Vi 4ªfeira, na RTP1, o primeiro episódio de uma série intitulada Furriel não é nome de pai* sobre os filhos que os militares portugueses deixaram na Guerra Colonial. O episódio de ontem passava-se na Guiné-Bissau e, penso eu, é aí que surge o nome: um rapaz pequeno terá perguntado à mãe como é que se chamava o pai dele. A mãe ter-lhe á respondido: furriel. Foi um amigo mais tarde que lhe ensinou que furriel não é nome, mas posto.
Há vários pontos por onde olhar para o episódio de ontem. Podemos ver o drama de crianças pequenas que são mais claras do que os amigos e família e que, por isso, são discriminados. Uma das crianças referiu que, quando havia visitas em casa, a mãe a colocava debaixo da cama por vergonha. Se as visitas se demorassem uma tarde inteira, a criança passava uma tarde inteira debaixo da cama, para onde lhe levavam comida ou água. Uma das crianças falou nos maus tratos de um tio que lhe puxava os cabelos e batia. Outra falava dos insultos na rua: és resto de tuga ou coisa semelhante.
Podemos também ver o episódio de ontem pela lente do afecto. Todas as pessoas entrevistadas (não sei se uma maioria ou uma minoria desta comunidade) falaram no gosto que teriam em conhecer o Pai, no orgulho que o Pai teria neles, no desejo de abraçar o Pai e mesmo de serem portugueses pela lei, uma vez que se sentem portugueses pelo afecto. Rezam o terço, depõem flores num cemitério local onde há campas de militares portugueses, falam na tristeza que sentem por lhes faltar uma fatia da família, têm confiança de que o governo da República repare este injustiça.
A guerra terminou há 50 anos. Alguns militares (pais destes restos de tugas) terão hoje 75 ou 80 anos, talvez até mais. Como reagirão se alguém lhes disser conheci o teu filho na Guiné, diz que gostava muito de te conhecer. Um Pai, parece-me, nem quis falar sobre o assunto. Alguns militares conviveram algum tempo com os filhos e as crianças têm memória desse tempo - a chegada no jipe, a carne que traziam do quartel, as promessas de que, chegando à metrópole, mandariam vir o filho e a mãe. Nada aconteceu.
Como seria o encontro destes Pais e filhos? O que diria um reformado de Oliveira de Azeméis ou de Beja ou do Funchal a um rapaz ou rapariga da Guiné com quem nunca conversaram? Como se estabelecem relações de afecto em pessoas que tiveram 50 anos sem saber uns dos outros, talvez porque uma das partes não quisesse? De que falariam, como falariam?
JdB
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