ELES ERAM mais antigos que o silêncio
A perscrutar-se intimamente os sonhos
Tal como duas súbitas estátuas
Em que apenas o olhar restasse humano.
Qualquer toque, por certo, desfaria
Os seus corpos sem tempo em pura cinza.
A Remontavam às origens — a realidade
Neles se fez, de substância, imagem.
Dela a face era fria, a que o desejo
Como um hictus, houvesse adormecido
Dele apenas restava o eterno grito
Da espécie — tudo mais tinha morrido.
Caíam lentamente na voragem
Como duas estrelas que gravitam
Juntas para, depois, num grande abraço
Rolarem pelo espaço e se perderem
Transformadas na magma incandescente
Que milénios mais tarde explode em amor
E da matéria reproduz o tempo
Nas galáxias da vida no infinito.
Eles eram mais antigos que o silêncio...
Vinicius de Moraes, in 'O Operário em Construção'
***
Os Namorados Lisboetas
Entre o olival e a vinha
o Tejo líquido jumento
sua solar viola afina
a todo o azul do seu comprimento
tendo por lânguida bainha
barcaças de bacia larga
que possessas de ócio animam
o sol a possuí-las de ilharga.
Sua lata de branca tinta
vai derramando um vapor
precisando a tela marinha
debuxada com os lápis de cor
da liberdade de sermos dois
a máquina de fazer púrpura
que em todas as coisas fermenta
seu tácito sumo de uva.
Natália Correia, in "O Vinho e a Lira"
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