Se fosse vivo, o meu Pai faria hoje 100 anos. Dou por mim a pensar nisto e a perguntar-me se lembrarei a minha avó paterna no dia 16 de Fevereiro de 2026, dia em que ela faria 130 anos, que também é uma data redonda, ou se lembraria outras pessoas que, tendo morrido cedo, cumpririam o centenário agora. O quê ou quem queremos lembrar, e porque queremos lembrar?
Estou certo de que ele gostaria de festejar o centenário, e tenho a presunção de achar que sei como gostaria de fazê-lo: com a família mais próxima, com os amigos dos almoços de 6ªfeira, com uma ou outra pessoa afectivamente mais chegada, com as pessoas que o divertiam ou que com ele se riam, ou que tinham atenções e provas de amizade, ou que com ele falavam de família, de gravuras e de loiça, e que percebiam os trocadilhos que requeriam perspicácia. Festejá-lo seria fácil; talvez a sua única exigência fosse que não o maçassem nem que ninguém se maçasse. Sempre que oiço discursos em casamentos ou festas lembro-me do seu conselho sábio: nunca dêem um microfone a um homem. Na única vez que o vi pegar num microfone - no lançamento do livro com parte dos seus Pensamentos Impensados, uma simpatia de um primo, que muito o sensibilizou - talvez não tenha falado durante mais de cinco minutos.
Começou a publicar (com muito gosto) os seus pensamentos neste estabelecimento no dia 9 de Julho de 2017. A última entrada data de 16 de Março de 2019 e tinha por título Pensamentos Impensados (versão convalescente). Morreria em Novembro desse ano, fiel ao seu princípio de deixar a morte para os últimos momentos. Ainda que com algumas falhas de criatividade que tanto o desmoralizavam, manteve um humor fino até ao final, até quando afirmou que evacuar era ar misturado com vácuo.
Tenho em minha posse um ficheiro que serviu de base ao livro mencionado acima, um livro que, como está escrito no prefácio que ele me pediu para lhe redigir, foi o Manuel que editou, o outro Manuel que escolheu, o Caetano e o Segismundo que ilustraram [todos de apelido Bragança]. Há ainda o Pedro Alvim que, por ter apelido diferente, garante a seriedade da coisa. O ficheiro tem mais de 600 pensamentos (!!!) e foi obra (com muito riso à mistura) ter de escolher o que seria publicado.
Como homem de fé estou certo de que estará no Céu, um espaço virtual que lhe levantava inquietações, nomeadamente quanto às pessoas que iria encontrar. E perguntava-me: será que vou encontrar o D. João IV? A minha resposta era vaga e ignorante: não faço ideia, talvez encontre quem quiser encontrar... Quer encontrar o D. João IV?
Como singela mas tocante homenagem (uma frase muito dele) voltarei a publicar os seus Pensamentos Impensados a partir deste sábado. Tenho material suficiente, embora com humor variável. Estou certo de que gostará de ver-se publicado. Estou em crer que mostrará esta pérola à D. Catarina de Bragança (será que também a encontra?) esperançada que ela, tendo sido casada com um inglês, ache graça: os dois sexos que trabalham nos correios em Inglaterra são 'mail' e 'femail'.
JdB
3 comentários:
Isso, isso, João! Venham de lá os pensamentos impensados. No Céu, a esta hora, já saberá tudo sobre o Adão e deliciar-se-á, todas as 6ªs, religiosamente, com as palavras cruzadas que o IPA lhe fará chegar por diligente potestade ou dominação! E já terá resposta para uma pergunta recorrente: "afinal, quanto tempo durou a segunda vida de Lázaro".
Um abraço,
NP
Obrigado, Nuno, pela visita e pelo comentário de que ele gostou muito, seguramente.
João,
Lembro com saudade o teu Pai, nos 100 anos da sua morte.
Boa decisão a de republicar o seu livro.
Abraço,
fq
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