As melhores viagens são, por vezes, aquelas em que partimos ontem e regressamos muitos anos antes
17 julho 2024
Vai um gin do Peter’s ?
CURTA-METRAGEM SOBRE O MELHOR DA HUMANIDADE
Um filme circulado pela Sociedad Barcelona Videos, em 2019, convida as pessoas a interessar-se pelos mais chegados, começando pelos da proximidade geográfica. Ironicamente, esta interpelação foi lançada um ano antes da Covid-19, que nos obrigou à reclusão total, em casa (menos mau, o local do cativeiro) e a guardar a máxima distância de tutti quanti, começando pela vizinhança com quem há maior probabilidade de nos cruzarmos. Hoje, bem depois de a Organização Mundial de Saúde ter decretado o fim do risco pandémico, a maioria das pessoas retomou os encontros e o arejo dos bons tempos pré-covid, ‘quando éramos felizes e não sabíamos’. Por isso, o pequeno conto filmado volta a adequar-se ao actual status quo, sem restrições de convívio.
O título «SOLO NECESSITAMOS DE UMA EXCUSA PARA SER AMIGOS» ecoa o apelo do Papa filósofo Bento XVI, quando alertou para os tremendos equívocos de um mundo supostamente transformado em aldeia, graças às ligações interplanetárias operadas pelos avanços nas telecomunicações, mas sem ter conseguido converter os vizinhos em ‘próximos’. Esse não é um avanço ao alcance de nenhum progresso tecnológico, pois continua a depender das opções do coração humano. Como bem observavam Llosa, Joyce, Faulkner, Tolstoi e outros grandes da literatura, o horizonte da humanidade esgrime-se no íntimo do ser humano e convoca a riqueza interior de cada um, exigindo uma consciência da realidade e uma capacidade afectiva aguçadas. Nada disto depende da tecnologia, cujas proezas podem antes ajudar a anestesiar e a entorpecer quem queira viver distraído, à deriva, tentando esquivar-se à tensão profunda que uma vida consciente e consequente implica:
As novas plataformas sociais permitem o contacto com interlocutores no outro lado do planeta, mas raramente nos ajudam a reconhecer como ‘próximo’ quem está ao lado. Ao invés, têm exacerbado a estranheza social e tornado a realidade palpável mais distante e inacessível:
Imagens de visitas de estudo a museus, legendadas com «aborrecidos». Apesar de poder haver algum episódio explicável por um pedido de pesquisa, in loco, por quem estivesse a orientar a visita guiada, a generalidade tem merecido a interpretação mais óbvia. A fotografia à esq., com a tela de Rembrandt em fundo, é da autoria de Gijsbert van der Wal.
O vício da net e do telemóvel, a agravar-se com a idade, até ao final sarcástico, em que o vício persiste para lá da longevidade humana.
A banda sonora do filme acentua a mensagem visada, ao som de «What the world needs now is love». A ária de Burt Bacharach, com letra de Hal David(1), tem acumulado décadas de êxitos, desde o seu lançamento, em 1965, interpretada por Jackie DeShannon. Mais tarde, as vozes quentes de Dionne Warwick, de Tom Jones e de tantos outros prolongaram-lhe o sucesso:
Pelo caminho, em plena guerra do Vietnam (1971), a música adquiriu fortes conotações políticas através do remix feito pelo DJ Tom Clay, que a incorporou no single «What the World Needs Now is Love/Abraham, Martin and John». Ali emergiu como manifesto contra a dose de violência e de preconceitos na sociedade ocidental, sobretudo a norte-americana, que gera ódios, guerras e assassinatos em cadeia. Para ilustrar o ponto, o videoclip repassa os homicídios de grandes personalidades políticas do país, como o Presidente Lincoln, que pôs termo ao esclavagismo, o carismático opositor do racismo que foi Luther King, além dos manos Kennedy e de outros alvos eloquentes do lado (também) sangrento da história da superpotência atlântica. No rescaldo do bizarro e recentíssimo atentado contra Donald Trump, tudo volta a soar demasiado actual, demasiado familiar:
Para além deste hit musical, Bacharach compôs outras baladas memoráveis, que se ouvem incansavelmente. Não sabem envelhecer. Aqui fica uma selecção feliz (creio), sustentada em excelentes intérpretes:
Uma mensagem positiva da curta-metragem catalã e canadiana vem do facto de o gesto mais espontâneo e generoso provir da criança pequenina, ainda alheia ao individualismo extremo dos adultos. Cabe-lhe o papel central a reverter a actual obsessão pela produtividade, que apenas autoriza hobbies egocêntricos, condenando à solidão os ‘improdutivos’. Soma-se ainda um momento de suspense, que acentua o potencial da grandeza ao alcance do ser humano.
A conclusão do conto tem muito a ver com as férias, pois desemboca no hashtag: #eatTogether. A tranquilidade das férias ajuda a retomar os bons hábitos da vida de família, do convívio. A possibilidade que oferece de saborearmos o tempo, também as converte no momento ideal para voltarmos a tocar e mergulhar, diretamente, na realidade, sem a intermediação dos algoritmos e de toda a parafernália informática que tende a ritmarmos o dia-a-dia. Boas férias a quem já esteja a gozá-las.
Maria Zarco
(a preparar o próximo gin tónico, para daqui a 2 semanas)
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(1) Letra de WHAT THE WORLD NEEDS NOW IS LOVE:
«What the world needs now is love sweet love
It's the only thing that there's just too little of
What the world needs now is love sweet love
No not just for some but for everyone
Lord we don't need another mountain
There are mountains and hillsides enough to climb
There are oceans and rivers enough to cross
Enough to last 'til the end of time
What the world needs now is love sweet love
It's the only thing that there's just too little of
What the world needs now is love sweet love
No not just for some but for everyone
Lord, we don't need another meadow
There are corn fields and wheat fields enough to grow
There are sunbeams and moonbeams enough to shine
Oh listen Lord, if you want to know
What the world needs now is love sweet love
It's the only thing that there's just too little of
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