24 fevereiro 2017

Há entre mim... *

«Há entre mim e o mundo uma névoa que impede que eu veja as coisas como verdadeiramente são - como são para os outros» - Fernando Pessoa

Já dizia Fernando Pessoa, homem sábio, que a imagem construída à luz dos nossos olhos, não corresponde ao real, àquilo que de facto é e existe. Uma névoa densa, escura, equiparável ao muro de Berlim, separa tais realidades por si só tão distintas. E não há vento que a mova. Nem o vento capaz de levar um veleiro a desafiar furiosamente as leis do mar, ou a simples brisa que me traz o teu perfume são capazes de atenuar tal névoa.

Atrevo-me a híper dimensionar a metáfora utilizada pelo génio que era Fernando Pessoa e assim, arrisco comparar esta distinção entre a realidade real, perdoem-me o pleonasmo, e o cenário imaginário a um grande e profundo abismo de onde emana uma escuridão horripilante.

De um lado, o qual apelido de zona de conforto, estou eu, o Pessoa e a grande maioria dos seres humanos deste mundo que ainda não encontraram a coragem necessária para percorrer as frágeis tábuas de madeira, unidas por dois fios massacrados pelo tempo, a que chamo ponte. Refugiam-se, assim, no lado que já dominam e manipulam, fecham-se no seu porto seguro, evitando a novidade, o desconhecido, a realidade.  Vivem perante uma ilusão viciante, gratificante até, que os afasta cada vez mais da ponte e os embrenha na aliciante floresta que é o imaginário.

Do outro lado, contrastando, temos um universo de pessoas reduzido. Não admira, poucos são aqueles que optam por atravessar a tão frágil ponte que abana com uma ténue rajada. Para além de ser um acto de coragem extrema, é uma opção que envolve, impreterivelmente, choque, sofrimento, dor e lágrimas. Ao passarmos para o outro lado, ao escolhermos encarar a realidade, estamos a deixar para trás algo que já tínhamos como adquirido, um cenário que poderíamos adaptar a qualquer momento de forma a nos agradar. A passagem representa a aceitação do real sem contornos, nu e cru, dos factos como eles são e das consequências que deles advêm sem qualquer hipótese de um ajuste favorável à nossa situação.

Encontro-me do lado ilusório do abismo e por cá vou ficar até armazenar a coragem e a força necessárias para atravessar a ponte e, assim, enfrentar tamanho choque. Criei um mundo imaginário demasiado extenso para ser vivido em apenas 17 anos, porém tenho noção que o dia em que as minhas fantasias já não me saciarão e terei necessidade de passar para o outro lado, para o real, estará perto e quando fizer essa travessia espero que todos já estejam do outro lado, que tenham feito a escolha certa (e que a ponte não se tenha desmoronado!).

MTM

* publicado originalmente em 2.12.2011

1 comentário:

Anónimo disse...

Esta ponte nunca deve ser transposta porque o real não tem encanto nem felicidade, só o que vive na imaginação e no coração importa. Deixe-se estar MTM ; « navegar é preciso, viver não é preciso » . Hoje, aos seus 22 anos , veja que tem muito mais flores e luas no lado de cá, do que tinha aos 17. O seu jardim não para de crescer, porque a MTM não pára de sonhar e sorrir . Transpor a ponte é desistir de ser poeta , eu por mim e para mim diria, é deixar o Largo da Boa-Hora .A verdade é fria como a pedra . .

ATM

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