O
poeta cristão seria o que viesse
De
látego e, dele pálido, batido
Não
o amuseur de quermesse
Das
Cinco Chagas desvanecido.
No
seu cubículo compungido à noite.
Catando
na alma as gordas lesmas,
Sibilara-lhe
em sílabas o açoite
Em
suas carnes mesmas.
O
poeta é terror no ermo adornado,
Lâmpada
e vara quente.
Já
me sinto aterrado:
Falta-me
ser ardente.
(Vitorino
Nemésio)
***
O
amor não amado
Nem
sei porque ainda falo em Deus.
Se
de mim me afasto e obedeço ao mundo
-
traz ele consigo um sonho para levedar
na
perspicácia absorta de um farol de angústia –
e
não concedo esperança ao que anda em mim
podendo
ser volúpia da memória livre;
se
Deus partiu para o limite da vida
quando
olhámos ambos a realidade das coisas;
se
não existe uma barca onde o rumo se invente,
embora
as pontes sejam dessas barcas;
se
onde estiver um homem não estará outro homem.
não
sei, de facto, porque falo de Deus.
(Jorge
de Sena)
***
Lembra-te
ó homem
Lembra-te
ó homem daquele tempo antigo
considera
os anos da geração passada
quando
a cidade das palmeiras era olhada
por
cristo que passava entre o trigo
ou
anos antes pelo inimigo
que
falava a moisés do mais alto do fasga
Da
hortelã da arruda de qualquer erva plantada
pagaste
o dízimo ó meu triste amigo
quando
o amor é que exigia rapidez
Tens
de deixar casa vergéis e jardins
coisas
modestas como as unhas e os amendoins
E
o que vai ser de ti? Serás talvez
não
o que deus não foi para ti: rins
cingidos
mas um nome para a tua timidez
(Ruy
Belo)
***
Escuto
Escuto
mas não sei
Se
o que ouço é silêncio
Ou
deus
Escuto
sem saber se estou ouvindo
O
ressoar das planícies do vazio
Ou
a consciência atenta
Que
nos confins do universo
Me
decifra e fita
Apenas
sei que caminho como quem
É
olhado amado e conhecido
E
por isso em cada gesto ponho
Solenidade
e risco
(Sophia
de Mello Breyner Andresen)
Nota: lidos em papel e retirados daqui. Curiosamente, o poema de Sophia de Mello Breyner Andresen remata, na última página, o livo Deus pregou-me uma partida, que escrevi em co-autoria com a Rita Jonet.
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Nota: lidos em papel e retirados daqui. Curiosamente, o poema de Sophia de Mello Breyner Andresen remata, na última página, o livo Deus pregou-me uma partida, que escrevi em co-autoria com a Rita Jonet.
1 comentário:
Muito interessante e muito interpelante. A poesia, em sentido lato, sempre foi uma forma de expressão que pretende (ou ousa) ir além da linguagem. Como o canto do pássaro que anuncia a Primavera, como a inquietude dos sons nocturnos que nos estremecem, como os signos e os símbolos que nos conduzem até dimensões mais "etéreas" - a poesia é, não raro, uma "sagrada" reinvenção, a procura de uma certa pureza, a demanda interior de um país inteiramente novo. Por vezes, uns instrumento ao serviço de demiurgos; outras tantas, a voz humana do que parece indizível.
Daqui até à metafísica, é um passo pequeno. E, num país estruturalmente religioso - católico, melhor dizendo - e com uma prática poética longa, persistente, resistente, a intersecção destes planos é bastante rica. E, a espaços, de uma beleza incandescente.
Ruy Belo, por exemplo - quantos sabem que há nele um católico em dúvida, mas também um católico que crê? Um homem interroga-se e são já as Índias..
Obrigado, caro mestre-de-cerimónias-e-editor-em-chefe, pela divulgação deste novel livro.
Um abraço,
gi.
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