05 maio 2020

Do sexo e de tudo o resto

Vejo um episódio de uma série inglesa que acompanho erraticamente. A mulher, uma advogada casada, diz a um colega com quem se percebe que teve um caso - ou com quem está sempre na iminência de ter um caso: o sexo contigo era melhor; e eu disse-lhe isso [ao marido]. Percebe-se (porque não vi o episódio anterior) que entre o casal houve uma discussão, e que ele sai de casa. 

Advogada e presumível (ou potencial) amante encontram-se numa festa. Ela diz-lhe: o sexo contigo era melhor. Mas tudo o resto era melhor com ele [o marido]. Na última cena do episódio o casal participa a separação aos filhos.

Diz-se que aquilo que leva um homem ao desespero por saber que a mulher teve um caso não é o sentimento de traição, mas o pavor da comparação. Percebe-se, por isso, que o marido enganado sinta que só tem uma saída, que é uma mala com uma muda de roupa e um hotel. Não só se sentiu brutalmente comparado, como ficou a perder. Percebe-se, pois, que ele tenha saído de casa depois de ter constatado a traição, para além de que, na competição com o amante da mulher, ficou em segundo lugar. E percebe-se também que o facto de ser melhor em tudo o resto não é suficiente para regressar a casa. 

Todos conhecemos casos de pessoas que põem os seus cônjuges na rua depois de saberem de um caso extra-conjugal. O mundo está cheio disso. Porém, talvez não se conheçam tantos casos de pessoas que puseram os cônjuges na rua depois de saberem de corrupções, tráficos de influências, aldrabices nos negócios ou faltas de ética nas relações profissionais. Nem sei se os casamentos suspensos por motivo de prisão de um dos cônjuges se retoma com a liberdade da pessoa em questão. 

Esta duplicidade de valores sempre me fez confusão, mas talvez tudo isto se deva a uma importância demasiadamente negativa que se dá ao corpo, ao sexo, ao prazer. A infidelidade pode não ser (como também pode ser) uma falha de carácter, mas uma fraqueza, tantas vezes momentânea ou localizada num espaço de tempo. Há sempre desrespeito pelo outro, mas poderá haver atenuantes. Ora, um aldrabão (no masculino ou no feminino) que persiste é um aldrabão por natureza - e isso é uma falha de carácter. Conhecemos affaires pontuais, não conhecemos cheques carecas pontuais. Aparentemente, a honestidade nos negócios é menos importante do que os prazeres da carne na manutenção de uma relação.

Na longa lista de que se reveste uma relação conjugal, há sexo e há tudo o resto. Para o homem que deixou a aliança e as chaves em casa e saiu com uma muda de roupa para um hotel, o primeiro tem um peso superior ao do segundo. Sexo vale mais que tudo o resto.  Isto quer dizer alguma coisa.

JdB        

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