Tenho 62 anos, pelo que no 25 de Abril tinha 16. Durante meia dúzia de anos fiz militância no CDS: colei cartazes sem saber se iríamos ser atacados por partidos de esquerda, defendi bancas no liceu contra a investida da UEC, envolvi-me num ou noutro encontrão; nunca deixei de votar nesse partido. Não sou filho de industriais ou de bancários, mas acompanhei de perto nacionalizações, emigrações forçadas para o Brasil, gente que soube ter estado presa sem culpa formada ou porque pertencia a determinada família. Sendo que uma parte da minha família estava ligada à agricultura, segui ocupações, comícios da CAP, entregas de terras, violências e perseguições. A minha jornada política era muito marcada pela bipolarização: os comunistas estavam do outro lado da barricada; entre nós e eles havia um muro intransponível; sabíamos que, com eles no governo, as nossas vidas corriam algum perigo.
Esta nota autobiográfica deriva de uma conversa que tive ontem: se eu fosse artista e fosse contratado para actuar na festa do Avante, iria? A minha resposta óbvia e imediata seria não, não iria. Porquê? Porque tenho memória do que foi o Partido Comunista em Portugal, do que fizeram e do que fariam se tivessem podido. Naquela altura, os fascistas no Campo Pequeno não eram uma metáfora. Por isso, pela memória que tenho, a minha resposta seria não.
Tenho dois filhos, de 33 e 31 anos, com ideias políticas próximas das minhas. Se eles fossem artistas iriam actuar na festa do Avante, não tendo a memória que eu tenho do que foi o pós 25 de Abril? Não sei. Perguntei a uma pessoa (que por acaso é artista) e que tem 40 anos. A resposta foi que não iria. Quando lhe perguntei porquê, falou no facto do comunismo ter morto mais de 100 milhões de pessoas. A minha recusa assenta numa dimensão mais pequena: a memória de anos que eu vivi com intensidade; tempos perigosos, de alguma violência e grande combate político.
É curioso pensarmos onde traçamos a linha que separa o sim, iria, do não, não iria. Actuaríamos num festival da IURD? Ou da Iniciativa Liberal que, segundo me parece, tem no seu programa o apoio à eutanásia? E se fosse o PS? Ou a maçonaria como ela é hoje?
JdB
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