18 outubro 2024

De um viagem de 26 horas

Não vou falar sobre as alegrias de uma viagem de avião de Lisboa para o Hawaii: saí de casa pelas 04.30h de um Domingo e cheguei ao hotel em Honolulu nesse mesmo dia pelas 22.30h, o que não parece dramático - já fazia isso quando, em miúdo, há mais de 50 anos, ia com a minha mãe a Badajoz. Acontece que entre Hawaii e Portugal há uma diferença de 11 horas. Em resumo: apanhei um voo pelas 6.40h em Portugal e desembarquei 26 horas depois. É mais de um dia entre voos e aeroportos.

Uma viagem destas é um teste à sanidade mental de qualquer criatura. A ideia de que amamos a humanidade e que a diversidade é que dá encanto à espécie humana pode cair num repente: a gorda que vai ao nosso lado no avião e com quem mantemos um contacto físico permanente e inevitável, o velho que aclara a garganta com um volume de som que acordaria um surdo, as pessoas que reclinam os assentos como se não tivessem ninguém atrás ou a pessoa que vê videos partilhando o som com o resto dos passageiros são um desafio. Qual diversidade, qual encanto, qual amor à espécie humana. Uma viagem destas é um convite alegre e recusável à misantropia. 

Temos esta ideia, alimentando um anti-nacionalismo empedernido, que a TAP só é uma companhia decente a partir do momento em que se entra no avião, enquanto muitas outras companhias são decentes enquanto não se entre no avião. Viajei na Lufthansa porque me parecia uma companhia decente; a alternativa seria a United Airlines ou a Air France, com as quais tive experiência menos boas. O embarque em Frankfurt para Vancouver foi de vergonha - confuso, desorganizado, ineficiente, cheio de um excesso de proximidade física desnecessária. Uma incompetência. Comida boa, avião mau, pequeno e desconfortável para uma viagem de 10 horas. É o que temos.

Há uma virtude numa viagem desta dimensão: veem-se filmes que normalmente não se veriam. Como a escolha de entretenimento a bordo era fraquito, dei por mim a ver dois filme:

  • La nuit du verre d'eau (filme franco-libanês): Líbano, Verão de 1958. Três irmãs da boa sociedade cristã passam férias na montanha libanesa. A vida tranquila da aldeia é rodeada pelos ecos de uma revolução em Beirute e pela chegada de dois visitantes franceses. Mas é no interior da família que se vive a agitação. A mais velha das irmãs, Layla, mãe e esposa perfeita, abrirá os olhos sobre a sociedade patriarcal que as mantém sob controlo. No jovem Líbano que sonha com uma época áurea, poderá uma mulher ter um destino diferente daquele que é traçado pelos homens?
  • April, come she will (filme japonês): Shun Fujishiro é psiquiatra e trabalha num hospital universitário em Tóquio. Está noivo de Yayoi Sakamoto. Num dia de Abril, quando está prestes a casar com Yayoi Sakamoto, recebe uma carta do seu primeiro amor, Haru Iyoda. Namoraram há 10 anos. De repente, a sua noiva Yayoi Sakamoto desaparece.

Uma viagem destas torna-nos facilmente misantropos. Não fujo à regra. Salvaram-se ambos os filmes, que vi com gosto.

JdB

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