21 julho 2014

Vai um gin do Peter’s?

Embora sem conseguir ter confirmado a fiabilidade da fonte, é tão generosa e cheia de fé a mensagem, ou melhor dito, a oração atribuída a Judite de Sousa pela morte repentina do seu único filho de 29 anos, que partilho o texto, a par de outro assinado pela poeta (recusava-se ser “poetisa”) do mar – Sophia.

Em Judite, a mistura incrivelmente serena entre a saudade infinita e a esperança de um reencontro definitivo, num futuro próximo, é luminosa e de uma mansidão bem invulgar. Sobretudo, por acontecer na hora mais aguda e dolorosa do lusco-fusco. Comove.


Em Sophia – poeta da orla marítima e da liberdade, da possibilidade de a dor também trazer esperança, da alegria suave de quem sabe que as rosas têm espinhos – o presente é encarado e cantado à luz da eternidade, lançado num tempo que não conhece ocaso. Por isso, ressoa igualmente com voz maternal, a acreditar na densidade que se esconde no silêncio, na presença de Amor que impregna cada instante, mas sem triunfalismos fáceis, nem pragmatismos. Ao invés, mostra-nos a alma humana frente ao grande horizonte que o mar lhe evoca. Porque vida e morte se entrelaçam, misteriosa e inexoravelmente.

 

Estes são poemas que antecipam a hora da Partida definitiva:


 

    Escuto


                  Escuto mas não sei
Se o que oiço é silêncio
Ou deus
Escuto sem saber se estou ouvindo

O ressoar das planícies do vazio
Ou a consciência atenta
Que nos confins do universo
Me decifra e fita

Apenas sei que caminho como quem
É olhado amado e conhecido    
E por isso em cada gesto ponho
Solenidade e risco.
                                                                        Sophia de Mello Breyner Andresen.
      Aqui
Aqui, deposta enfim a minha imagem,
Tudo o que é jogo e tudo o que é passagem,
No interior das coisas canto nua.

Aqui livre sou eu — eco da lua
E dos jardins, os gestos recebidos
E o tumulto dos gestos pressentidos,
Aqui sou eu em tudo quanto amei.

Não por aquilo que só atravessei,
Não pelo meu rumor que só perdi,
Não pelos incertos actos que vivi,

Mas por tudo de quanto ressoei
E em cujo amor de amor me eternizei.

                                                                                                            In 'Dia do Mar'
                  (…)
              Se tanto me dói que as coisas passem
              É porque cada instante em mim foi vivo
              Na busca de um bem definitivo
              Em que as coisas de Amor se eternizassem.

                                                                        Sophia de Mello Breyner Andresen, in ‘TAPAS OS CAMINHOS


Arriscaria só trazer para o presente o tempo do verbo da última frase, para o aproximar dos nossos dias, acreditando que as coisas de Amor foram e são concebidas para se eternizar, talhadas para conquistar uma liberdade emancipada de todos os condicionalismos.

Este tipo de concepção arrojada do Eterno, habitado no seio do presente, é também professada por um dos maiores pensadores do século XX – Franz Rosenzweig(1), como lembrou o P.Tolentino na sua crónica semanal da revista do Expresso: «A eternidade é um hoje consciente de ser mais do que hoje.» Indo mais longe, aquele filósofo-escritor-teólogo, que viveu o inferno das trincheiras da Grande Guerra, arriscou afirmar que: «O grande poder do ser humano é que tudo o que ele necessita para ser humano tem-no no instante.» Uma verdade que nos toca de perto sempre que rasamos a morte e ficamos mais despertos para agarrar o momento actual como dom irrepetível.   

Maria Zarco

(a  preparar o próximo gin tónico, para daqui a 2 semanas)




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(1)  Este judeu alemão (1886-1929), que morre paralíptico aos quarenta e poucos anos de idade, vê esboroarem-se as suas convicções hegelianas, quando combate na Guerra de 14-18. É na própria bateria antiaérea alemã da frente sérvia que escrevinha, em bilhetes postais, a sua obra de referência – «A Estrela da Redenção» (1916)! 

A dor dilacerante daquele combate põe em cheque a sua perspectiva racionalista da história. Aterrorizado pelo paganismo selvático que grassa na cultura europeia, encapotado sob uma fé cristã raiada de superficialidade e de arrogância étnico-nacionalista, entra em desespero! Descobre, depois, nas raízes espirituais judaico-cristãs uma brecha de Esperança possível e factual, que o reconcilia com o ser humano, considerando-a a única realidade capaz de suplantar a bestialidade que assola o Velho Continente.

1 comentário:

Anónimo disse...

O meu agradecimento pela partilha de poemas de grande sensibilidade que nascem da vida, da dor, mas sobretudo do Amor. Daquele que nos une na nossa humanidade comum, que nos distingue ao nível da consciência, mas que abafamos, sofucamos e só qdo a Vida nos confronta, confrontamos.

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