, Henrique Leitão, Joana Lima de Oliveira, Telmo Santos), exemplificaram as incontáveis referências científicas presentes nos Lusíadas, que fluem com enorme beleza sob uma musicalidade poética exímia.  As menções à abóboda celeste do hemisfério Sul, numa narrativa que acompanha as diferentes constelações estelares visíveis ao longo do caminho, são de tal rigor astronómico, que é possível localizar todo o itinerário percorrido pelos navegadores portugueses, apenas com base nessas referências poéticas de triplo sentido – literário, histórico e astronómico –, até as naus aportarem na Índia, onde a estrela polar não é visível!

A abertura dos Lusíadas – «… por mares nunca antes navegados…» – dá o mote sobre a maior proeza dos Portugueses, ao tornarem navegáveis oceanos antes intransponíveis. As naus portuguesas transfiguraram o alto-mar, antes finis terra, e depois acesso a novos mundos, antes barreira e depois elo entre civilizações e potências terrestres desconhecidas entre si. Camões está bem ciente do mérito dessa novidade revolucionária, dedicando-lhe dez cantos líricos, que enaltecem o novo paradigma interplanetário introduzido pelos Descobrimentos portugueses. 

Também as remissivas geográficas camonianas, as suas alusões à cultura mitológica da Antiguidade clássica, as evocações de períodos antanhos, acrescentam densidade histórica e científica à sua lírica. Note-se que Camões também fez a mítica travessia até à Índia, com o continente africano a bombordo (na ida), anos depois da viagem de Vasco da Gama. Essa experiência, permitiu-lhe acompanhar ao detalhe as peripécias daquele itinerário nunca antes percorrido em toda a sua extensão, recriando com factualidade o heroísmo do percurso inaugural. 

Nos perfis ricos das personagens maiores da história portuguesa, Camões revelou especiais dotes de psicologia e também de sociologia, desenhando não apenas os líderes, mas a gesta de um povo mobilizado para um grande empreendimento nacional. Teceu ainda lúdicos considerandos sobre o rumo de um país capaz de uma empresa maior, mas avesso a valorizar quem narra e quem contribui por sua livre iniciativa, sem o respaldo, nem a chancela das corporações e demais suspeitos do costume, que persistem teimosamente num país ainda aperreado. 

Antecipando-se às comemorações de 2024/25, o autor ilustrador José Ruy aventurou-se na transposição do conteúdo integral de «Os Lusíadas» para banda desenhada. Tendo iniciado a sua carreira aos 14 anos, José Ruy é o autor português de BD com maior número de títulos publicados, traduzidos para 11 línguas e sucesso reconhecido além-fronteiras, em vários países europeus, no Brasil, na China e no Japão. O autor, que tem privilegiado figuras e temas históricos, foi o primeiro a ter a audácia de trabalhar um poema épico em BD.   

Na Fundação Medeiros e Almeida abundam as peças alusivas ao poeta-cientista-historiador-filósofo, que têm merecido destaque em exposições temporárias comemorativas dos 500 anos de Camões:  

Desenhado pelo artista plástico Lima de Freitas (1927-1998), um conjunto de pratos de porcelana da Fábrica Vista Alegre,
encomendado em 1980, aquando do 4º centenário da morte do poeta

Leque plissado em papel e marfim, com vistas de Lisboa, entre elas da Praça Luís de Camões, provavelmente copiadas de postais da época.

“Rara placa” circular de bronze, em relevo, alusiva ao tricentenário de Luís de Camões, em 1880, com o busto do poeta,
assinado pelo escultor José Simões de Almeida (1844-1923). Inclui a marca do fundidor lisboeta – João Burnay.

Igualmente da fábrica Vista Alegre, da sua manufactura inicial, sobressaem os copos de vidro lapidado e facetado,
com a efígie de Luís de Camões,  datados entre 1837 e 1846.


Primeira tradução, em inglês, d’Os Lusíadas e, igualmente, a primeira para uma língua não-ibérica”, datada de 1655, sob o título
“The Lusiad, or Portingal Historical Poem writen in the Portingall language by Luis de Camoens, and now newly put in to English”.
Traduzida pelo poeta Richard Fanshaw (1608-1666), que foi embaixador inglês em Lisboa, durante a regência da mulher de D. João IV,
D. Luísa de Gusmão (1613-1666). 

No Pavilhão de Portugal na Expo está patente, até 27 de Julho, a mostra «Meu matalote e amigo Luís de Camões», onde Os Lusíadas dialogam com as artes visuais. Sinopse: Assume-se como conceito orientador a lição a D. Sebastião que é Os Lusíadas. Nessa medida, o percurso expositivo, composto por 12 núcleos temáticos, cruza a narrativa do poema com a autobiografia do poeta, tanto na épica como na lírica. (…) Integra várias obras de arte, entre texto e imagens, entre Camões e outros autores, com esculturas de Simões de Almeida e Canto da Maya, pinturas de José Malhoa, Columbano, Géricault, Veloso Salgado, Cristóvão de Morais, Lourdes Castro, James Ward a partir de Ticiano. Nos desenhos, contam-se obras de Domingos António de Sequeira, Luca Cambiaso e Abraham Bloemaert. Nas fotografias constam obras de Candida Hoefer, Thomas Ruff, Jorge Molder, Hiroshi Sugimoto, Luís Pavão. Algumas das instituições que emprestam obras originais são: o Museu Nacional de Arte Antiga, o Museu Nacional de Arqueologia, o Museu Calouste Gulbenkian, a Academia das Ciências de Lisboa, o Palácio Nacional da Ajuda, o Museu Nacional Soares dos Reis, o Museu Nacional Grão Vasco, o Centro de Arte Moderna da Fundação Calouste Gulbenkian, a Coleção de Fotografia novobanco e alguns colecionadores privados. HORÁRIO: 10h00-18h00, de Terça-feira a Domingo. Entrada livre. VISITAS GUIADAS todos os Sáb. e Dom., nos seguintes horários: 10h | 12h | 14h | 16h.

Na contagem decrescente para os Santos Populares, valerá a pena descobrir folgas na agenda para aproveitar os festejos de Camões, que pululam por todo o país. Aqui ficou apenas um brevíssimo aperitivo do que corre em Lisboa.

Maria Zarco
(a preparar o próximo gin tónico, para daqui a 2 semanas)

03 junho 2025

Da oncologia pediátrica e das adjectivações

Começo este texto sob o signo do receio: conseguirei transmitir o que quero sem ser desagradável ou injusto? Talvez não, mas não serei acusado de não tentar.

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Há cerca de 12 anos escrevi um pequeno ensaio para um curso que estava a tirar. O título era A Santidade, ou da perfeição das vidas quotidianas e eu escrevia a um dado momento:

Enquanto houver alguém que se disponha a lutar pela reposição da justiça, que perdoe ofensas, que rasgue um pouco do seu manto para cobrir a nudez do próximo, que se sinta desafiado à entrega gratuita e voluntária aos outros, que não desvie o olhar perante a miséria que confrange, que chore com a morte injusta, então o milagre conviverá connosco de mãos dadas. 

Enquanto houver alguém ao nosso lado que teime levantar o céu, no significado feliz que lhe dá o Prof. José Mattoso, que encontre no seu sofrimento um sentido para a vida, que saiba oferecer uma palavra a um velho abandonado ou uma mão a uma criança doente, que arrisque a sua vida pela vida dos outros, então a esperança de um mundo melhor mantém-se viva. 

Enquanto houver alguém assim, por menor que seja o número desses alguéns na multidão anónima de egoísmos, prepotências, comodismos, indiferenças, não perderemos a esperança, e assumiremos a santidade - ou a perfeição dos dias quotidianos - como uma possibilidade ao virar de uma esquina, numa fábrica, numa vizinhança, num escritório, num hospital, numa escola, numa família. Negar este caminho é trocar uma vida grande por um mundo pequeno - um mundo que será sempre pequeno de mais.    

O objectivo do texto era, acima de tudo, valorizar a santidade do quotidiano, a santidade dos pequenos gestos, mais do que a santidade proveniente dos milagres (o que quer que isso signifique para cada um de nós) que impressionam pela ausência de uma explicação lógica ou científica. 

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Vem isto a propósito do que se tem vindo a escrever sobre Luis Enrique, treinador do PSG (clube que ganhou muito recentemente a Liga dos Campeões) e sobre o facto de a sua filha Xana ter morrido com um cancro em 2019, tinha ela 9 anos. 

Por motivos óbvios, tenho uma solidariedade dupla para com Luis Enrique: sei o que é perder uma filha pequena e sei o que é perder uma filha pequena para um cancro. E o que eu sei saberão também os cerca de 15 Pais que entrevistei nos últimos meses, e que perderam filhos para um cancro. 

Gostei da homenagem que os adeptos do PSG fizeram ao treinador, exibindo nas bancadas uma imagem que se tornou de certa forma icónica: pai e filha no centro do campo a cravarem uma bandeira do clube - há 6 anos do Barcelona, se não me engano, agora do PSG. É uma homenagem bonita que, estou certo, se exibiria se o clube francês tivesse perdido por 5-0. De outra forma não faria sentido. Onde reside o meu desconforto? No que tenho lido (Linkedin, pois não estou em mais rede nenhuma) acerca de Luis Enrique, que é quase retratado com um herói porque, tendo-lhe acontecido o que aconteceu, conseguiu chegar onde chegou.

Para todos estes Pais, a morte dos filhos é um ponto de viragem; nada será como dantes ou, para citar a frase de uma mãe a uma filha que perdera a sua própria filha, tu nunca mais vais ser inteira (Público, 31 de Maio de 2025). Todos eles (mães e pais) tiverem de reinventar-se, fossem gestores, advogados, funcionários de uma autarquia ou empregados de limpeza. Ou mesmo treinadores de futebol. Todos eles tiveram de lutar para manter o equilíbrio mental, para aguentar relações, para suportar as saudades ou para combater a ideia de que não se aguenta uma dor destas. 

Repito: tenho o maior respeito humano pelo Luis Enrique, pois da sua vida profissional sei quase nada. Mas o homem que ele é não me merece mais respeito pelo facto de, 6 anos após o drama que lhe assaltou a vida, ter conseguido um troféu importante ou por, no momento em que soube do drama, ter suspendido a sua vida profissional. Esta é a vida dele, igual a quem, nos confins da Madeira, passa os dias numa repartição. O que me merece respeito é a dor das pessoas, mais do que aquilo que cada um faz com o que lhe acontece, porque há gente a quem falta ânimo, ou que gastam o pouco que têm a sobreviver. 

***

Os grandes heróis, os grandes santos, nem sempre são os que se evidenciam pela visibilidade dos grandes gestos, mas pela perfeição do quotidiano - ou por uma tentativa, nunca desistida, de perfeição do quotidiano.

JdB

01 junho 2025

Solenidade da Ascensão

 EVANGELHO – Lucas 24,46-53

Naquele tempo,
disse Jesus aos seus discípulos:
«Está escrito que o Messias havia de sofrer
e de ressuscitar dos mortos ao terceiro dia
e que havia de ser pregado em seu nome
o arrependimento e o perdão dos pecados
a todas as nações, começando por Jerusalém.
Vós sois testemunhas disso.
Eu vos enviarei Aquele que foi prometido por meu Pai.
Por isso, permanecei na cidade,
até que sejais revestidos com a força do alto».
Depois Jesus levou os discípulos até junto de Betânia
e, erguendo as mãos, abençoou-os.
Enquanto os abençoava,
afastou-Se deles e foi elevado ao Céu.
Eles prostraram-se diante de Jesus,
e depois voltaram para Jerusalém com grande alegria.
E estavam continuamente no templo, bendizendo a Deus.

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