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| Paredão do Estoril, ontem de manhã cedo |
Declaração repetida de interesses: continuo um homem de fé, e feliz na Igreja Católica a que pertenço há mais de 60 anos.
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Acabei de ler, por estes dias, o Peregrinação Interior (volume I, Reflexões sobre Deus) de António Alçada Baptista. Quis lê-lo, não só por causa do meu doutoramento, mas, também, para ver como tinha envelhecido um livro que deu que falar quando foi publicado pela primeira vez, em 1971. E começo com uma citação que ressoou dentro de mim: "[s]into que a procura séria de Deus passa necessariamente pela interrogação e pela liberdade e descobri que ter Fé é interrogar livremente o imenso mistério de Deus."
Já aqui referi que a partir de 2001, ano de todos os anos, a minha fé - ou o modo como eu a vivia - se alterou: o acontecimento brutal de que fui testemunha abriu-me os olhos para estes temas: fé, Deus, Igreja, religião, padres, linguagem... Ao mesmo tempo que eu desresponsabilizava Deus daquilo que me tinha acontecido (como teria desresponsabilizado se o desfecho fosse outro) o que era, para mim, um upgrade na forma como conciliava Deus e o sofrimento, eu iniciava um olhar ar crítico para outras áreas do meu mundo religioso. Esse olhar crítico levava-me a fazer perguntas para as quais não tinha - e não tenho - resposta cabal.
No passado sábado, no jornal Observador, o Pe. Portocarrero de Almada (um cronista que, devo confessar, leio sempre com um pé atrás) escreveu um artigo ao qual chamou Mentira Diabólica e no qual ataca um outro artigo, este da autoria de Frei Bento Domingues. E diz o Pe. PdA: "[p]ara o cronista [Frei Bento Domingues], 'o céu, o inferno, o purgatório, o juízo final são metáforas dos desejos e dos medos humanos. São representações engrandecidas do além à imagem do que há de melhor e de pior neste mundo.” Ao contrário do que afirma, não são projecções da imaginação humana, como também o amor de Deus não é metafórico, mas a realidade transcendente revelada por Jesus Cristo e testemunhada pela sua Igreja.
O tema do purgatório intriga-me. Segundo o Pe. PdA, "[e]mbora a realidade do purgatório não conste explicitamente na Sagrada Escritura, faz parte da Sagrada Tradição, a outra fonte da revelação divina, porque desde sempre na Igreja católica se rezou pelos fiéis defuntos, ou seja, se admitiu a existência de almas que, tendo-se salvo, ainda não chegaram ao Céu e, por isso, precisam dos nossos sufrágios." A ideia de haver almas que pairam num espaço à espera que se reze por elas para ascenderem ao Céu desconcerta-me, até pela injustiça de que parece revestir-se. Porque ando numa maré de interrogações e porque o purgatório, não só não vem mencionado na Bíblia, como não é um dogma de fé, permito-me ter dúvidas sobre a sua existência; ou ter dúvidas como se sai do purgatório, seja para o Céu, seja para o inferno. Tenho dificuldade em conceber que a ascensão ao Céu destas almas esteja dependente de orações: das nossas, de modo geral? Rezamos por quem, pela multidão anónima das almas do purgatório? E quem é que lá está, e porquê? E quando saem estas almas para o Céu? Podem nunca sair? E a responsabilidade é nossa? Será o purgatório um ardil para impor o temor aos crentes?
Frei Bento Domingues tem fama de esquerdista, talvez, ou de pessoa pouco alinhada com algumas posições da Igreja Católica em Portugal. Porém, não sabendo de que cor política seria Jesus se por cá andasse neste tempo, não resisto a reproduzir uma frase de Hubert Lyautey, militar francês (1854 - 1934) que Alçada Baptista cita no seu livro: "[s]e Cristo me tem aparecido na Argélia, com as suas ideias e a sua subversão, eu não teria outro remédio senão fuzilá-lo".
JdB

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