Nos últimos 15 anos, talvez, e a respeito das mais díspares situações, falei abundantemente de parte significativa da minha vida pessoal - aquela que era claramente percebida por amigos e conhecidos e que se referia a um acontecimento dramático da minha existência: fi-lo no âmbito da minha paróquia, falando a jovens que iriam casar-se num futuro próximo. Fi-lo no âmbito da minha associação a uma IPSS, falando a grupos de voluntários. Fi-lo no âmbito de seminários ou encontros no estrangeiro, falando a médicos ou pais. Fi-lo no âmbito particular, falando a pessoas que passavam por experiências semelhantes à minha. Fi-lo no âmbito de entrevistas de televisão ou de rádio, de intervenções públicas enquanto presidente de uma associação, mas também o fiz de modo avulso, falando ou escrevendo aqui e ali, nomeadamente neste estabelecimento.
Nunca tive incómodos por falar de mim até porque, em muitas e muitas circunstâncias, as pessoas tiveram a amabilidade de ouvir o que eu tinha para dizer a mim próprio. Há quem ache que ensinar é aprender duas vezes. Em muitas circunstâncias, falar tinha essa dimensão dupla: falar de mim era reforçar o que era importante para mim. Eu falava para os outros mas falava, tantas e tantas vezes, para mim próprio. Os outros, vítimas amiúde de um aparente monólogo, eram o espelho que me reflectia o caminho a seguir.
De que falava ou escrevia eu? De dor, de fé, de silêncio, de morte, de serviço, de um Deus que não era senão amor, de amigos especiais ou que se tornaram especiais, do olhar mais arguto sobre os outros ou, talvez, do olhar que temos de ter mais arguto sobre os outros. Falava de discernimento, de força e de fraqueza, de fragilidade, de crianças com cancro, dos pais das crianças com cancro, de emoções. Falava, acima de tudo, da absoluta necessidade de dar um sentido ao sofrimento e, com isso, encontrar um sentido para a vida. Falava, acima de tudo, desta certeza de que, perante um acontecimento que nos amarfanha emocionalmente, para cuja violência não existe nome pronunciável, há uma possibilidade de vitória sobre o destino que se veste de madrasta.
Na semana passada, a associação de que sou presidente, em nome da qual falo publicamente e que tanto tem feito por mim, pediu-me para ser entrevistado e fotografado para uma destas revistas a que chamamos cor-de-rosa. Falei sobre aquilo de que falo há 15 anos, talvez, reforçando a ideia de que devo à associação muito do que sou e do caminho que percorri. Não disse mais do que costumo dizer, mas a ideia de exposição numa revista deste tipo - e que me merece um respeito óbvio - deixou-me irrequieto, pese embora várias pessoas me dizerem que um rosto visível traz vantagens para estas associações. Será um possível preconceito, já que o único factor eventualmente estranho será o "casamento", no mesmo número de revista, do nosso jet-set com uma associação deste tipo?
JdB
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