05 agosto 2021

Textos dos dias que correm

Cinco chaves para dar asas à escrita

1. Leia sem moderação

Escrever é uma viagem, mesmo que em escassas linhas. E ler é a autoestrada para largar as amarras. É suficiente deixar-se seduzir pelas palavras de autores que admire ou que lhe agradem. Romances, testemunhos, poesia, teatro… leia por extenso ou somente excertos escolhidos. Saboreie as palavras, detenha-se numa expressão que o toque, não tenha medo de copiar: ser modelado pela língua dos outros abre para uma expressão pessoal. Guarde estes textos ao alcance da mão. No momento em que começar a escrever, não hesite em folhear os livros que a inspiram e neles buscar permissão para se lançar.

2. Ouse o primeiro parágrafo

A escrita tem muitas vezes necessidade de um aquecimento. Cada pessoa tem a sua maneira de se pôr ao caminho. No sentido figurado e literal. Pense em mobilizar o seu corpo como melhor lhe convier: um passeio ajuda a entrar em movimento; caligrafar algumas palavras solta a mão; tomar um banho permite a clarificação; arrumar a sua mesa de trabalho põe ordem quer na sala/quarto/escritório quer no seu espírito, etc.

Esqueça todas as ideias que recebeu sobre a escrita. Trace as suas primeiras palavras, as suas primeiras frases sem as julgar, e deleite-se ao vê-las alinharem-se. Dê-lhes tempo para as introduzir ao que se segue. É possível que depois não conserve este esboço, mas, como um primeiro crepe, servirá para aquecer o fogão.

3. Exercite-se copiosamente

O mito do génio literário forjado no século XIX afastou para segundo plano a realidade artesanal da escrita. Que precisa de trabalho. Tudo é bom para se exercitar: dar a volta a um objeto, narrar a sua rua, esboçar o retrato de um comerciante, imortalizar uma hora do dia, descrever uma imagem, uma fotografia… Em algumas palavras, uma expressão, três frases… Comece pequeno e descubra a satisfação de cinzelar as palavras. Nada a impede de entrar neste jogo mentalmente. Mas atenção: depressa se torna viciante, e por isso deve ser praticado em lugar seguro (sobretudo não o faça ao atravessar uma rua!). E não esqueça que o que vem ao espírito poderá nunca ser representado, daí o interesse em ter sempre à mão uma caneta e um pequeno caderno de notas.

4. Escute-se

O estado propício interior, chamemos-lhe inspiração, aparece sem avisar e passa depressa. Na medida do possível, esteja preparada. Para o domar, comece por escrever uma cena, uma pasagem cuja evocação é agradável, feliz, ligeira. Se sentir vontade, aborde uma questão delicada, confusa, eventualmente dolorosa. Seja como for, deixe subir o que vem sem antecipar a versão final. Considere-o como uma etapa, e sobretudo conserve-a, como todas as suas (primeiras) versões.

5. Seja simples

Menos é mais, diz-se. Por vezes temos tanto a expressar, que as palavras ficam bloqueadas à porta. Ou aquelas que traçamos parecem prosaicas, muito distantes do que sonhamos: a frustração ou o sentimento de impotência espreitam. Ou então, as frases fluem livremente, mas, ao reler, o que escreveu podia ter sido redigido por qualquer outra pessoa, e nada se destaca. A solução? Voltar aos fundamentos: sujeito, verbo, complemento. A partir desta base, aos poucos, o seu estilo encorajar-se-á ou canalizar-se-á. Trabalhar o seu estilo nesta “ascese” torna-se um prazer – e cuidado com a dependência!


Délia Balland
In Le Pèlerin
Trad.: Rui Jorge Martins
Publicado pelo SNPC em 04.08.2021

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