Foi hoje, mas há 24 anos.
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Pensar em '24 anos' não é só proferir a frase um pouco estafada: "já 24 anos? Meu Deus, o tempo passa a correr." Mais do que pensar os dias na vida, devemos pensar a vida nos dias. O que fiz com o tempo que me foi oferecido? De que forma aproveitei os desafios do destino?
Como já partilhei neste estabelecimento, estou em fase de fim de ciclos: deixei o Board da Childhood Cancer International e, hoje mesmo, saio do grupo de whatsapp que foi formado para esse efeito, já lá vão uns anos. É outra parte da minha ligação a um mundo que me foi próximo que desaparece. Só os que não me conhecem estranharão que saia do grupo logo no dia de hoje. Até ao final do ano deixarei de ser presidente da Acreditar; também até ao final do ano, ou início do próximo, entrego a minha tese de doutoramento.
Os ciclos que fecho são operacionais, não emocionais: a nível nacional ou internacional reduzo reuniões, representações em eventos, participações em grupos de trabalho. Essa é a parte instrumental, a que reside no meu cérebro, quase exclusivamente, da minha relação com o mundo da oncologia pediátrica. A parte emocional, a que reside no meu coração, quase exclusivamente, permanecerá sempre comigo; é ela - e muito! - que me constitui. O ter sido o que fui, o ter feito o que fiz, deriva desse facto de há 24 anos.
Curiosamente - ou talvez não - releio neste momento um livro, para efeitos de doutoramento, que tinha lido antes de 2001 (e que pouco me dissera) e que relera depois de 2001 (e que muito me dissera): O Homem em Busca de um Sentido (Viktor E Frankl). Esse livro está bem alto na minha lista de obras importantes, não só pelo seu conteúdo, mas pelo que transmite: a ideia de um sentido para a vida como forma de sobrevivência. Encontrei isto em mim próprio e em muitas das pessoas com que me cruzei - Pais de sobreviventes, Pais de crianças ou jovens que morreram, e que, mesmo assim, querem fazer alguma coisa por si e pelo próximo, querem contar uma história, pois é isso que lhes torna o sofrimento suportável.
Tenho uma história com 24 anos. Tenho uma história que se tornou indestrutível, que cimentou relações, que as reinventou ou que as colocou num patamar onde não existem definições óbvias. Tenho uma história povoada de pessoas importantes, de livros determinantes, de ideias inventadas há séculos mas que só eu vi - e para mim as vi - no momento em que me foram fundamentais. Tenho uma história com detalhes que só eu sei e que não conto, não porque sejam confidenciais, mas porque não saberia explicá-los. Talvez, ao contrário do filósofo, os limites do meu mundo não sejam os limites da minha linguagem. Tenho, por fim, uma história cheia de agradecimentos feitos, outros por fazer, outros que não carecem de palavras, porque quem me lê sabe do que falo.
"Cada um de nós podia tornar aquelas experiências numa vitória, transformando a vida num triunfo interior..." (Viktor Frankl). Apesar de tudo, talvez a vida me tenha sido fagueira.
J, em nome de todos os que te lembram.
4 comentários:
Um anjinho que vive e influencia muito para lá da sua curta vida terrena.
Abraço amigo,
fq
JB,
Penso que os que o conhecem e que conhecem a sua história , percebem perfeitamente que nada do que faz relativamente a este episódio, é por acaso. O tempo e energia que deu a esta causa, é inspirador e digno de uma enorme admiração! Intuo que o exercicio do cargo que ocupou, tenha ajudado a atenuar a saudade e o tenha levado a uma maior proximidade com a Sua filha .
Parabéns pela coragem !
FCB
fq e FCB
Obrigado a ambos pelo comentário. Sim, de facto os 7 anos que a Madalena esteve cá prolongam-se por um tempo que só é terreno porque nós o somos também.
Quanto ao meu merecimento pelo que fiz, temo que tenha, também, uma forte componente egoísta. Seguramente que fez muito por mim, e disso posso ser testemunha... E sim, consegui construir uma história e isso tornou tudo mais suportável.
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