09 fevereiro 2017

Caminho Marítimo para a Índia (X)



Perguntam-me como classificaria, numa escala de 0 a 10, a minha viagem à Índia. Respondo sem pensar muito: talvez um 8. Quem me pergunta espanta-se, porque acha que dos vários posts ressalta uma classificação mais baixa. Admito que a impressão possa ser essa, talvez pelo fraccionamento das sensações. Globalmente não tenho dúvidas em classificar a ida à Índia com um 8 (e poderia ir sem pejo ao 9...), e retiro desta classificação pormenores logísticos do tipo hotel, residência onde ficámos, organização dos programas, etc. Esse campeonato é diferente, e já lá iremos. 



Dizem que se ama ou se odeia a Índia. Estarei seguramente mais próximo do amor, embora a adjectivação me pareça exagerada. No fundo, gostei de tudo, até dos aspectos de que gostei menos. Eu explico, sem grande preocupação de cronologia correcta. Gostei de ter ido a Deli, embora não tivesse gostado da cidade. O gosto não está na beleza, mas no caos, na absoluta diferença, numa certa hostilidade sonora. Gostei muito de ter tomado banho numa praia em Goa. Gostaria de repetir? Claro que sim. Mas esse gosto não me impede de achar que a praia não é extraordinária. O que é extraordinário é a experiência, o conhecimento, a diferença. Ainda em Goa fomos a 3 ou 4 igrejas. Uma delas, a última, é a Igreja de Santa Mónica. Gostei de lá ter ido? Claro que gostei, independentemente da igreja não ser interessante. O gosto está na experiência, na novidade, na diferença.  Por último, para não me estender muito: não sou fã incondicional do picante na comida; talvez tenha, mesmo, uma tolerância baixa ao picante (dizem-me que o picante na comida não é coisa para meninos...). No limite, toda a comida indiana saberá ao mesmo - a picante. No entanto, sempre que pude experimentei comida indiana das várias regiões (o biryani, por exemplo, é particularmente bom). Se a comida não é extraordinária, é extraordinária a impressão, a diferença, a experiência, o conhecimento.




A sensação global de uma viagem, a classificação final que lhe damos, não pode ser apenas avaliada pela soma ou média aritmética das classificações parciais: comida x; praia y, hotéis z, igrejas w, etc. A sensação global está na sensação, passe o pleonasmo, não na análise do facto, no ranking das coisas, na colocação em tabela do melhor e do pior. Há, para mim, uma apreciação geral, feita do que não é tangível - o que me impressionou, o que entrou dentro de mim, a emoção que tudo suscitou. Por isso, repito, a experiência do feio (a falta de limpeza), do desinteressante (um ou outro templo / igreja) ou mesmo do agressivo (o ruído do trânsito) pode ser um facto positivo, porque sensorial e distinto do que nos é habitual. Isto para não revelar tudo o resto que é extraordinário, quer seja de beleza (o Amber Fort ou a Igreja de S. Francisco de Assis, por exemplo), de nacionalismo (Pangim) ou de exótico (a praia). Para além dos contactos humanos, da simpatia das pessoas nas lojas ou nas ruas, do almoço indo-português ou de tanto mais. 

Viajar, em resumo, é a procura da experiência, da sensação, do conhecimento, e não forçosamente o contacto com o belo.  E é, sobretudo, a procura do regresso a casa.

***

Viajar em grupo é um desafio - é a gestão das sensibilidades e das preferências, das vontades próprias ou do grupo. É encontrar um menor múltiplo comum no que diz respeito à comida, aos hotéis, aos locais a visitar, às horas de partida e de chegada, à escolha entre um passeio no mercado, num museu, numa igreja ou num templo hindu. Viajar em grupo - e por maioria de razão na Índia, onde a autonomia de circulação é menor do que numa cidade do hemisfério norte - é a (quase) obrigatoriedade da circulação em conjunto, em uníssono, com a mesma passada. E a passada pode ser diferente: enquanto uns apreciam o facto, outros dão valor à sensação. E isso é particularmente palpável na relação com os guias turísticos (de que falarei em abstracto um dia): a grande maioria dos guias conta dados históricos - construção no século tal, rei x, guerra de tantos anos, percentagem de hindus. Eu, por exemplo, tenho pouca memória para factos. Enquanto os oiço distraio-me, tiro fotografias a uma arcada, apanho uma perspectiva, um grupo de chineses fardados de artistas de circo com um selfie stick, invento-lhes uma história, agarro uma emoção. O meu gosto é imenso - talvez apenas diferente.




Por último, mas não menos importante (até pelo parágrafo prévio) o nosso casal anfitrião tudo fez para conseguir um passeio homogéneo, equilibrado, eficiente e ligeiro numa proporção justa: visitámos áreas tão diferentes como a religião católica ou hindu, comemos de regiões díspares da Índia, fomos tratados de forma exemplar na casa que nos recebeu, proporcionando um equilíbrio excelente entre o luxo asiático e impessoal dos hotéis e a hospitalidade de um território português no qual a amizade masculina se orgulhava de uma antiguidade superior a 40 anos. Receber, organizar e acompanhar um grupo é mais desafiante do que viajar em grupo, porque se sente o peso injusto da responsabilidade. Por isso, gosto de reafirmar uma ideia explanada acima: o todo é superior à soma das partes.

À R e ao J fica o agradecimento que, por mais sentido que seja, é sempre curto de palavras. Para eles um 10, porque sou fiel aos meus raciocínios.

JdB





1 comentário:

Anónimo disse...

Não posso concordar mais com a reflexão que o autor faz sobre o que é viajar. Na Índia essa reflexão faz um sentido acrescido tais os contrastes com que qualquer turista é confrontado. Ao contrário de outros países, a Índia não tem um circuito turístico em que tudo é bonito e arranjadinho. O esplendoroso e o fantástico misturam-se invariavelmente com o medonho e o miserável. Nem toda a gente gosta desta mistura e eu fico muito contente que o JdB tenha gostado.
Fico também muito contente e orgulhoso pela imerecida nota 10 com que o autor nos brindou. Nota 10 só mesmo na vontade de fazê-lo sentir bem na nossa casa.
Um abraço
J

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