Era uma vez uma gaveta. Era de madeira, como todas as outras. Tinha puxadores trabalhados, bem presos e um forro de papel velho e desgastado com o uso.
Naquele mundo não havia justiça. Havia gavetas preferidas. Havia outras que se tentavam fechar para que nunca mais se abrissem. Mas era impossível.
As gavetas abriam, os seus moradores saltavam e gritavam, brincavam, choravam e até se zangavam uns com os outros.
Para melhor organização daquele mundo complexo a que os humanos chamavam cabeça, as gavetas tinham números.
Quando o mundo foi criado, algumas gavetas vinham incluídas no pacote, outras foram sendo adquiridas ao longo dos anos, outras nunca chegaram a abrir (provavelmente não seriam usadas para nada).
Havia uma gaveta em especial, que por fora era igual às outras. Madeira, puxador branco, mas com um habitante que moía o juízo aos outros. Lá dentro vivia a solidão. Como companheiro, uma dose enorme de pó, que chorava todos os dias, e de cotão, que gritava sem ninguém dar por isso.
Tentaram várias vezes fazer trocas. Esconder a solidão numa gaveta que não fosse aborrecer mais ninguém, fechá-la, calá-la mas... a solidão não se cala, as gavetas não têm chave e ela dali não saía.
Levaram a situação a um ponto tão grave que tentaram expulsar a solidão do mundo. Mas nada, nem os humanos conseguiam resolver o assunto.
Nem com talão, reclamação e justificação plausível a troca seria feita. Os moradores do mundo até discutiram com quem lhes impingiu aquilo. Disseram que não servia para nada, só para desarrumar as outras gavetas. Perceberam então que, quando se adquiriam os outros produtos, a solidão estava anexada, era um género de brincadeira de mau gosto.
A maioria das outras gavetas (conformadas com aquela presença estranha) pouco ou nada queria saber daquela que tinha a solidão. Ignoravam-na a maioria dos dias, iluminadas com a luz do sol, todas funcionavam bem. Entre o abrir e o fechar, os saltos e piruetas do que estava dentro das outras gavetas e armários, ninguém dava muito pela solidão.
A sabedoria e a inteligência brincavam uma com a outra. O sentido de humor, uma criatura pequenina e sorrateira, escondia-se e pregava sustos às convenções sociais e ao silêncio. O mau feitio era estranho, disfarçava-se e dava-se muito mal com o sentido de humor. Aparecia só de quando em vez, e quando não aparecia, fechava-se na sua gaveta com os amiguinhos: os gritos e a arrogância, e às vezes também se juntava a raiva.
Na minha cabeça tenho as gavetas do cérebro bem organizadas. Mas há uma vazia, forrada com um papel velho e gasto, entreaberta, com cotão, pó e um ser estranho a viver lá. Já pensei, mas ainda não sei o que fazer com ela.
All the lonely people, where do they all come from?
All the lonely people, where do they all belong?
Naquele mundo não havia justiça. Havia gavetas preferidas. Havia outras que se tentavam fechar para que nunca mais se abrissem. Mas era impossível.
As gavetas abriam, os seus moradores saltavam e gritavam, brincavam, choravam e até se zangavam uns com os outros.
Para melhor organização daquele mundo complexo a que os humanos chamavam cabeça, as gavetas tinham números.
Quando o mundo foi criado, algumas gavetas vinham incluídas no pacote, outras foram sendo adquiridas ao longo dos anos, outras nunca chegaram a abrir (provavelmente não seriam usadas para nada).
Havia uma gaveta em especial, que por fora era igual às outras. Madeira, puxador branco, mas com um habitante que moía o juízo aos outros. Lá dentro vivia a solidão. Como companheiro, uma dose enorme de pó, que chorava todos os dias, e de cotão, que gritava sem ninguém dar por isso.
Tentaram várias vezes fazer trocas. Esconder a solidão numa gaveta que não fosse aborrecer mais ninguém, fechá-la, calá-la mas... a solidão não se cala, as gavetas não têm chave e ela dali não saía.
Levaram a situação a um ponto tão grave que tentaram expulsar a solidão do mundo. Mas nada, nem os humanos conseguiam resolver o assunto.
Nem com talão, reclamação e justificação plausível a troca seria feita. Os moradores do mundo até discutiram com quem lhes impingiu aquilo. Disseram que não servia para nada, só para desarrumar as outras gavetas. Perceberam então que, quando se adquiriam os outros produtos, a solidão estava anexada, era um género de brincadeira de mau gosto.
A maioria das outras gavetas (conformadas com aquela presença estranha) pouco ou nada queria saber daquela que tinha a solidão. Ignoravam-na a maioria dos dias, iluminadas com a luz do sol, todas funcionavam bem. Entre o abrir e o fechar, os saltos e piruetas do que estava dentro das outras gavetas e armários, ninguém dava muito pela solidão.
A sabedoria e a inteligência brincavam uma com a outra. O sentido de humor, uma criatura pequenina e sorrateira, escondia-se e pregava sustos às convenções sociais e ao silêncio. O mau feitio era estranho, disfarçava-se e dava-se muito mal com o sentido de humor. Aparecia só de quando em vez, e quando não aparecia, fechava-se na sua gaveta com os amiguinhos: os gritos e a arrogância, e às vezes também se juntava a raiva.
Na minha cabeça tenho as gavetas do cérebro bem organizadas. Mas há uma vazia, forrada com um papel velho e gasto, entreaberta, com cotão, pó e um ser estranho a viver lá. Já pensei, mas ainda não sei o que fazer com ela.
All the lonely people, where do they all come from?
All the lonely people, where do they all belong?
TdB
4 comentários:
TdB,
Bom texto, é uma abordagem diferente ao texto intimista do Contador, cujo o autor foi o ATM.
Volte sempre....
Muito giro, muito bem escrito! pcp
TdB, ai as gavetas...
este exercício de arrumação é complexo e cansativo, mas para si que já o descobriu, vai ser fácil e divertido. Have fun e faça o favor de continuar a escrever. Bjo
Querida Teresa,
Se conseguir conviver com essa gaveta, deixando-a entreaberta, e aceitar essa realidade vai "voar mais alto e melhor". Aliás este seu texto é um bom exemplo disso!
Beijinhos
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