22 abril 2022

Das low-costs

Escrevo este pequenino texto a bordo de um Airbus A320 da companhia aérea Lauda, ao serviço da Ryanair, com quem voei até Viena de Áustria.

Percebi há muito que a ideia de viajar me aterroriza; não tenho medo de aviões, não penso que vão cair, a minha claustrofobia não vai a tanto e já dei de barato que o tamanho do meu corpo não permite uma viagem confortável. O terror é a comparação com o que já foi andar de avião. A viagem de avião que eu conheci está na dimensão do petromax – sabemos que existiu, alguns de nós foram contemporâneos desse equipamento, mas já não existe. Andar de avião como se andava há 30 anos também já não existe, a não ser na mente e memória de felizardos – ou de pessoas algo idosas. Os meus filhos e netos não saberão o que era andar-se de avião ou fazer-se turismo nos anos 70, 80, ou mesmo 90.

Podem dizer-me que uma low cost é isso mesmo. O problema é que a TAP se tornou nisso mesmo também. E talvez outras companhias boas – isto, claro está, se pensarmos em viagens na Europa, que o longo curso tem algumas diferenças - se tenham aproximado deste modelo: comida má, serviço a roçar os mínimos, que ser assistente de bordo foi encanto que já deu uvas.

Viajei na fila 20. As iguarias que o serviço a bordo disponibilizava por 10€ ou 12€ desapareceram todas até à fila 10, porque depois comecei a ouvir o comissário de bordo a dizer que não tinha. Quando chegou à minha vez havia um pacotinho de azeitonas, chocolates, Pringles e lasanha de bolonhesa (foi assim que foi anunciado) vegetariana. O casal que viajava ao meu lado tirou da mochila umas bananas e umas bolachas; na fila ao lado, uma família de pai, mãe e filho adolescente tiraram umas sanduíches, embrulhadas em papel de alumínio, e uns sumos. Não vejo motivo para que, nas filas atrás de mim, não houvesse alguém a comer sopa de feijão ou um bacalhau com broa que tenha sobrado do Natal. 

O turismo (cuja palavra vem de Gran Tour, uma viagem pela Europa só acessível aos muito ricos) é um tema sensível. Gostaria de ir a Budapeste, onde estive em 1982, talvez. Quero viajar 3 horas ou mais num avião apinhado, com um serviço mau? Quero levar uma sanduíche, um gaspacho ou um ragoût para não passar fome? Não sei.... Provavelmente cederei, porque já interiorizei que nada é como vi pela primeira vez - Praga ou Budapeste do tempo da cortina de ferro já não existem. Em bom rigor já não existe nenhuma cidade que eu conheci nas minhas viagens dos anos 80 - estão todas pejadas de gente que fotografa, tira selfies, pica listas e faz barulho.

Volto à Ryanair. É uma companhia má? Não, de todo - cumpre seguramente o objectivo de transportar gente do local A para o local B ao mínimo custo possível. Eu não gosto, porque conheci outra realidade. Mas as pessoas que viajam agora não têm o gosto daquilo que está entre A e B; querem chegar. Só quem viajou na TAP há 30 anos sabe do que falo. Mesmo que não diga nada, para me deixar ficar a mim com o ónus do saudosista pateta.

JdB

1 comentário:

Anónimo disse...

JdB, francamente bom. Como o entendo; ou penso entender.

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